- Valor Econômico
Fim do recesso diminui margem de erro do governo
O governo toma forma e já é possível compreender como agem o presidente da República e seus ministros. No entanto, só será possível ter alguma ideia de como se comportarão expostos às ações da oposição e à interação com os demais Poderes a partir de sexta-feira, quando o Legislativo e o Judiciário retornarem do recesso.
O presidente permanecerá internado em São Paulo por mais alguns dias, após a cirurgia de retirada da bolsa de colostomia. Mesmo assim, agora os agentes econômicos ávidos por reformas e os eleitores que votaram por novas práticas políticas terão mais condições de aferir como se darão as relações entre o governo e os congressistas.
Também está ainda no campo das expectativas como se dará a convivência entre o Planalto e o Judiciário. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, diz desde o ano passado que pretende conduzir o STF para longe das atribuições dos demais Poderes. Mas agora o destino político de Flávio Bolsonaro também passou a depender da Corte.
Desde que tomou posse, há cerca de um mês, o presidente Jair Bolsonaro encontrou considerável liberdade de ação. Na visão de autoridades do governo, até mesmo os seguidos recuos observados nas últimas semanas deveriam ser vistos sob o aspecto positivo. Tais idas e vindas demonstrariam a flexibilidade de Bolsonaro e derrubariam o estigma de radical que marcou sua imagem nos últimos anos, argumentam.
Longe da capital federal, a oposição oscilou entre a omissão e a falta de capacidade de articulação para a formação de um bloco capaz de construir obstáculos significativos ao governo. Desde o início do mês, restringiu sua atuação aos caracteres publicados nas redes sociais, como se as palavras de ordem remanescentes da campanha eleitoral da qual saiu derrotada fossem suficientes para fiscalizar a atuação do governo.
O fato é que praticamente todas as crises que a administração Bolsonaro enfrentou até agora foram provocadas por seus próprios equívocos ou erros de aliados, incluindo nesta seara as denúncias sobre os negócios ou o comportamento dos filhos do próprio presidente.
Com a retomada dos trabalhos do Congresso, contudo, uma nova dinâmica irá se impor. Passará a ficar mais claro como será a divisão de tarefas, na articulação política, entre a Casa Civil e a Secretaria de Governo da Presidência da República. A primeira, chefiada pelo ministro Onyx Lorenzoni, contratou ex-parlamentares de sua confiança para despachar com deputados e senadores. Os mesmos já são contestados pelos antigos colegas.
O titular da Secretaria de Governo, ministro Carlos Alberto Santos Cruz, por sua vez, recebe parlamentares em seu gabinete e vislumbra a realização de reuniões com governadores e representantes das diversas regiões do país.
Os parlamentares também estão curiosos para checar, na prática, como se dará o relacionamento com um governo que prometeu escantear os políticos tradicionais e dirigentes partidários. As frentes parlamentares temáticas representariam o canal de interlocução prioritário entre o Palácio do Planalto e o Legislativo, mas o governo já sinalizou que receberá os líderes das legendas interessadas em apoiar a reforma da Previdência Social.
Esses mesmos líderes partidários acreditam que já neste primeiro semestre ficará claro se o governo precisará reavaliar sua estratégia política e acabará cedendo às também tradicionais demandas feitas pelos parlamentares ao Executivo. Com menor espaço para indicar afilhados para cargos na máquina pública, o próximo objeto de interesse de deputados e senadores devem ser os chamados recursos extraorçamentários liberados pelos ministérios para obras e programas em seus redutos eleitorais.
Os articuladores políticos do governo dizem acreditar que a renovação resultante da eleição de outubro será um fator determinante na redefinição dos parâmetros das negociações entre o Planalto e o Congresso. E apostam na pressão de governadores e prefeitos na mobilização de deputados e senadores para as votações.
No Palácio do Planalto, reconhece-se que este primeiro mês foi usado em grande parte para planejamento e entrosamento entre os ministros e suas respectivas equipes. "São 22 ministérios diferentes, 22 pessoas completamente diferentes, cada um com monte de problema diferente. Por mais que se planeje, é só a convivência que faz a coisa andar", resume um auxiliar direto de Bolsonaro.
Essa etapa não foi concluída, embora a rápida e eficaz coordenação federal na reação à tragédia de Brumadinho prove que o governo avança. Há ainda um clima de desconfiança entre integrantes do alto escalão, além de divergências sobre qual deve ser o formato definitivo da proposta de reforma da Previdência. Isso sem falar no risco de, mesmo popular, o presidente desperdiçar seu capital político tentando conciliar em sua agenda legislativa propostas prioritárias da equipe econômica, uma pauta sobre costumes e outra de combate à crise de insegurança pública. O governo agora tem menos margem para errar.
Bolsonaro e caminhoneiros
As responsabilidades do cargo logo fizeram Bolsonaro reformatar algumas de suas posições históricas, mas sempre será útil revisitar as propostas que apresentou enquanto foi deputado federal.
Os projetos dão pistas de como o presidente pensa: o alerta da vez é para os caminhoneiros que planejam novas paralisações, risco monitorado pelo governo antes mesmo da posse.
Em 2016, ele apresentou proposta com o objetivo de incluir, no Código Penal, a obstrução do trânsito em vias terrestres sem autorização prévia das autoridades competentes. Punição em caso de desrespeito? Reclusão de um a três anos. De acordo com o projeto de Bolsonaro, em caso de prejuízo ao funcionamento de serviço de emergência, a pena dos responsáveis aumentaria em um terço. E o acréscimo da pena seria de dois terços "ao integrante de entidade representativa ou movimento social que incita grupo de pessoas à prática do crime".
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