Os
dois pecados originais do desenvolvimento institucional nos EUA
Como
entender a inexistência nos EUA de uma autoridade eleitoral federal? Por que o
país é a única democracia rica sem um sistema público de saúde ou um imposto
sem valor adicionado? O que explica a recorrência de protestos raciais?
As
vicissitudes institucionais do país foram analisadas por Acemoglu e Robinson no
merecidamente festejado "O Corredor
Estreito".
O
argumento é que a chave para a emergência de uma democracia inclusiva e
próspera é um Leviatã domado: produto do fortalecimento da capacidade estatal e
de uma sociedade ativa.
Um
estado forte é pré-condição para o controle da violência, a provisão de bens
públicos e a proteção dos direitos de propriedade; a sociedade forte é o que
impede que o estado fortalecido degenere em exclusão, predação e arbítrio. O
argumento é dinâmico: o mecanismo combina sucessivas ondas de fortalecimento do
estado com contrapontos pelos quais a sociedade mantém o estado sob controle.
Parafraseando Jefferson, as rebeliões são boas para fazer o governo
sentir-se sempre
vigiado.
Assim,
à Constituição aprovada em convenção (1788), fortalecendo o estado central,
seguiu-se uma Carta de Direitos (1791).
O
primeiro é o federalismo, que foi positivo porque permitiu uma dinâmica de
delegação de poderes negociada ao governo federal, mas impediu a formação de um
governo federal forte. Mais importante: federação e exclusão andaram de mãos
dadas --no cálculo do número de representantes no Congresso, por exemplo, os
escravos equivaliam a 3/5 de um indivíduo completo.
O
segundo pecado foi o "pacto faustiano" que acabou a Era da
Reconstrução (1863-77): o Norte garantiu autonomia aos estados sulistas sobre a
aplicação das 14ª e 15ª emendas, que garantiam direitos iguais, em troca do
reconhecimento da vitória de Hayes (republicano) no colégio eleitoral, embora
seu rival democrata tenha ganhado no voto popular. O Norte retirou seus
interventores e generais, interrompendo a dinâmica da Rainha Vermelha, a qual
só foi restabelecida 60 anos depois.
O
país paga hoje o preço pelas linhas de falha de seu desenvolvimento
institucional.
Marcus
André Melo
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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