A China enfrenta seu maior desafio econômico desde que, há 40 anos, Deng Xiao Ping abriu a era das reformas. O país se tornou a segunda maior economia do mundo e agora enfrenta uma guerra comercial com os Estados Unidos e um período de desaceleração, depois de deixar para trás o padrão acelerado de dois dígitos de crescimento, que assombrou o mundo. A comoção econômica vem acompanhada de descontentamentos políticos na cúpula do governo, discretos e cifrados como costumam ser em uma ditadura comunista que em um par de anos se tornará a mais longeva da história.
Não apenas a economia terá de se acomodar em uma velocidade diferente desde quando Deng lançou seu programa reformista, como o equilíbrio político terá de estabilizar-se em outra órbita. Xi Jinping quebrou a norma de Deng da direção colegiada e reeditou o culto da personalidade, sedimentado pela aprovação do fim do mandato fixo para presidente. Na conferência econômica que se desenrola em Pequim, Xi fez um discurso sem acenar com novas reformas e reafirmou que a concentração de poder em torno de si tornou-se um dogma. Depois de dizer que o que tem de ser reformado será resolutamente reformado e o que não tem de ser, não será, Xi afirmou: "O que não será reformado é a posição dominante do partido e o núcleo dessa posição de liderança de Xi".
Os desequilíbrios da economia chinesa se acumulam desde a crise de 2008 e o governo procurou resolvê-los mudando acertadamente a orientação em direção ao consumo doméstico e freio nos investimentos. A guinada implica taxas menores de crescimento, o que de fato ocorreu, talvez não tanto nas estatísticas chinesas, que não são confiáveis. Mas isto ocorreu simultaneamente com ameaças de estouros de bolhas variadas, infladas pelo período de crescimento febril anterior e por estímulos creditícios contra a crise de 2008. O resultado foi um endividamento de 250% do PIB, principalmente privado, o que torna o esfriamento econômico a ante-sala de quebradeiras e falências em massa que o governo reluta em permitir.
Xi Jinping vários vezes começou a apertar o crédito e voltou atrás, até ser atingido pela guerra comercial decretada por Donald Trump, que tende a acentuar a desaceleração da economia. Com todas as alavancas do crédito nas mãos do governo, o crescimento chinês será o que Xi julgar conveniente (Michael Pettis, Valor). Mas os problemas sobrevivem às estatísticas e as últimas delas não foram boas. As vendas no varejo em novembro foram as menores em 15 anos, e a produção industrial, a menor em 3 anos, puxada pela maior queda na demanda de automóveis desde os anos 90.
Além disso, a guerra tarifária já fez estragos consideráveis. As vendas para os EUA dos 1.333 produtos que sofreram aumento de tarifas de 25% caíram 18% na média móvel trimestral encerrada em outubro. As exportações de mercadorias que passaram a pagar 10% (na lista de US$ 200 bilhões) aumentaram 20%, em um claro movimento de estocagem diante do risco de tarifas ainda maiores em breve.
Os EUA não ficaram ilesos. Suas exportações declinaram 60% no período e, desconsideram o baque da soja, 40% (Financial Times, 5 de dezembro).
As exportações chinesas reduziram seu ritmo de crescimento no ano de 15,6% até outubro para 5,4% em novembro. A demanda chinesa por importações caiu 8,8% no caso do minério de ferro e algo como 12% em alguns tipos de aço, o que reforçou o movimento de desaceleração econômica global em curso. Os preços ao consumidor na China, diante da temperatura tépida das atividades econômicas, caiu de 2,5% para 2,2% no mês passado.
A transição do modelo chinês, sob pressão da ameaça externa dos EUA e da ameaça interna do endividamento excessivo e grande capacidade ociosa em vários setores, provoca instabilidade, com reflexos políticos. As concessões que a China já fez aos EUA deixam o campo aberto a um acordo naquilo que é possível de ser negociado, isto é, o que não afeta a soberania do país. Xi não sabe, porém até aonde Trump quer chegar, e, talvez, nem o próprio Trump. A desmontagem das cadeias produtivas, resultado extremo de um conflito prolongado, trará problemas sérios à China, especialmente se for bem-sucedido o cerco ao seu desenvolvimento tecnológico.
A China terá de ser mais capitalista, isto é, jogar de acordo com as regras de mercado e com lisura nas patentes e transferência de tecnologia. A retranca de Xi Jinping pode não favorecer esta abertura e por isso sua definição sobre as próximas reformas são tão relevantes. Mas ele preferiu proferir chavões e afirmar sua autoridade na reunião que se inicia.
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