O
prefeito que canalizar energia positiva que há no Rio poderá conduzir a cidade
ao seu papel no planeta
Outrora
tão animadas, as eleições municipais, coitadinhas, foram bombardeadas, este
ano, por vários mísseis adversos: pandemia, as próprias eleições americanas e o
crescente desencanto com a política.
Estávamos
certos, no passado, quando dávamos a elas uma atenção maior que à escolha por
cargos federais. Reuniões diárias, comícios domésticos, sabíamos que, mais do
que todas, elas podem transformar nosso cotidiano.
É
hábito usar as eleições municipais para checar a força dos líderes nacionais.
Bolsonaro mostrou-se um cinturão de chumbo, mas seus candidatos nas duas
grandes cidades são náufragos vocacionados: Russomanno populista pelo consumidor
e Crivella tentando estrangular uma metrópole cosmopolita, com sua mediocridade
administrativa e rígidos princípios religiosos.
A
cidade onde vivo por amor passa por um perigoso momento de decadência. Algumas
pessoas talentosas já a deixaram ou se preparam para isso. A pandemia nos
atingiu em cheio.
Tenho
o hábito de documentar os moradores de rua do meu bairro, na esperança de reter
com as imagens os únicos rastros de sua passagem pelo mundo. Muitos
desapareceram e, no seu lugar, veio uma multidão: famílias inteiras com seus
animais domésticos e alguns trapos para cobrir a cama de papelão.
Nesta
eleição, em vez de discutir candidatos, conversei sobre programas com pessoas
que gostam e entendem do Rio. Minha expectativa inicial foi plenamente
satisfeita por eles: não é hora de partir, temos uma grande chance de encontrar
a vocação da cidade e de transformá-la numa das mais atraentes para viver no
planeta.
Bonita
e situada entre o mar e a Mata Atlântica, o Rio pode ser um lugar onde a
qualidade de vida e o respeito ao meio ambiente impulsionam a economia. Quem
diz isso é Arminio Fraga, que conhece o mundo, o Rio e a economia.
Empresários
do turismo estão prontos para oferecer um calendário de eventos que ocupe o
ano, no pós-pandemia. De um carnaval mais bem explorado ao Rock in Rio, a
cidade pode fervilhar durante um ano inteiro. Quem diz isso é Roberto Medina,
que realizou, depois do carnaval, nosso maior espetáculo.
O
Rio é uma cidade de gente que estuda e pesquisa. Tem tudo para ser, além de
bonita, uma cidade inteligente. A Coppe/UFRJ já está avançando na busca das
ferramentas que permitam à cidade ser administrada com uma racionalidade jamais
vista, articulando políticas urbanas, sabendo o que pensam moradores das áreas
de intervenção.
Ser
dermos voz ao morro, toda a cidade vai cantar. Bastou uma conversa com Celso
Athayde para compreender que o quarto da população que vive nos morros já tem
seu próprio impulso. Ele seria multiplicado se as pessoas tivessem um endereço,
título de propriedade, orientação arquitetônica nas suas reformas, serviços
públicos e, sobretudo, saneamento.
Sei
que a esquerda condena o Novo Marco do Saneamento. Mas é a única esperança no horizonte
para vencer um atraso secular.
Aprendi
com Claudia Costin que a educação pode dar grandes passos porque já viveu
momentos melhores no Rio. E com a Dra. Margareth Dalcolmo que o próprio drama
da saúde pública, agravado pela pandemia, revelou inúmeros aspectos positivos
da cidade, na articulação público-privada, nas iniciativas nos morros,
campanhas humanitárias na classe média.
O
Rio tem gente pensando seriamente no uso racional e democrático do solo. Gente
sonhando não só em transformar a cidade num centro de esportes aquáticos, mas
em abrir, com isso, oportunidades para milhares de crianças pobres.
O
fim de pandemias pode resultar em renascimento. A chegada de uma vacina eficaz
e segura nos trará uma chance de recomeçar em novas bases, explorar o potencial
que sempre esteve diante de nós e sistematicamente o destruímos nos últimos
anos.
E
teremos diante de nós um novo Plano Diretor.
Não
sei quem será o prefeito. Eduardo Paes foi o mais votado no primeiro turno. Ele
é sensível a todos os temas de reconstrução do Rio.
Fomos
adversários em 2008, jamais inimigos. Alguns colaboradores de nossa campanha
foram ajudá-lo em temas vitais para seu governo. Discordo dos rumos de seu
governo, da natureza de suas alianças, das concessões. Mas isso é outra
história.
Qualquer
prefeito que se disponha a canalizar essa imensa energia positiva que ainda
existe no Rio, sobretudo na euforia do pós-coronavírus, poderá conduzir a
cidade ao seu papel real no planeta.
As eleições municipais talvez tenham sido uma das mais discretas da história e, paradoxalmente, as que mais importância terão na história do Rio.
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