segunda-feira, 16 de novembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

É hora de trabalhar, presidente – Opinião | O Estado de S. Paulo

Com o fim do primeiro turno da eleição, acabou a última desculpa de Jair Bolsonaro para não trabalhar. Qual será a próxima?

Em agosto passado, o presidente Jair Bolsonaro anunciou, solenemente, que não participaria das eleições municipais como cabo eleitoral de ninguém, porque, segundo suas palavras, “tenho muito trabalho na Presidência e tal atividade (a campanha eleitoral) tomaria todo meu tempo num momento de pandemia e retomada da nossa economia”. Na mesma época, proibiu seus ministros de participarem da campanha, com argumento semelhante.

Como se sabe, contudo, Bolsonaro foi um dos mais ativos cabos eleitorais nesta campanha, bem como alguns de seus ministros. Nem a pandemia acabou nem a economia engrenou, mas o presidente achou espaço na sua agenda para entregar-se a suas especialidades – participar de eleições e ignorar promessas. O presidente alegou que pedia votos para seus candidatos somente “depois do expediente” – como se a Presidência fosse um cargo ocupado por um barnabé que bate cartão.

O problema é que Bolsonaro não trabalha. A prova disso é a absoluta incapacidade de seu governo de encaminhar as reformas e as medidas sem as quais o País não se recuperará tão cedo do desastre em curso. Há sempre uma desculpa para a procrastinação, e a mais recente era a realização das eleições municipais.

Pois bem: as eleições foram realizadas ontem e, portanto, não há mais razão para que o presidente e seus auxiliares não arregacem as mangas e façam o que deve ser feito. Para tentar mostrar serviço, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), chegou a anunciar que logo depois do primeiro turno das eleições o governo colocaria para votar uma extensa pauta, que inclui um projeto de renegociação das dívidas dos Estados, a autonomia do Banco Central e a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). De novo, contudo, faltou articulação: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, responsável por pautar as votações, disse desconhecer o tal pacote do governo. “Não estou nem sabendo disso aí. Não sei de onde veio essa pauta”, declarou Maia.

Esse é o padrão do governo Bolsonaro: a confusão, o mal-entendido e, principalmente, a falta de iniciativa do presidente da República, de quem todos esperam o norte da administração. Como Bolsonaro não sabe o que quer como presidente e já se queixou diversas vezes do fardo do cargo, esquiva-se de tomar decisões, esperando que ou as coisas se resolvam por si mesmas ou que o Congresso afinal se encarregue de tocar o País adiante.

O Congresso, praticamente desde a posse de Bolsonaro, assumiu o protagonismo político que, no presidencialismo, deveria obviamente ser do presidente. O problema é que os compromissos obscuros de Bolsonaro com o Centrão, que lhe garantem sobrevida no cargo a despeito de seus inúmeros atentados à dignidade da Presidência da República, podem acabar transformando o Congresso numa extensão do desastroso governo bolsonarista.

No início do ano que vem haverá eleição para a presidência da Câmara e do Senado, pleito que Bolsonaro tenta influenciar em favor do Centrão, cujo modus operandi ficou claro na disputa pela presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO). A CMO, responsável por votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, sem a qual o governo não tem respaldo para executar o Orçamento, nem sequer foi instalada, porque o Centrão quer a direção da comissão, desrespeitando um acordo parlamentar prévio. Como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, bateu o pé em relação ao acordo, o Centrão, como se fosse da oposição, passou a obstruir qualquer votação, inclusive de temas de interesse do governo, até que sua vontade seja feita.

É esse o senso de urgência dos governistas. Em nome de seus interesses, não se importam em adiar a aprovação de medidas importantes para o País. Enquanto isso, o presidente Bolsonaro, que deveria liderar o processo político, passa todo o expediente a fazer o que sabe melhor: criar confusão e ultrajar os brasileiros.

Com o fim do primeiro turno da eleição, acabou a última desculpa de Bolsonaro para não trabalhar. Qual será a próxima?

Selo de mau pagador – Opinião | O Estado de S. Paulo

No total, dívidas do Brasil com organismos internacionais somam mais de R$ 4 bilhões

É estonteante a capacidade de Brasília de implodir pontes que ligam o País à comunidade internacional. O presidente da República e alguns de seus principais ministros, a começar pelo das Relações Exteriores, insultam rotineiramente líderes internacionais; escarnecem de preocupações literalmente vitais à sociedade global, como o meio ambiente ou a pandemia; ameaçam conquistas históricas, como o acordo Mercosul-União Europeia; insistem na vassalagem a um demagogo já rejeitado pelo seu povo; provocam arbitrariamente parceiros comerciais seminais, como a China ou a Argentina; ameaçam países vizinhos, como a Venezuela; sabotam recursos internacionais, como os do Fundo Amazônia; e reduzem o Itamaraty a uma trincheira de suas guerrilhas ideológicas contra conspiradores imaginários.

Mas não se pode limitar o conjunto da obra de destruição ao desvario de Jair Bolsonaro. O Congresso acaba de negar ao Ministério da Economia as verbas necessárias para quitar os compromissos em atraso do País com organismos internacionais como a ONU e suas agências.

Em 2019, o Brasil quase perdeu o direito a voto na Assembleia-Geral, pagando às pressas sua dívida com a ONU. Na análise das contas federais do ano passado, o Tribunal de Contas da União alertou o governo sobre a grande diferença entre os compromissos internacionais pendentes e a dotação orçamentária para quitá-los, com risco de infração ao artigo 167 da Constituição, que proíbe a realização de despesas sem previsão no Orçamento.

Neste ano, o governo federal reincidiu na barbeiragem, e deixou para a última hora o provimento de recursos para quitação dos compromissos nacionais com organismos como a OMS, Unesco, OEA, OIT, além de 13 missões de paz, 8 bancos multilaterais, fundos internacionais e outras 106 organizações internacionais. No total, as dívidas somam mais de R$ 4 bilhões.

Para cumprir parte desses compromissos e garantir prerrogativas mínimas, como o direito a voto na Assembleia-Geral da ONU, o Ministério da Economia solicitou ao Congresso um crédito de R$ 1,235 bilhão. Mas a menos de dois meses do vencimento das dívidas, o Parlamento rejeitou o pedido. Por uma deplorável ironia, enquanto as pontes internacionais esboroam a olhos vistos, os recursos foram redirecionados ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para bancar obras de pavimentação e compra de máquinas apadrinhadas por congressistas.

Todo o episódio é uma verdadeira comédia de erros. Primeiro, há a irresponsabilidade dos parlamentares, ávidos por granjear recursos para as suas praças em época de eleições, mesmo que em flagrante prejuízo dos interesses nacionais. Depois, há a inépcia do Ministério da Economia, que incluiu na mesma solicitação de crédito as contribuições que beneficiavam o MDR, abrindo uma brecha para a manobra do Congresso. Por fim, há a crônica desarticulação do governo com as bases parlamentares.

Agora, conforme apurou o Estadão/Broadcast, a equipe econômica trabalha no afogadilho para utilizar algum projeto de lei de crédito suplementar ainda em tramitação para efetuar novo remanejamento, cortando despesas orçamentárias que não serão executadas, para dar lugar à liquidação de parte daqueles compromissos internacionais.

Se malograr, será uma desmoralização sem precedentes para a política externa. Mas mesmo que consiga, a imagem do País já está arranhada. No mínimo é mais um sinal às autoridades e investidores internacionais da incúria do País em honrar seus compromissos. O quiproquó é injustificável, mesmo pelo choque da pandemia, já que essas dívidas estão contratadas há anos.

Enquanto se multiplicam por todo o planeta os apelos à cooperação multilateral para combater o vírus e a catástrofe econômica precipitada por ele, o Brasil caminha a passos largos rumo ao isolamento. Não é esta a vocação do Brasil e dos brasileiros. 

Os rumos da Embrapa – Opinião | O Estado de S. Paulo

Plano da empresa para a década de 20 reflete os desafios estratégicos do setor agropecuário

No início do mês, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apresentou seu Plano Diretor para a década de 20. Dada a crescente relevância do agronegócio para a economia brasileira, o Plano é importante não só por definir metas quantificáveis para uma empresa pública que é a principal fonte de pesquisa, desenvolvimento e inovação agrícola no Brasil, mas também por refletir os desafios estratégicos do setor.

A Embrapa vislumbra três grandes grupos de desafios e oportunidades: aumento da qualidade e eficiência produtiva; sustentabilidade ambiental; e aspectos sociais.

Nesta perspectiva, o Plano elenca nove temas prioritários de pesquisa: agricultura digital, rastreabilidade e logística associadas aos sistemas produtivos; agregação de valor aos produtos e serviços agropecuários e agroindustriais; adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas; transformação de biomassa em energia renovável, bioprodutos e bioinsumos; desenvolvimento territorial sustentável; produtividade e sistemas de produção sustentáveis; segurança alimentar e nutricional; uso e conservação de recursos naturais; e sanidade agropecuária.

Para avançar com excelência nestas áreas, a empresa traçou um mapa estratégico composto por 11 objetivos subdivididos em 29 metas. 

Em primeiro lugar, há os objetivos finalísticos associados ao ecossistema de inovação. Isso inclui gerar soluções tecnológicas e oportunidades de inovação para promover a sustentabilidade e a competitividade, especialmente reduzindo custos e perdas dos alimentos. Também inclui ampliar e qualificar a base de dados nacional sobre recursos naturais.

Além disso, será preciso explorar novas tendências de consumo, gerando conhecimentos e tecnologias que promovam a agregação de valor a produtos, processos e serviços. Outro objetivo, decisivo para as exportações, é fortalecer a pesquisa para a segurança zoofitossanitária.

Um campo de pesquisa promissor do ponto de vista mercadológico é o da utilização de recursos biológicos para a geração de bioprodutos, bioinsumos e energia renovável. Outro, do ponto de vista social, é o de alternativas tecnológicas sustentáveis voltadas para o desenvolvimento regional e a inclusão produtiva. A meta da Embrapa é possibilitar a geração em cinco anos de 200 mil empregos pela adoção dessas tecnologias.

A empresa também pretende subsidiar os produtores e o poder público com conhecimento e tecnologia para contrapor o enfrentamento das mudanças climáticas, o que inclui aumentar os sistemas integrados de produção e recuperação de pastagens; disponibilizar sistemas de manejo sustentável de florestas naturais; e ampliar as florestas plantadas.

Um objetivo de alta relevância é o aproveitamento dos recursos digitais no campo. A automação dos processos agrícolas é capital para garantir a competitividade do setor. Isso implica promover o compartilhamento de dados entre os atores das cadeias produtivas e o uso de arquiteturas big data, assim como o desenvolvimento de algoritmos para identificar novas tendências e nichos de mercado.

Para prestar esses serviços às partes interessadas da cadeia agrícola, a Embrapa estabeleceu três objetivos de gestão e eficiência organizacional. Primeiro, a racionalização de recursos e a busca de fontes alternativas aos investimentos públicos. Concomitantemente, é necessário fortalecer a excelência na governança e gestão institucional. Finalmente, a própria empresa precisará aproveitar as oportunidades geradas pela revolução digital, estruturando a tecnologia da informação, a governança e a gestão de dados e promovendo a transferência e o uso do conhecimento digital.

A agropecuária brasileira é altamente competitiva. Ela responde por 21% da soma das riquezas nacionais, 1/5 dos empregos e 43,2% das exportações, sendo um dos maiores celeiros de alimentos para o mundo. A Embrapa segue sendo um dos principais protagonistas dessa história. Mas já foi mais. As partes interessadas, no setor público ou privado, não deveriam poupar esforços para revigorar a sua energia.

Resultado da eleição traz novo teste a Bolsonaro – Opinião | O Globo

Esboça-se um cenário preocupante, em que o presidente cede ao populismo e ignora o equilíbrio fiscal

O recado das urnas ontem foi cristalino. A conjuntura política se desenha difícil para os planos do presidente Jair Bolsonaro. Além das derrotas esperadas — como o fracasso de Celso Russomanno em São Paulo, as dificuldades de Marcelo Crivella no Rio e insucessos noutras capitais —, sua popularidade dá sinais de queda, enquanto o coronavírus esboça uma segunda onda em várias regiões. Mais uma vez, o presidente desdenha a pandemia, tachada na sexta-feira de “conversinha”. Mais uma vez, a realidade já cobra seu preço.

O presidente pode desprezar a Ciência e os fatos, mas não os prejuízos políticos que começaram a aparecer na apuração do primeiro turno das eleições municipais. A desidratação na avaliação de Bolsonaro já era visível no período pré-eleitoral. Entre os cariocas, segundo o Datafolha, sua aprovação caiu seis pontos, de 34% para 28%. Junto aos paulistanos, a rejeição passou de 48% para 50%. As urnas nas duas cidades corroboraram tais números.

Bolsonaro sai mais frágil das eleições e encontra um país em que um quarto da população sobrevive abaixo da linha da pobreza (eram quase 52 milhões antes da pandemia, segundo o IBGE). Um país em que, de acordo com o sistema Infogripe, da Fiocruz, os casos de Covid-19 voltam a crescer nas capitais e, em particular, em municípios do Norte e Nordeste onde os sistemas de saúde entraram em colapso no primeiro semestre. Um país com incontáveis portas de entrada para o vírus e quase nenhuma porta de saída para a miséria que toma conta da população.

Tal quadro desafiador instila no governo um outro vírus: a tentação populista. É sintomático que até o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha dito que, diante de uma nova onda da pandemia, a prorrogação do auxílio emergencial não é uma possibilidade, mas “uma certeza”. Bolsonaro parece ansioso para lançar um programa social para chamar de seu e atrair votos dos pobres em 2022. Enfrenta dificuldades justamente nos rincões do Nordeste onde o auxílio emergencial lhe permitiu entrar nos outrora inexpugnáveis bolsões eleitorais petistas. Depois do resultado de ontem, quer recuperar apoio onde puder. Mas não tem de onde tirar dinheiro.

Esboça-se, portanto, um cenário preocupante. Um cenário em que a verdadeira prioridade — o resgate do equilíbrio nas contas públicas — cede lugar ao populismo eleitoreiro. Se o compromisso de Bolsonaro com a responsabilidade fiscal nunca foi muito confiável, seus parceiros do Centrão inspiram menos confiança ainda.

A ideia de estender o Orçamento de Guerra a 2021 ou de lançar um novo programa social de olho em 2022 não pode obscurecer o mais urgente: transmitir sinais claros de resgate do equilíbrio fiscal. Se os juros futuros já sobem, e o Tesouro tem dificuldades de rolar a dívida pública, os desdobramentos de uma segunda onda da pandemia agravarão o quadro. É preciso criar no Congresso uma frente em defesa da racionalidade na economia, antes que seja tarde demais.

Protestos derrubam governo peruano, e país se torna refém da instabilidade – Opinião | O Globo

Caos político fermentado pelos crimes revelados na Lava-Jato pode pôr a perder modelo de sucesso

O Peru vive uma situação insólita. Na segunda-feira passada o Legislativo derrubou o terceiro presidente em quatro anos, Martín Vizcarra, numa manobra parlamentar questionável. Os peruanos reagiram com uma semana de protestos nas maiores cidades. A moeda nacional, o peso, chegou a uma desvalorização em relação ao dólar sem paralelo nos últimos 18 anos. O novo governo durou cinco dias. Caiu ontem à tarde, sob forte pressão das ruas. O país mergulhou na absoluta instabilidade.

O presidente Vizcarra foi deposto na segunda-feira e logo substituído por Manuel Merino, dirigente da Ação Popular, partido habitualmente moderado, que por mais tempo governou o país nas últimas seis décadas. Desde que assumiu a presidência do Congresso, em março, Merino se aliou aos herdeiros do ex-ditador Alberto Fujimori (hoje preso) e ao populista de direita José Luna Gálvez para derrubar Vizcarra. Por trás de tudo, estava a disputa com o governo Vizcarra acerca de um pacote de US$ 1,5 bilhão em 540 obras públicas, boa parte delas irregulares.

A manobra mais explícita ocorreu em setembro, mas foi frustrada pela reação. Pesquisas mostraram que a maioria dos peruanos (75%) queria a continuidade do governo e desaprovava (59%) o Legislativo. Merino reuniu na semana passada os votos necessários para derrubar Vizcarra. Como a acusação se refere a fatos quatro anos anteriores à Presidência, o Congresso, dizem juristas, atropelou a imunidade garantida pela Constituição.

Os protestos recrudesceram, sob a reprovação silenciosa no exterior. Sem legitimidade, o governo partiu para a repressão, que resultou em dois mortos e centenas de feridos na noite de sábado. Merino convocou ontem os chefes das Forças Armadas (segundo o jornal “La República”, eles ignoraram a ordem). Horas depois, renunciou.

A crise peruana tem sido fermentada na exposição de crimes pela Operação Lava-Jato. Um ex-presidente (Alan García) se suicidou para evitar prisão, dois foram detidos (Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski), e um terceiro (Alejandro Toledo) se refugiou nos EUA. A única certeza em Lima é que a instabilidade perdurará até as eleições presidenciais marcadas para abril.

Pode ser uma eternidade para um país que há duas décadas não sabe o que é uma longa e grave recessão. Ao lado de Chile e Colômbia, o Peru tem um modelo de economia bem-sucedida na comparação com os demais países latino-americanos nos últimos anos, mas a instabilidade política pode pôr tudo a perder.

 O novo e o velho – Opinião | Folha de S. Paulo

Eleições têm falha do TSE, abstenção, força de moderados e derrotas de Bolsonaro

Há dois anos, as eleições nacionais e estaduais se caracterizaram por uma onda de direita, não raro com tons populistas e autoritários, e rejeição a políticos e partidos tradicionais. Esse cenário mudou.

Eleições municipais são tocadas em outro diapasão, decerto. Mas os primeiros resultados, nas grandes cidades, indicam que houve enorme abstenção em razão da pandemia, preferência por conservadores moderados, alguma recuperação das forças de esquerda e resultados importantes de DEM e PSDB.

Jair Bolsonaro, que não tem partido além de si mesmo, interveio na disputa com seu personalismo aviltado e péssimos resultados.

Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, é, pelos dados disponíveis até a conclusão desta edição, uma grande novidade do pleito. Integrante de legenda nanica e em versão esquerdista mais branda, vai ao segundo turno contra o prefeito Bruno Covas (PSDB) —na cidade que sempre foi grande base do PT.

Cidades relevantes como Porto Alegre, Belém e Recife deram votação expressiva à esquerda, que ao menos neste momento se torna mais plural e se diversifica em siglas como PSOL, PSB e PC do B. O eleitorado parece procurar alternativas nesse campo político.

O DEM obteve vitórias significativas, algumas já confirmadas, como em Salvador, Curitiba e Florianópolis, além de conquistar bons números em municípios populosos. Terá um favorito Eduardo Paes no segundo turno do Rio de Janeiro.

O PSDB ganhou em Palmas e Natal, além de disputar a maior metrópole do país. Os dois partidos formaram o núcleo da coalizão de governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Nos maiores municípios, os 95 nos quais, por lei, pode haver segundo turno, observa-se grande dispersão —mais de 20 partidos disputavam com chances, com destaque para MDB e PSD, que reelegeu em primeiro turno Alexandre Kalil em Belo Horizonte.

Em todo caso, não houve sinais de reviravolta político-ideológica de monta nessas cidades, que na maioria dos casos visíveis optaram por continuísmos, nomes estabelecidos ou legendas mais anódinas.

Digna de nota foi a derrota de Bolsonaro em palcos nacionais. Celso Russomanno (Republicanos) terminou com votação frustrante em São Paulo. Marcelo Crivella, do mesmo partido, vai ao segundo turno em situação francamente minoritária no Rio de Janeiro.

Não restou candidatura importante que se propusesse a defender o presidente e suas ideias exóticas. Prefeitos que tiveram atuação decente no combate à pandemia, ou foram apoiados por governadores preocupados com a doença, tiveram em geral desempenho forte.

É uma pena que problemas técnicos no TSE tenham prejudicado a divulgação tempestiva da apuração e dado margem a teorias conspiratórias de grupos que não têm compromisso com a democracia.

Desigual na raiz – Opinião | Folha de S. Paulo

Cresce distância de aprendizado entre escolas municipais no nível mais básico

A escola pública se idealizou como instituição republicana por ser a grande niveladora de oportunidades para que todos os cidadãos desenvolvam seu potencial pleno. Se alguns ficam para trás, falha a república como tal —ou mesmo involui, do que dá sinais o Brasil.

Aumentou a desigualdade no aprendizado de alunos do 1º ao 6º ano no período de 2015 a 2019, noticiou a Folha. Verificou-se o retrocesso em 58% das cidades brasileiras, comparados os 10% de estabelecimentos mais bem avaliados de suas redes municipais com os 10% de pior avaliação no Ideb.

A deterioração se dá na raiz, no nível mais fundamental do ensino básico. Nesses seis anos deveria ocorrer a alfabetização, sem a qual ninguém pode começar a participar da vida social com autonomia.

E não se está aqui tratando da disparidade ainda mais preocupante entre escolas privadas e oficiais, mas tão somente dos obstáculos na partida que compete ao Estado aplainar. Redes municipais respondem por 70% de 15 milhões de matrículas nessa fase crucial.

A desigualdade aumenta mesmo em muitos dos 79% de municípios que tiveram progressão no Ideb. Houve 20 capitais —cidades em geral mais desenvolvidas em cada estado— com melhora de desempenho, mas só 15 delas lograram diminuir a distância entre os extremos de suas redes.

Falta atenção dos gestores municipais para dificuldades enfrentadas nos estabelecimentos mais desfavorecidos, seja por pobreza da clientela, más condições de infraestrutura, violência predominante ou carência de professores.

A pesquisa abrangeu período anterior à pandemia. Com escolas fechadas durante quase todo o ano, calcula-se que aumentará ainda mais a distância entre alunos de bairros centrais e os de escolas periféricas, que têm acesso precário a conexões digitais, pais menos disponíveis para supervisionar deveres e necessidade de trabalhar para reforçar a renda da família.

Nestas eleições municipais, é alarmante a escassez de debate em torno de propostas para reequilibrar a balança. Trata-se de questão cuja complexidade não é alcançada pelas tradicionais —e já duvidosas— promessas de mais verbas para esse setor prioritário.

Passada a eleição, foco deve ser nas reformas fiscais – Opinião | Valor Econômico

Abismo fiscal se dará com a queda pronunciada da atividade econômica se forem retirados em janeiro todos os estímulos

Com a realização do primeiro turno das eleições municipais, é hora de o governo e o Congresso Nacional voltarem o seu foco ao que é essencial para a estabilidade econômica do país: aprovar o conjunto de reformas fiscais que visam a garantir a sustentabilidade das contas públicas. Na volta dos parlamentares a Brasília, preocupa a falta de consenso dos parlamentares - incluindo a base governista - sobre os projetos que devem ganhar prioridade na agenda legislativa até o fim do ano.

Reportagem publicada pelo Valor na sexta-feira mostra que, em conversas com o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), definiu uma pauta prioritária para o Executivo. Foram selecionados os projetos de lei da Casa Verde Amarela (substituto do Minha Casa, Minha Vida), da lei de cabotagem, da lei de independência do Banco Central e da lei de adequação das finanças dos Estados.

Todas essas iniciativas são meritórias e podem contribuir para a retomada da economia e para o aperfeiçoamento institucional do país. Mas de nada adiantarão esses avanços se a base macroeconômica não estiver sólida. Para tanto, é imprescindível aprovar projetos que, ainda que de forma “ad hoc”, dão sobrevida ao teto de gastos, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo e a PEC Emergencial.

Essas duas medidas não resolvem os problemas estruturais do gasto público, mas pelo menos permitem o acionamento de gatilhos que cortam despesas - incluindo a possibilidade de redução da jornada do funcionalismo - quando o teto de gastos está sob ameaça. Fazem pouco para organizar a despesa pública e podem ter repercussões negativas no ciclo econômico e na oferta de serviços públicos. Mas podem ser um expediente emergencial para garantir a manutenção do teto de gastos enquanto não se aprovam medidas como uma reforma administrativa com escopo maior do que a enviada pelo governo ao Congresso.

Porém, os sinais às vésperas da retomada dos trabalhos no Congresso não eram nada animadores. A equipe econômica manifestava, de forma reservada, preocupações com resistências do Centrão com relação à adoção de medidas impopulares e com a possibilidade de essas propostas não serem aprovadas ainda neste ano. Priorizar projetos fora da alçada fiscal, embora relevantes, pode ser um expediente para os congressistas evitarem tomar as decisões difíceis que devem ser enfrentadas.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem defendendo que as duas PECs que garantem uma mínima sustentabilidade fiscal sejam incluídas na pauta prioritária. Mas a base governista na Câmara acusa Maia de tentar privilegiar medidas que possam realçar a sua biografia, como a reforma tributária. O pano de fundo é a disputa pelo comando da Casa, que ocorre em fevereiro.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, esforçou-se na semana passada, em uma maratona de pronunciamentos, para defender a agenda de austeridade fiscal. Mas, no mercado financeiro, há muita preocupação de que ele esteja falando sozinho. Existem vozes rodeando o Palácio do Planalto que defendem o aumento de gastos públicos para fomentar a atividade econômica.

Apesar da sinalização do ministro Guedes do fim do pagamento do auxílio emergencial, que só seria retomado no caso de uma segunda onda da Covid, há um risco relevante de essa promessa não ser levada adiante pelo próprio governo. Economistas vem chamando a atenção para o chamado abismo fiscal, ou seja, a queda pronunciada da atividade econômica no caso de serem retirados em janeiro todos os estímulos. A popularidade do presidente Jair Bolsonaro foi apoiada, depois do início da pandemia, pelo pagamento desses benefícios - e a sua retirada poderia levar a uma queda nas taxas de aprovação do presidente.

Esse quadro mal resolvido levou a uma forte volatilidade cambial, alta de juros de mercado e encurtamento do prazo da dívida pública. São assuntos que não dizem respeito apenas ao mercado financeiro, mas também ao bem-estar da população como um todo. Está ocorrendo um aperto nas condições financeiras, que prejudica as condições de financiamento das empresas, e o aumento da incerteza sobre o ajuste fiscal tem impactos concretos sobre a atividade econômica, adiando as decisões de consumo e de investimentos. Perdeu-se um tempo precioso à espera das eleições municipais, e agora é hora de recuperar, colocando os esforços no que importa.

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