sexta-feira, 6 de julho de 2018

Claudia Safatle: Congresso quer enquadrar Judiciário

- Valor Econômico

Avanço do Poder Judiciário incomoda os pré-candidatos

O Congresso Nacional deu, nesta semana, um primeiro passo para recuperar suas funções e tentar restabelecer a ordem entre os poderes da República, subvertida ao longo dos últimos anos. O Judiciário avança sobre a área de atuação do Legislativo e prolonga seus braços sobre as competências do Executivo.

Na terça feira foi aprovado na Comissão de Constituição e Justica (CCJ) da Câmara e enviado para o Senado o projeto de lei 7.104/ 2017, que restringe a concessão de decisões monocráticas de natureza cautelar na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

Se aprovado e sancionado pela Presidência da República, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ficam proibidos de decidir individualmente nesses processos, mesmo em casos urgentes. O projeto estabelece como única exceção os períodos de recesso do Judiciário (janeiro e julho), em que os presidentes dos tribunais dão plantão.

O substitutivo do relator, deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), determina que, nesse caso, as decisões terão que ser confirmadas pelo plenário do STF até a sua oitava sessão após a retomada das atividades da Corte.

O artigo n° 97 da Constituição Federal estabelece que "somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público". Apesar da clareza da determinação constitucional, sobretudo de 2009 para cá banalizou-se a concessão de liminares de forma individual.

Cunha Lima coleciona exemplos do que considera "um aumento indiscriminado do número de decisões monocráticas proferidas por ministros do STF". Citou uma resolução da então ministra Cármen Lúcia, de março de 2013, que suspendeu os efeitos de dispositivos que criavam novas regras de distribuição dos royalties do petróleo contidas na Lei 12.734/12. O assunto nunca foi levado ao plenário do STF.

Também em 2013 o então ministro Joaquim Barbosa, no exercício da presidência durante o recesso, concedeu liminar para a ADI 5.017, proposta pela Associação Nacional dos Procuradores Federais, contra a Emenda Constitucional 73 que criou quatro novos tribunais regionais federais. A emenda está suspensa até hoje e o plenário não julgou o caso. A ação chegou a entrar na agenda de junho, mas foi retirada de pauta, sem maiores explicações, pela presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia.

Na semana passada o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar impedindo que o governo coloque a venda ações de empresas públicas, sociedades de economia mista, ou de subsidiárias sem que o Congresso seja previamente consultado. Em uma só penada o ministro travou o programa de desinvestimento da Petrobras e adicionou dificuldades para a venda das distribuidoras de energia da Eletrobras.

Foi uma liminar de Lewandowski que, em dezembro do ano passado, manteve o reajuste concedido pelo governo federal aos servidores, que havia sido adiado por um ano como uma das medidas de ajuste das contas públicas. Ele também anulou o aumento da contribuição previdenciária do funcionalismo público de 11% para 14%. Ambas as decisões foram tomadas, segundo o próprio ministro do STF, "com base em um exame superficial da questão", mas prevalecem até agora.

A lista é interminável. Praticamente 90% das 113,6 mil decisões proferidas pela Corte, no ano passado, foram individuais, segundo pesquisa divulgada pelo site Consultor Jurídico, feita a partir de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Esses números revelam um Supremo com imensa dificuldade para cumprir sua função básica, de garantir a vigência da Constituição. Órgão colegiado por natureza, o STF não pode ficar à mercê das convicções doutrinárias ou das preferências políticas de apenas um magistrado. No debate do plenário as decisões vão sendo moldadas de forma mais transparente, fundamentadas na argumentação de cada um dos 11 ministros.

Imprevisíveis, as resoluções individuais geram mais insegurança jurídica no país, disseminando situações corrosivas para o ambiente econômico.

Ontem, em mais uma ação polêmica, o ministro Edson Fachin, do STF, determinou o afastamento do ministro do Trabalho, Helton Yomura, que à noite pediu demissão. Indicado pelo PDT, o afastamento decorreu de suspeita de fraudes na concessão de registros sindicais. Por ser a segunda decisão relativa a esse ministério - no início do ano o STF impediu a posse da deputada Cristiane Brasil, do PDT, no cargo de ministra do Trabalho - nem se percebe que Fachin tratou com displicência a Constituição de 1988 que, no artigo 84, diz: "Compete privativamente ao Presidente da República nomear e exonerar Ministros de Estado".

Com maior ou menor ênfase, os pré-candidatos à Presidência, em geral, têm demonstrado irritação com o avanço do Judiciário. O tema perpassa o interior das campanhas.

Em debate na Confederação Nacional da Indústria (CNI), na quarta feira, Ciro Gomes, pré-candidato do PDT, acusou o Judiciário de "intrusão completamente descabida" nos outros poderes. Até no Judiciário foi aberta uma discussão sobre a desjudicialização do Brasil.

Na contraofensiva da política, discute-se de tudo, inclusive o perdão a quem foi condenado na Lava Jato. A estratégia do PT está desenhada. No dia 15 de agosto, data para requerer o registro dos candidatos, o ex-presidente Lula vai se habilitar, já sabendo que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não deverá permitir a sua candidatura. Preso em Curitiba, sem poder concorrer, Lula indicará Fernando Haddad que, em seguida, deverá anunciar como a primeira medida de seu governo, se for eleito presidente da República, a concessão de indulto a Lula. O slogan da campanha está pronto: "Lula é Haddad; Haddad é Lula".

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