A associação com a americana Boeing é um passo numa longa trajetória que passa pela internacionalização e integração a cadeias globais de produção
Se reações contra a abertura da economia brasileira ao mundo se alimentam do nacionalismo dos anos 50, para impedir a modernização do país em defesa de interesses menores, a operação confirmada ontem entre a Boeing e a Embraer vai em sentido contrário, dentro de um modelo industrial moderno. Reafirma a importância de empresas brasileiras estarem conectadas a cadeias globais de produção.
A alternativa oposta seria cultivar o ingênuo orgulho por abrigar como “genuinamente nacional” a terceira fabricante de aviões do mundo, mas com o destino marcado de perder terreno numa concorrência feroz, por falta de condições de se manter atualizada em tecnologia, estrutura de vendas e capitalização.
Mas, como ideologia não tem cérebro, há — ou pelo menos havia — resistências sindicais na região de São José dos Campos, próximo a São Paulo, onde a Embraer tem sede. Chegouse a especular que a liminar concedida pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski, em ação impetrada por sindicatos, para subordinar qualquer privatização ao Congresso, tinha este negócio como um dos alvos.
Ora, mas a Embraer é empresa privada desde o final de 1994, tendo o Estado uma “golden share” para vetar decisões estratégicas. Esta associação com a americana Boeing é uma, mas essencial para a sobrevivência da empresa. E tem sido, de resto, um negócio acompanhado de perto pelo governo, em especial o Ministério da Defesa e a Força Aérea Brasileira (FAB). Pois um segmento importante na Embraer é o militar, onde há transferência de tecnologias com cláusulas de sigilo, caso do caça sueco Gripen, comprado pela FAB. Por óbvio, a Boeing não pode ter acesso a informações sobre este jato.
A solução encontrada é a melhor: constituição de uma empresa à parte, da qual a Boeing terá 80% e a Embraer, 20%, um negócio no qual a americana entrará com US$ 3,8 bilhões. A Embraer transfere para esta subsidiária seu segmento de aviação comercial, avaliado em US$ 4,75 bilhões.
A aproximação com o gigante americano — US$ 93,4 bilhões de faturamento anual, contra US$ 18,7 bilhões da Embraer — tornou-se inexorável depois que o consórcio europeu Airbus, que disputa com a Boeing o mercado de grandes jatos, adquiriu da canadense Bombardier a linha de jatos da “Série C”, concorrentes dos aviões brasileiros. A liderança conquistada pela Embraer desapareceria com o tempo.
Já a Boeing, por seu lado, precisava reforçar a presença no mercado de aparelhos menores, como fez a Airbus. Surgiu, então, este casamento potencialmente perfeito, sem atrapalhar a produção de aviões militares. O recémlançado cargueiro KC-390, por exemplo, pode até receber o reforço da estrutura de vendas da Boeing.
A criação da nova empresa é mais um passo da Embraer numa história de sucesso que tem dependido da integração com o mundo, acelerada depois da privatização. A internacionalização de negócios, de sistemas produtivos, é o caminho mais curto para o desenvolvimento. E o protecionismo trumpista e da extrema-direita europeia não terá vida longa, dada a integração a que já chegou a economia mundial.
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