- Folha de S. Paulo
Presidente deu declarações ambíguas no Twitter que foram interpretadas por seguidores como ataques a Jean Wyllys
Na semana em que Jean Wyllys abriu mão do mandato para escapar de ameaças de morte, Jair Bolsonaro decidiu brincar com o contexto das palavras. Numa sequência de declarações ambíguas no Twitter, o presidente alimentou a intolerância dos seus seguidores, enquanto se albergava na literalidade descontextualizada do que havia dito.
Quando Wyllys anunciou na tarde do dia 24 que desistia do mandato de deputado e que pretendia sair do Brasil, uma onda de comoção tomou as mídias sociais. Cidadãos de todas as orientações reconheceram que a democracia saía abalada quando um parlamentar eleito abria mão do mandato porque não suportava mais viver uma rotina de agressões e ameaças.
Assim que a solidariedade com Wyllys se espalhou, uma campanha impulsionada pela direita começou a ridicularizar os temores do deputado e a celebrar que sairia do país. Ativistas promoveram a hashtag #VaiPraCubaJean com deboches e insinuações contra o político que fugia do clima de intolerância. Bolsonaro tweetou: “Grande dia!”; seu filho Carlos tweetou em seguida, com indisfarçada ironia: “Vá com Deus e seja feliz!”.
Depois da repercussão negativa, Bolsonaro alegou outro contexto, dizendo que “grande dia” se referia às suas atividades em Davos. Seus seguidores, porém, não tiveram dúvida sobre o que o presidente se referia —a grande maioria dos comentários e retweets fazia menção à decisão de Jean Wyllys.
No final daquele dia, uma tese estapafúrdia começou a ser difundida. Apoiadores de Bolsonaro começaram a divulgar nas mídias sociais que Wyllys estaria envolvido ou seria o mandante da facada em Bolsonaro e que o abandono do mandato e o autoexílio seriam um pretexto para escapar das investigações.
A tese apareceu primeiro no Twitter, ganhou ampla difusão no YouTube e ocupou as manchetes dos sites hiperpartidários na madrugada do dia 24. Na manhã do dia 25, Bolsonaro de novo interveio apostando na ambiguidade. No Twitter e no Facebook, publicou uma imagem listando suspeitas que persistiriam sobre o atentado contra ele, entre elas, diversas insinuações sobre a participação do PSOL. Em nenhum momento o texto menciona Jean Wyllys, mas, outra vez, ninguém teve dúvida sobre a tese que o presidente estava endossando.
Bolsonaro acredita que pode conciliar o papel de governante com o de agitador das massas, o de propagador de boatos e o de lacrador das mídias sociais.
Cedo ou tarde vai aprender que, além de não condizer com a compostura que se espera de um presidente, o jogo da mobilização permanente favorece sempre quem está na oposição.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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