Depois de ser protagonista, junto com a anglo-australiana BHP, no maior desastre ambiental da história do país - o rompimento da barragem de resíduos em Mariana, que arrasou o Vale do Rio Doce - a Vale agora está envolvida, três anos depois, em uma das mais letais tragédias da mineração no país. O rompimento, na sexta-feira, da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG) provocou 65 mortes (até a noite de ontem) e 292 pessoas estavam desaparecidas. As chances de resgate de sobreviventes agora são pequenas.
Há um cipoal de responsabilidades nas tragédias recentes da mineração no país. Com a devastação ambiental produzida em Mariana, a Vale, sócia da BHP e sob comando de Murilo Ferreira, deveria ter mais que redobrado os esforços de segurança e reforçado sua gerência de riscos em todas as minas que opera com sistema de barragem semelhantes à do Fundão. O rompimento em Brumadinho, bem pior em número de vítimas, põe em dúvida a atitude da empresa com a segurança das comunidades e de seus próprios funcionários, submersos pela lama da barragem rompida.
Fabio Schvartsman, principal executivo da companhia, disse que "seguiu toda a orientação dos técnicos e esse negócio deu no que deu" (Globonews). "Quer dizer, não funcionou". A estabilidade da barragem foi atestada pela última vez em setembro pela consultoria alemã Tüv Süd.
Ambientalistas e ONGs apontam que a Vale recebeu em tempo recorde licença para aumentar substancialmente a produção em Brumadinho e que na renovação de sua licença, em reunião na Câmara de Atividades Minerárias, órgão do governo mineiro, em dezembro, o representante do Ibama se absteve de votar e houve voto contrário do representante do Forum Nacional da Sociedade Civil (Fomasc). Apontam também o poder das mineradoras sobre a regulação do setor. Após a tragédia de Mariana, Ministério Público e ambientalistas enviaram propostas de mudança da legislação, entre elas a de fim do automonitoramento, necessidade de revisões periódicas das barragens de acordo com seu nível de risco e proibição da concessão de licenças para construção ou ampliação de reservatórios em locais com comunidades próximas ao curso dos rios (Folha de S. Paulo, 27 de janeiro). A Assembleia Legislativa ignorou as propostas.
Por outro lado, a única coisa previsível e comum às tragédias brasileiras é a precariedade da fiscalização da União e dos Estados. Relatório do Senado, em 2016, apontou que a União tinha, em 2015, só 4 fiscais para verificar as condições de 317 barragens em Minas Gerais, e 18 encarregados da mesma função em todo o país. Um relatório de segurança de barragens apontou que em 2017, 211 de 790 barragens do tipo da que vazou em Mariana foram vistoriadas, ou 27% do total (Folha de S. Paulo).
Além das perdas irreparáveis em vidas humanas, resta um pesadelo judicial do qual os sobreviventes não acordarão tão cedo. Dois anos após o desastre em Mariana, estava em andamento um processo criminal contra Vale, BHP e 22 pessoas, acusadas do homicídio de 19 pessoas. Mais de 50 mil ações de pessoas prejudicadas fora de Mariana pelos estragos causados pelo rejeito em todo o vale, esperavam uma sentença unificadora de casos repetitivos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Para os diretamente atingidos em Mariana, a Fundação Renova organizou auxílio e providencia indenizações em um acordo que prevê para isso e a revitalização do vale, cerca de R$ 20 bilhões. Das 22 multas aplicas à Samarco, apenas uma está sendo paga, em parcelas (Estado de Minas, 5 de novembro de 2018).
Com a crônica letargia judicial e a infinidade de recursos possíveis, as penas para quem teve a responsabilidade direta ou indireta por desastres ambientais são leves e não têm efeito dissuasório relevante. Sem a ameaça de pesadas punições pecuniárias e/ou criminais a preocupação com a preservação ambiental dos projetos de mineração passam a ocupar o segundo plano, em especial quando os preços do minério de ferro apontam para cima.
O alto preço em vidas do desastre de Brumadinho pode ou não mudar essa situação. Os investidores derrubaram em 24,5% as ações da Vale, que perdeu R$ 72 bilhões em valor de mercado. A Justiça mineira bloqueou R$ 11 bilhões da companhia. É um choque, superável, porém, para a maior mineradora de ferro do mundo. Tudo vai depender agora da apuração das causas do rompimento da barragem e da atribuição de responsabilidades.
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