Com
o fim do primeiro turno da eleição, acabou a última desculpa de Jair Bolsonaro
para não trabalhar. Qual será a próxima?
Em agosto passado, o presidente Jair Bolsonaro anunciou, solenemente, que não participaria das eleições municipais como cabo eleitoral de ninguém, porque, segundo suas palavras, “tenho muito trabalho na Presidência e tal atividade (a campanha eleitoral) tomaria todo meu tempo num momento de pandemia e retomada da nossa economia”. Na mesma época, proibiu seus ministros de participarem da campanha, com argumento semelhante.
Como
se sabe, contudo, Bolsonaro foi um dos mais ativos cabos eleitorais nesta
campanha, bem como alguns de seus ministros. Nem a pandemia acabou nem a
economia engrenou, mas o presidente achou espaço na sua agenda para entregar-se
a suas especialidades – participar de eleições e ignorar promessas. O
presidente alegou que pedia votos para seus candidatos somente “depois do
expediente” – como se a Presidência fosse um cargo ocupado por um barnabé que
bate cartão.
O
problema é que Bolsonaro não trabalha. A prova disso é a absoluta incapacidade
de seu governo de encaminhar as reformas e as medidas sem as quais o País não
se recuperará tão cedo do desastre em curso. Há sempre uma desculpa para a
procrastinação, e a mais recente era a realização das eleições municipais.
Pois
bem: as eleições foram realizadas ontem e, portanto, não há mais razão para que
o presidente e seus auxiliares não arregacem as mangas e façam o que deve ser
feito. Para tentar mostrar serviço, o líder do governo na Câmara, deputado
Ricardo Barros (PP-PR), chegou a anunciar que logo depois do primeiro turno das
eleições o governo colocaria para votar uma extensa pauta, que inclui um
projeto de renegociação das dívidas dos Estados, a autonomia do Banco Central e
a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
(Fundeb). De novo, contudo, faltou articulação: o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia, responsável por pautar as votações, disse desconhecer o tal pacote do
governo. “Não estou nem sabendo disso aí. Não sei de onde veio essa pauta”,
declarou Maia.
Esse
é o padrão do governo Bolsonaro: a confusão, o mal-entendido e, principalmente,
a falta de iniciativa do presidente da República, de quem todos esperam o norte
da administração. Como Bolsonaro não sabe o que quer como presidente e já se
queixou diversas vezes do fardo do cargo, esquiva-se de tomar decisões,
esperando que ou as coisas se resolvam por si mesmas ou que o Congresso afinal
se encarregue de tocar o País adiante.
O
Congresso, praticamente desde a posse de Bolsonaro, assumiu o protagonismo
político que, no presidencialismo, deveria obviamente ser do presidente. O
problema é que os compromissos obscuros de Bolsonaro com o Centrão, que lhe
garantem sobrevida no cargo a despeito de seus inúmeros atentados à dignidade
da Presidência da República, podem acabar transformando o Congresso numa extensão
do desastroso governo bolsonarista.
No
início do ano que vem haverá eleição para a presidência da Câmara e do Senado,
pleito que Bolsonaro tenta influenciar em favor do Centrão, cujo modus operandi
ficou claro na disputa pela presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO). A
CMO, responsável por votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, sem a qual o
governo não tem respaldo para executar o Orçamento, nem sequer foi instalada,
porque o Centrão quer a direção da comissão, desrespeitando um acordo parlamentar
prévio. Como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, bateu o pé em relação ao
acordo, o Centrão, como se fosse da oposição, passou a obstruir qualquer
votação, inclusive de temas de interesse do governo, até que sua vontade seja
feita.
É
esse o senso de urgência dos governistas. Em nome de seus interesses, não se
importam em adiar a aprovação de medidas importantes para o País. Enquanto
isso, o presidente Bolsonaro, que deveria liderar o processo político, passa
todo o expediente a fazer o que sabe melhor: criar confusão e ultrajar os
brasileiros.
Com
o fim do primeiro turno da eleição, acabou a última desculpa de Bolsonaro para
não trabalhar. Qual será a próxima?
Selo de mau pagador – Opinião | O Estado de S. Paulo
No
total, dívidas do Brasil com organismos internacionais somam mais de R$ 4
bilhões
É estonteante a capacidade de Brasília de implodir pontes que ligam o País à comunidade internacional. O presidente da República e alguns de seus principais ministros, a começar pelo das Relações Exteriores, insultam rotineiramente líderes internacionais; escarnecem de preocupações literalmente vitais à sociedade global, como o meio ambiente ou a pandemia; ameaçam conquistas históricas, como o acordo Mercosul-União Europeia; insistem na vassalagem a um demagogo já rejeitado pelo seu povo; provocam arbitrariamente parceiros comerciais seminais, como a China ou a Argentina; ameaçam países vizinhos, como a Venezuela; sabotam recursos internacionais, como os do Fundo Amazônia; e reduzem o Itamaraty a uma trincheira de suas guerrilhas ideológicas contra conspiradores imaginários.
Mas
não se pode limitar o conjunto da obra de destruição ao desvario de Jair
Bolsonaro. O Congresso acaba de negar ao Ministério da Economia as verbas
necessárias para quitar os compromissos em atraso do País com organismos
internacionais como a ONU e suas agências.
Em
2019, o Brasil quase perdeu o direito a voto na Assembleia-Geral, pagando às
pressas sua dívida com a ONU. Na análise das contas federais do ano passado, o
Tribunal de Contas da União alertou o governo sobre a grande diferença entre os
compromissos internacionais pendentes e a dotação orçamentária para quitá-los,
com risco de infração ao artigo 167 da Constituição, que proíbe a realização de
despesas sem previsão no Orçamento.
Neste
ano, o governo federal reincidiu na barbeiragem, e deixou para a última hora o
provimento de recursos para quitação dos compromissos nacionais com organismos
como a OMS, Unesco, OEA, OIT, além de 13 missões de paz, 8 bancos
multilaterais, fundos internacionais e outras 106 organizações internacionais.
No total, as dívidas somam mais de R$ 4 bilhões.
Para
cumprir parte desses compromissos e garantir prerrogativas mínimas, como o
direito a voto na Assembleia-Geral da ONU, o Ministério da Economia solicitou
ao Congresso um crédito de R$ 1,235 bilhão. Mas a menos de dois meses do
vencimento das dívidas, o Parlamento rejeitou o pedido. Por uma deplorável
ironia, enquanto as pontes internacionais esboroam a olhos vistos, os recursos
foram redirecionados ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para bancar
obras de pavimentação e compra de máquinas apadrinhadas por congressistas.
Todo
o episódio é uma verdadeira comédia de erros. Primeiro, há a irresponsabilidade
dos parlamentares, ávidos por granjear recursos para as suas praças em época de
eleições, mesmo que em flagrante prejuízo dos interesses nacionais. Depois, há
a inépcia do Ministério da Economia, que incluiu na mesma solicitação de
crédito as contribuições que beneficiavam o MDR, abrindo uma brecha para a
manobra do Congresso. Por fim, há a crônica desarticulação do governo com as
bases parlamentares.
Agora,
conforme apurou o Estadão/Broadcast, a equipe econômica trabalha no
afogadilho para utilizar algum projeto de lei de crédito suplementar ainda em
tramitação para efetuar novo remanejamento, cortando despesas orçamentárias que
não serão executadas, para dar lugar à liquidação de parte daqueles
compromissos internacionais.
Se
malograr, será uma desmoralização sem precedentes para a política externa. Mas
mesmo que consiga, a imagem do País já está arranhada. No mínimo é mais um
sinal às autoridades e investidores internacionais da incúria do País em honrar
seus compromissos. O quiproquó é injustificável, mesmo pelo choque da pandemia,
já que essas dívidas estão contratadas há anos.
Enquanto
se multiplicam por todo o planeta os apelos à cooperação multilateral para
combater o vírus e a catástrofe econômica precipitada por ele, o Brasil caminha
a passos largos rumo ao isolamento. Não é esta a vocação do Brasil e dos
brasileiros.
Os rumos da Embrapa – Opinião | O Estado de S. Paulo
Plano
da empresa para a década de 20 reflete os desafios estratégicos do setor
agropecuário
No início do mês, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apresentou seu Plano Diretor para a década de 20. Dada a crescente relevância do agronegócio para a economia brasileira, o Plano é importante não só por definir metas quantificáveis para uma empresa pública que é a principal fonte de pesquisa, desenvolvimento e inovação agrícola no Brasil, mas também por refletir os desafios estratégicos do setor.
A
Embrapa vislumbra três grandes grupos de desafios e oportunidades: aumento da
qualidade e eficiência produtiva; sustentabilidade ambiental; e aspectos
sociais.
Nesta
perspectiva, o Plano elenca nove temas prioritários de pesquisa: agricultura
digital, rastreabilidade e logística associadas aos sistemas produtivos;
agregação de valor aos produtos e serviços agropecuários e agroindustriais;
adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas; transformação de
biomassa em energia renovável, bioprodutos e bioinsumos; desenvolvimento
territorial sustentável; produtividade e sistemas de produção sustentáveis;
segurança alimentar e nutricional; uso e conservação de recursos naturais; e
sanidade agropecuária.
Para
avançar com excelência nestas áreas, a empresa traçou um mapa estratégico
composto por 11 objetivos subdivididos em 29 metas.
Em
primeiro lugar, há os objetivos finalísticos associados ao ecossistema de
inovação. Isso inclui gerar soluções tecnológicas e oportunidades de inovação
para promover a sustentabilidade e a competitividade, especialmente reduzindo
custos e perdas dos alimentos. Também inclui ampliar e qualificar a base de
dados nacional sobre recursos naturais.
Além
disso, será preciso explorar novas tendências de consumo, gerando conhecimentos
e tecnologias que promovam a agregação de valor a produtos, processos e
serviços. Outro objetivo, decisivo para as exportações, é fortalecer a pesquisa
para a segurança zoofitossanitária.
Um
campo de pesquisa promissor do ponto de vista mercadológico é o da utilização
de recursos biológicos para a geração de bioprodutos, bioinsumos e energia
renovável. Outro, do ponto de vista social, é o de alternativas tecnológicas
sustentáveis voltadas para o desenvolvimento regional e a inclusão produtiva. A
meta da Embrapa é possibilitar a geração em cinco anos de 200 mil empregos pela
adoção dessas tecnologias.
A
empresa também pretende subsidiar os produtores e o poder público com
conhecimento e tecnologia para contrapor o enfrentamento das mudanças
climáticas, o que inclui aumentar os sistemas integrados de produção e
recuperação de pastagens; disponibilizar sistemas de manejo sustentável de
florestas naturais; e ampliar as florestas plantadas.
Um
objetivo de alta relevância é o aproveitamento dos recursos digitais no campo.
A automação dos processos agrícolas é capital para garantir a competitividade
do setor. Isso implica promover o compartilhamento de dados entre os atores das
cadeias produtivas e o uso de arquiteturas big data, assim como o
desenvolvimento de algoritmos para identificar novas tendências e nichos de
mercado.
Para
prestar esses serviços às partes interessadas da cadeia agrícola, a Embrapa
estabeleceu três objetivos de gestão e eficiência organizacional. Primeiro, a
racionalização de recursos e a busca de fontes alternativas aos investimentos
públicos. Concomitantemente, é necessário fortalecer a excelência na governança
e gestão institucional. Finalmente, a própria empresa precisará aproveitar as
oportunidades geradas pela revolução digital, estruturando a tecnologia da
informação, a governança e a gestão de dados e promovendo a transferência e o
uso do conhecimento digital.
A
agropecuária brasileira é altamente competitiva. Ela responde por 21% da soma
das riquezas nacionais, 1/5 dos empregos e 43,2% das exportações, sendo um dos
maiores celeiros de alimentos para o mundo. A Embrapa segue sendo um dos
principais protagonistas dessa história. Mas já foi mais. As partes
interessadas, no setor público ou privado, não deveriam poupar esforços para
revigorar a sua energia.
Resultado da eleição traz novo teste a Bolsonaro – Opinião | O Globo
Esboça-se
um cenário preocupante, em que o presidente cede ao populismo e ignora o
equilíbrio fiscal
O
recado das urnas ontem foi cristalino. A conjuntura política se desenha difícil
para os planos do presidente Jair Bolsonaro. Além das derrotas esperadas — como
o fracasso de Celso Russomanno em São Paulo, as dificuldades de Marcelo
Crivella no Rio e insucessos noutras capitais —, sua popularidade dá sinais de
queda, enquanto o coronavírus esboça uma segunda onda em várias regiões. Mais
uma vez, o presidente desdenha a pandemia, tachada na sexta-feira de
“conversinha”. Mais uma vez, a realidade já cobra seu preço.
O
presidente pode desprezar a Ciência e os fatos, mas não os prejuízos políticos
que começaram a aparecer na apuração do primeiro turno das eleições municipais.
A desidratação na avaliação de Bolsonaro já era visível no período
pré-eleitoral. Entre os cariocas, segundo o Datafolha, sua aprovação caiu seis
pontos, de 34% para 28%. Junto aos paulistanos, a rejeição passou de 48% para
50%. As urnas nas duas cidades corroboraram tais números.
Bolsonaro
sai mais frágil das eleições e encontra um país em que um quarto da população
sobrevive abaixo da linha da pobreza (eram quase 52 milhões antes da pandemia,
segundo o IBGE). Um país em que, de acordo com o sistema Infogripe, da Fiocruz,
os casos de Covid-19 voltam a crescer nas capitais e, em particular, em municípios
do Norte e Nordeste onde os sistemas de saúde entraram em colapso no primeiro
semestre. Um país com incontáveis portas de entrada para o vírus e quase
nenhuma porta de saída para a miséria que toma conta da população.
Tal
quadro desafiador instila no governo um outro vírus: a tentação populista. É
sintomático que até o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha dito que,
diante de uma nova onda da pandemia, a prorrogação do auxílio emergencial não é
uma possibilidade, mas “uma certeza”. Bolsonaro parece ansioso para lançar um
programa social para chamar de seu e atrair votos dos pobres em 2022. Enfrenta
dificuldades justamente nos rincões do Nordeste onde o auxílio emergencial lhe
permitiu entrar nos outrora inexpugnáveis bolsões eleitorais petistas. Depois
do resultado de ontem, quer recuperar apoio onde puder. Mas não tem de onde
tirar dinheiro.
Esboça-se,
portanto, um cenário preocupante. Um cenário em que a verdadeira prioridade — o
resgate do equilíbrio nas contas públicas — cede lugar ao populismo
eleitoreiro. Se o compromisso de Bolsonaro com a responsabilidade fiscal nunca
foi muito confiável, seus parceiros do Centrão inspiram menos confiança ainda.
A
ideia de estender o Orçamento de Guerra a 2021 ou de lançar um novo programa
social de olho em 2022 não pode obscurecer o mais urgente: transmitir sinais
claros de resgate do equilíbrio fiscal. Se os juros futuros já sobem, e o
Tesouro tem dificuldades de rolar a dívida pública, os desdobramentos de uma
segunda onda da pandemia agravarão o quadro. É preciso criar no Congresso uma
frente em defesa da racionalidade na economia, antes que seja tarde demais.
Protestos derrubam governo peruano, e país se torna refém da instabilidade – Opinião | O Globo
Caos
político fermentado pelos crimes revelados na Lava-Jato pode pôr a perder
modelo de sucesso
O
Peru vive uma situação insólita. Na segunda-feira passada o Legislativo
derrubou o terceiro presidente em quatro anos, Martín Vizcarra, numa manobra
parlamentar questionável. Os peruanos reagiram com uma semana de protestos nas
maiores cidades. A moeda nacional, o peso, chegou a uma desvalorização em
relação ao dólar sem paralelo nos últimos 18 anos. O novo governo durou cinco
dias. Caiu ontem à tarde, sob forte pressão das ruas. O país mergulhou na
absoluta instabilidade.
O
presidente Vizcarra foi deposto na segunda-feira e logo substituído por Manuel
Merino, dirigente da Ação Popular, partido habitualmente moderado, que por mais
tempo governou o país nas últimas seis décadas. Desde que assumiu a presidência
do Congresso, em março, Merino se aliou aos herdeiros do ex-ditador Alberto
Fujimori (hoje preso) e ao populista de direita José Luna Gálvez para derrubar
Vizcarra. Por trás de tudo, estava a disputa com o governo Vizcarra acerca de
um pacote de US$ 1,5 bilhão em 540 obras públicas, boa parte delas irregulares.
A
manobra mais explícita ocorreu em setembro, mas foi frustrada pela reação.
Pesquisas mostraram que a maioria dos peruanos (75%) queria a continuidade do
governo e desaprovava (59%) o Legislativo. Merino reuniu na semana passada os
votos necessários para derrubar Vizcarra. Como a acusação se refere a fatos
quatro anos anteriores à Presidência, o Congresso, dizem juristas, atropelou a
imunidade garantida pela Constituição.
Os
protestos recrudesceram, sob a reprovação silenciosa no exterior. Sem
legitimidade, o governo partiu para a repressão, que resultou em dois mortos e
centenas de feridos na noite de sábado. Merino convocou ontem os chefes das
Forças Armadas (segundo o jornal “La República”, eles ignoraram a ordem). Horas
depois, renunciou.
A
crise peruana tem sido fermentada na exposição de crimes pela Operação
Lava-Jato. Um ex-presidente (Alan García) se suicidou para evitar prisão, dois
foram detidos (Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski), e um terceiro
(Alejandro Toledo) se refugiou nos EUA. A única certeza em Lima é que a
instabilidade perdurará até as eleições presidenciais marcadas para abril.
Pode
ser uma eternidade para um país que há duas décadas não sabe o que é uma longa
e grave recessão. Ao lado de Chile e Colômbia, o Peru tem um modelo de economia
bem-sucedida na comparação com os demais países latino-americanos nos últimos
anos, mas a instabilidade política pode pôr tudo a perder.
Eleições
têm falha do TSE, abstenção, força de moderados e derrotas de Bolsonaro
Há
dois anos, as eleições nacionais e estaduais se caracterizaram por uma onda de
direita, não raro com tons populistas e autoritários, e rejeição a políticos e
partidos tradicionais. Esse cenário mudou.
Eleições
municipais são tocadas em outro diapasão, decerto. Mas os primeiros resultados,
nas grandes cidades, indicam que houve enorme abstenção em razão da pandemia,
preferência por conservadores moderados, alguma recuperação das forças de
esquerda e resultados importantes de DEM e PSDB.
Jair
Bolsonaro, que não tem partido além de si mesmo, interveio na disputa com seu
personalismo aviltado e péssimos resultados.
Guilherme
Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, é, pelos dados disponíveis
até a conclusão desta edição, uma grande novidade do pleito. Integrante de
legenda nanica e em versão esquerdista mais branda, vai ao segundo turno contra
o prefeito Bruno Covas (PSDB) —na cidade que sempre foi grande base do PT.
Cidades
relevantes como Porto Alegre, Belém e Recife deram votação expressiva à
esquerda, que ao menos neste momento se torna mais plural e se diversifica em
siglas como PSOL, PSB e PC do B. O eleitorado parece procurar alternativas
nesse campo político.
O
DEM obteve vitórias significativas, algumas já confirmadas, como em Salvador,
Curitiba e Florianópolis, além de conquistar bons números em municípios
populosos. Terá um favorito Eduardo Paes no segundo turno do Rio de Janeiro.
O
PSDB ganhou em Palmas e Natal, além de disputar a maior metrópole do país. Os
dois partidos formaram o núcleo da coalizão de governo de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002).
Nos
maiores municípios, os 95 nos quais, por lei, pode haver segundo turno,
observa-se grande dispersão —mais de 20 partidos disputavam com chances, com
destaque para MDB e PSD, que reelegeu em primeiro turno Alexandre Kalil em Belo
Horizonte.
Em
todo caso, não houve sinais de reviravolta político-ideológica de monta nessas
cidades, que na maioria dos casos visíveis optaram por continuísmos, nomes
estabelecidos ou legendas mais anódinas.
Digna
de nota foi a derrota de Bolsonaro em palcos nacionais. Celso Russomanno
(Republicanos) terminou com votação frustrante em São Paulo. Marcelo Crivella,
do mesmo partido, vai ao segundo turno em situação francamente minoritária no
Rio de Janeiro.
Não
restou candidatura importante que se propusesse a defender o presidente e suas
ideias exóticas. Prefeitos que tiveram atuação decente no combate à pandemia,
ou foram apoiados por governadores preocupados com a doença, tiveram em geral
desempenho forte.
É
uma pena que problemas técnicos no TSE tenham prejudicado a divulgação tempestiva
da apuração e dado margem a teorias conspiratórias de grupos que não têm
compromisso com a democracia.
Desigual na raiz – Opinião | Folha de S. Paulo
Cresce
distância de aprendizado entre escolas municipais no nível mais básico
A
escola pública se idealizou como instituição republicana por ser a grande
niveladora de oportunidades para que todos os cidadãos desenvolvam seu
potencial pleno. Se alguns ficam para trás, falha a república como tal —ou
mesmo involui, do que dá
sinais o Brasil.
Aumentou
a desigualdade no aprendizado de alunos do 1º ao 6º ano no período de 2015 a
2019, noticiou a Folha. Verificou-se o retrocesso em 58% das cidades
brasileiras, comparados os 10% de estabelecimentos mais bem avaliados de suas
redes municipais com os 10% de pior avaliação no Ideb.
A
deterioração se dá na raiz, no nível mais fundamental do ensino básico. Nesses
seis anos deveria ocorrer a alfabetização, sem a qual ninguém pode começar a
participar da vida social com autonomia.
E
não se está aqui tratando da disparidade ainda mais preocupante entre escolas
privadas e oficiais, mas tão somente dos obstáculos na partida que compete ao
Estado aplainar. Redes municipais respondem por 70% de 15 milhões de matrículas
nessa fase crucial.
A
desigualdade aumenta mesmo em muitos dos 79% de municípios que tiveram
progressão no Ideb. Houve 20 capitais —cidades em geral mais desenvolvidas em
cada estado— com melhora de desempenho, mas só 15 delas lograram diminuir a
distância entre os extremos de suas redes.
Falta
atenção dos gestores municipais para dificuldades enfrentadas nos
estabelecimentos mais desfavorecidos, seja por pobreza da clientela, más
condições de infraestrutura, violência predominante ou carência de professores.
A
pesquisa abrangeu período anterior à pandemia. Com escolas fechadas durante
quase todo o ano, calcula-se que aumentará ainda mais a distância entre alunos
de bairros centrais e os de escolas periféricas, que têm acesso precário a
conexões digitais, pais menos disponíveis para supervisionar deveres e
necessidade de trabalhar para reforçar a renda da família.
Nestas
eleições municipais, é alarmante a escassez de debate em torno de propostas
para reequilibrar a balança. Trata-se de questão cuja complexidade não é
alcançada pelas tradicionais —e já duvidosas— promessas de mais verbas para
esse setor prioritário.
Passada a eleição, foco deve ser nas reformas fiscais – Opinião | Valor Econômico
Abismo
fiscal se dará com a queda pronunciada da atividade econômica se forem
retirados em janeiro todos os estímulos
Com
a realização do primeiro turno das eleições municipais, é hora de o governo e o
Congresso Nacional voltarem o seu foco ao que é essencial para a estabilidade
econômica do país: aprovar o conjunto de reformas fiscais que visam a garantir
a sustentabilidade das contas públicas. Na volta dos parlamentares a Brasília,
preocupa a falta de consenso dos parlamentares - incluindo a base governista -
sobre os projetos que devem ganhar prioridade na agenda legislativa até o fim
do ano.
Reportagem
publicada pelo Valor na
sexta-feira mostra que, em conversas com o presidente Jair Bolsonaro, o líder
do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), definiu uma pauta prioritária
para o Executivo. Foram selecionados os projetos de lei da Casa Verde Amarela
(substituto do Minha Casa, Minha Vida), da lei de cabotagem, da lei de
independência do Banco Central e da lei de adequação das finanças dos Estados.
Todas
essas iniciativas são meritórias e podem contribuir para a retomada da economia
e para o aperfeiçoamento institucional do país. Mas de nada adiantarão esses
avanços se a base macroeconômica não estiver sólida. Para tanto, é
imprescindível aprovar projetos que, ainda que de forma “ad hoc”, dão sobrevida
ao teto de gastos, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto
Federativo e a PEC Emergencial.
Essas
duas medidas não resolvem os problemas estruturais do gasto público, mas pelo
menos permitem o acionamento de gatilhos que cortam despesas - incluindo a
possibilidade de redução da jornada do funcionalismo - quando o teto de gastos
está sob ameaça. Fazem pouco para organizar a despesa pública e podem ter
repercussões negativas no ciclo econômico e na oferta de serviços públicos. Mas
podem ser um expediente emergencial para garantir a manutenção do teto de
gastos enquanto não se aprovam medidas como uma reforma administrativa com
escopo maior do que a enviada pelo governo ao Congresso.
Porém,
os sinais às vésperas da retomada dos trabalhos no Congresso não eram nada
animadores. A equipe econômica manifestava, de forma reservada, preocupações
com resistências do Centrão com relação à adoção de medidas impopulares e com a
possibilidade de essas propostas não serem aprovadas ainda neste ano. Priorizar
projetos fora da alçada fiscal, embora relevantes, pode ser um expediente para
os congressistas evitarem tomar as decisões difíceis que devem ser enfrentadas.
O
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem defendendo que as duas PECs
que garantem uma mínima sustentabilidade fiscal sejam incluídas na pauta
prioritária. Mas a base governista na Câmara acusa Maia de tentar privilegiar
medidas que possam realçar a sua biografia, como a reforma tributária. O pano
de fundo é a disputa pelo comando da Casa, que ocorre em fevereiro.
O
ministro da Economia, Paulo Guedes, esforçou-se na semana passada, em uma
maratona de pronunciamentos, para defender a agenda de austeridade fiscal. Mas,
no mercado financeiro, há muita preocupação de que ele esteja falando sozinho.
Existem vozes rodeando o Palácio do Planalto que defendem o aumento de gastos
públicos para fomentar a atividade econômica.
Apesar
da sinalização do ministro Guedes do fim do pagamento do auxílio emergencial,
que só seria retomado no caso de uma segunda onda da Covid, há um risco
relevante de essa promessa não ser levada adiante pelo próprio governo.
Economistas vem chamando a atenção para o chamado abismo fiscal, ou seja, a
queda pronunciada da atividade econômica no caso de serem retirados em janeiro
todos os estímulos. A popularidade do presidente Jair Bolsonaro foi apoiada,
depois do início da pandemia, pelo pagamento desses benefícios - e a sua
retirada poderia levar a uma queda nas taxas de aprovação do presidente.
Esse quadro mal resolvido levou a uma forte volatilidade cambial, alta de juros de mercado e encurtamento do prazo da dívida pública. São assuntos que não dizem respeito apenas ao mercado financeiro, mas também ao bem-estar da população como um todo. Está ocorrendo um aperto nas condições financeiras, que prejudica as condições de financiamento das empresas, e o aumento da incerteza sobre o ajuste fiscal tem impactos concretos sobre a atividade econômica, adiando as decisões de consumo e de investimentos. Perdeu-se um tempo precioso à espera das eleições municipais, e agora é hora de recuperar, colocando os esforços no que importa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário