- Folha de S. Paulo
Grupos são um perigo, mas também são a nossa salvação
Não sou de prolongar polêmicas, mas volto ao caso dos torcedores brasileiros na Rússia, que foi objeto de réplica do meu amigo Contardo Calligaris em sua coluna de quinta (5). Faço-o principalmente porque, desta vez, temos mais concordâncias do que discordâncias, ainda que reste uma divergência importante.
Nosso ponto de consonância é que grupos são um perigo. Quase tudo o que deu errado na história da humanidade teve patologias do pensamento de grupo como uma de suas causas. Entram nessa categoria tanto os desastres ideológicos (nazismo, stalinismo) quanto as guerras de religião e perseguições do dia a dia, que vitimam pessoas com comportamentos que não se conformam à norma, como homossexuais, adúlteros, hereges, loucos etc.
E não é só o contato com a turba ignara que leva a essas atitudes. A psicologia social está repleta de experimentos perturbadores, como o de Stanley Milgram, que mostra que pessoas normais não precisam mais do que estímulos leves de uma suposta autoridade para fazer coisas horríveis com seus semelhantes.
Ocorre que grupos também são a nossa salvação. Há um crescente corpo de evidências a sugerir que a própria razão só funciona como uma empreitada coletiva. A ciência, os avanços institucionais e o progresso moral que experimentamos do século 18 para cá só ocorreram porque ideias que pareciam absolutamente respeitáveis, quando não sagradas, foram contestadas e substituídas.
Se a sociedade não pode ignorar os perigos colocados pelo pensamento de grupo, bem representados pela atitude dos torcedores, tampouco pode dar-se ao luxo de punir em demasia ideias e ações que se desviem da moralidade dominante. O risco aí é o de sufocar a necessária contestação dos padrões.
Em outras palavras, tolerância é fundamental. E, como o futuro é contingente, a tolerância não pode ter lado predeterminado. Precisa valer tanto para os boçais como para os gênios revolucionários.
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