Eleições
mornas dificultam leitura dos resultados
“Que lições podemos tirar destas eleições?”,
pensava eu enquanto voltava para casa depois de cumprir minha obrigação
democrática, esta coluna esperando para ser escrita. Seções sem filas, nenhum
cabo eleitoral distribuindo santinhos nas imediações do local de votação, ruas
desertas como num feriado qualquer - nem parecia dia de eleição.
A
pandemia foi apontada por muitos como a principal razão para o desinteresse
demonstrado pelo eleitor com o pleito deste ano. Certamente o medo da
contaminação e as medidas de distanciamento social tiveram sua importância, mas
o novo coronavírus está longe de ser a única explicação.
Nos
últimos meses os governos locais flexibilizaram as restrições às atividades econômicas
e sociais, e muitos de nós também relaxamos as limitações auto impostas de
circulação. Dados compilados pelo aplicativo Waze e disponibilizados pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostram que a taxa de congestionamento
de trânsito nas regiões metropolitanas brasileiras, que chegaram a cair mais de
80% em abril, já estavam “apenas” 8% menores na última semana. O relatório de
mobilidade urbana do Google também vai na mesma direção, indicando que a
frequência a locais de trabalho, que atingiu -34% na última semana de março, já
havia recuperado para -5% no dia 10, na média nacional.
Com
bares lotados, comércio reaberto e até atividades de lazer e interação social
(como clubes, academias e cultos) liberadas, seria muito raso atribuir à
pandemia a culpa pelas eleições mais mornas de nosso passado recente. Afinal,
se as campanhas não ganharam as ruas, tampouco agitaram as redes sociais.
Depois de tudo o que se falou sobre o poder dessas novas mídias em 2018, a
disputa entre Biden e Trump teve repercussão imensamente superior nos grupos de
WhatsApp e no Twitter dos brasileiros do que o pleito atual.
Embora
careça de comprovação científica a hipótese de que as eleições municipais são
uma prévia das disputas gerais a serem realizadas dois anos depois, sempre
houve uma conexão entre o local e o nacional, seja olhando para frente ou para
trás.
Em
1992, o processo de impeachment de Collor impulsionou a vitória de muitos
candidatos da esquerda (PT e PDT), e a implantação do Plano Real foi
fundamental para o sucesso dos partidos da base de apoio de FHC em 1996.
Na
sequência, os três principais partidos da redemocratização dominaram também o
poder na maioria das cidades brasileiras na primeira década do século, com MDB,
PSDB e PT angariando a maioria das prefeituras do país (e não só nas capitais).
Mas
eleições municipais também funcionam como pequenos sismos que podem anunciar
grandes terremotos políticos sendo gestados nas entranhas do território
nacional. Foi assim em 2000, quando a vitória do PT em seis capitais
importantes, nas cinco regiões geográficas, sinalizou que o partido abria
caminho para alçar seu voo mais alto, com a eleição de Lula dois anos depois.
Da mesma forma, o efeito devastador da Lava-Jato, o impedimento de Dilma e a
crise econômica aplicaram uma surra nos petistas em 2016, permitindo o avanço
de um discurso anti-establishment e conservador que desaguou na onda
bolsonarista de dois anos atrás.
Em
2020, porém, nada disso parece ter ocorrido. Os grandes figurões da política
nacional abstiveram-se de vestir a camisa e entrar com vontade no campo
municipal. Bolsonaro, Lula, Ciro, Doria, Moro e Huck - nomes que vêm sendo
apontados como prováveis nas urnas em 2022 - ou tiveram atuação pontual nas
disputas (em geral com resultados bem ruins, como Lula e Bolsonaro), não se
envolveram (Moro e Huck) ou até mesmo foram ignorados por correligionários
(caso de Bruno Covas e Doria).
Com
isso, as eleições deste ano perderam muito de seu apelo como previsão
meteorológica do clima político no futuro próximo. Para completar, o auxílio
emergencial ainda deixa a população anestesiada quanto aos efeitos econômicos
da covid-19 (que chegarão com força em 2021), também impedindo a nacionalização
da disputa. Isso não quer dizer, porém, que não possamos extrair algumas
tendências para serem monitoradas a partir dos resultados eleitorais de ontem.
A
maioria dos analistas tem criticado a fraqueza de Bolsonaro como cabo eleitoral
(principalmente por causa do fracasso de Russomano em São Paulo), mas a
recuperação de Crivella na véspera da eleição no Rio e o bom desempenho de
candidatos evangélicos e militares Brasil afora mostram que o presidente mantém
forte influência sobre boa parte do eleitorado brasileiro.
No
outro extremo, o mau resultado nas capitais comprova a tendência, já visível em
2018, de enfraquecimento do petismo em favor de outras legendas que costumavam
girar ao seu redor. Assim, a esquerda entra no jogo das próximas eleições
presidenciais dividida entre um partido com estrutura, mas com forte
resistência do eleitorado (PT), e novas lideranças com um discurso mais
atraente principalmente para os jovens, mas sem musculatura nacional (Psol, PDT
e PCdoB). Unir-se numa frente única ou seguirem independentes pelo menos no
primeiro turno será o grande dilema a atormentar a esquerda daqui pra frente.
Para
aqueles que esperam contar com uma opção viável entre Bolsonaro e um adversário
de esquerda em 2022, os resultados de ontem indicam que o eleitorado pode se
inclinar mais à centro-direita do que à centro-esquerda. As vitórias (ou
lideranças provisórias) de candidatos do DEM, PSDB, PSD e demais partidos do Centrão
nas capitais mais populosas e no Nordeste - onde se deu a resistência de Haddad
em 2018 - indicam que a construção de uma opção nesse campo pode ter condições
de furar a polarização atual. Resta saber se essas forças de direita, menos
extremas que o bolsonarismo, conseguirão chegar a um denominador comum ou
entrar fragmentados (e assim, fadados à derrota) como foi há dois anos.
A
falta de empolgação do eleitor e a prevalência de fatores locais sobre os
nacionais tiraram o brilho da disputa de ontem. Isso, porém, não reduz a
importância do seu resultado. Pelo contrário, analistas e principalmente
lideranças políticas levaram um bom tempo deglutindo os números das urnas.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”
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