Rotular iniciativas e movimentos de combate à corrupção como “de direita” tem sido uma alegação comum da esquerda, não apenas no Brasil.
Tem-se
argumentado que, ao expor os meandros e bastidores do suposto “jogo sujo” da
política, movimentos anticorrupção desempenhariam um papel central de
fortalecimento da antipolítica. A devastação moral do governo de plantão
fortaleceria o sentimento de que a política não seria mais um veículo de
mudanças – todo o sistema seria corrupto e só um líder messiânico, fora do
sistema – ou seja, fora da “política” – seria capaz de exercer mudanças
significativas e, finalmente, higienizar a política.
Movimentos
de combate à corrupção seriam, assim, paradoxais. A rejeição generalizada da
política levaria necessariamente à fragilização do sistema vigente e ao
surgimento de políticos de perfil populista e carismático que prometem acabar
com a corrupção. Entretanto, uma vez eleitos, esses líderes “antipolítica”
acabariam por colocar em risco as próprias instituições do País. Como exemplos,
Rodrigo Duterte nas Filipinas, Silvio Berlusconi na Itália ou Jair Bolsonaro no
Brasil.
A resposta que a esquerda tem dado a esse paradoxo, especialmente quando políticas anticorrupção atuam contra governos supostamente progressistas, é a de tratar as alegações ou evidências de irregularidades, ou condenações na Justiça como campanha de difamação da direita e perseguição da mídia conservadora.
Alegam que tais políticas adotam uma concepção de direito punitivista, que não
respeitaria o devido processo legal. Pior ainda, associam a retórica
anticorrupção e suas lideranças à própria direita. Rechaçam a participação de
quem outrora impôs perdas judiciais a líderes corruptos de governos desviantes
de esquerda na construção de alternativas políticas não polarizadas. O inverso
também é verdadeiro: quando governos conservadores de direita são pegos
praticando atos de corrupção, estratégias semelhantes são igualmente adotadas.
Apesar
de, num primeiro momento, os movimentos de combate à corrupção terem causado um
choque no sistema político, permitindo a eleição de “outsiders” como Bolsonaro,
não chegaram a enfraquecer o sistema político nem a destruir o sistema
partidário. Os resultados de ontem, das eleições municipais, sinalizam que os
candidatos “antipolítica” e que apostaram na polarização foram os grandes
derrotados.
É
um erro, portanto, associar o combate à corrupção a uma agenda de direita ou de
esquerda. O combate contra a corrupção não tem ideologia. É fundamentalmente
uma luta contra governantes que apresentam comportamento desviante, sejam de
esquerda, centro ou direita.
Na
verdade, a luta contra a corrupção é mais que a imposição de restrições a
trocas ilícitas no sistema político. Compreende também iniciativas que diminuam
a captura do Estado por interesses específicos e escusos. Ela é, em essência, a
luta contra a privatização da vida pública.
Em
países com extrema desigualdade, como o Brasil, essa luta é um movimento contra
os que capturam o Estado para interesses privados. Neste sentido, é uma
política de inclusão social. Assim, só uma análise enviesada poderia rotular
ideologicamente uma política anticorrupção que, essencialmente, visa diminuir a
desigualdade social por meio do aumento da inclusão.
A
luta contra a corrupção não é de esquerda ou direita, mas contra o incumbente
*Cientista Político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape)
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