Reorganização
da esquerda pode ser sintoma da volta da política brasileira ao normal
Com
a passagem de Guilherme Boulos (PSOL-SP) para o segundo turno
da eleição em São Paulo, Jair Bolsonaro tornou-se um sem-teto na
política paulistana. Bruno Covas (PSDB-SP), que terminou em primeiro e
disputará a prefeitura com Boulos, também é adversário do
governo federal. O candidato de Bolsonaro, Celso Russomanno,
tornou-se um sem-piso depois de receber o apoio presidencial.
O
líder sem-teto realizou um feito notável. Sem o apoio do PT –cujo candidato,
Jilmar Tatto, teve 8% dos votos válidos na boca de urna Boulos conseguiu atrair
a maior parte dos eleitores que deram a Prefeitura de São Paulo à esquerda em
três oportunidades. A campanha de Boulos foi eficiente em linguagem e proposta,
e a escolha de Luiza Erundina como vice não poderia ter sido melhor:
acrescentou experiência administrativa à candidatura e fez o aceno certo ao
eleitorado petista.
Boulos
foi o mais surpreendente dos "meteoros vermelhos", expressão criada por
Vinícius Torres Freire para descrever os candidatos fortes de
esquerda em uma eleição dominada pela centro-direita. O outro, que se saiu
melhor do que Boulos, inclusive, mas tinha apoio do PT, foi Manuela D’Ávila (PC
do B-RS), candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad em 2018.
Manuela deve ir ao segundo turno em Porto Alegre com impressionantes 40% dos
votos válidos.
Os
meteoros vermelhos parecem dignos de nota porque 2018 foi uma grande vitória da
extrema-direita. Mas a reorganização da esquerda, que ainda está em sua fase
inicial, pode ser só mais um sintoma da volta da política brasileira ao normal
depois do surto de 2018. Esquerda no segundo turno em Porto Alegre, Recife,
Belém, São Paulo, nada disso é novidades histórica.
No
geral, a eleição foi o oposto da anterior, em que o Brasil elegeu o extremista
Jair Bolsonaro. Desta vez, os outsiders ficaram mesmo outside. Boulos e
Manuela, João Campos e Marilia Arraes, ACM Neto e Bruno Covas, Alexandre Kalil
e Eduardo Paes, representam a renovação em seus respectivos campos
democráticos. Não são outsiders como o paulista Mamãe Falei ou os cariocas
Mamãe Nadei e Mamãe Sofri Impeachment. Só o candidato Mamãe Fui no Motim na
Polícia segue com chances em Fortaleza.
No
geral, o eleitorado votou com a memória da competência passada, o que deve se
confirmar quando Eduardo Paes derrotar Crivella no segundo turno
do Rio de Janeiro. Mesmo onde os “meteoros vermelhos” foram bem, há
memórias de boas administrações progressistas.
De
qualquer forma, ficou claro que o eleitorado de esquerda ainda está aí,
esperando que as lideranças e partidos se reorganizem para oferecer-lhe
candidaturas competitivas. Não é nada estranho em um sistema multipartidário,
nem um pouco estranho no pós-Lava Jato. Como o exemplo da eleição carioca
mostrou, é um processo difícil e cheio de arestas. Mas é muito improvável que a
reorganização pós-Lava Jato da esquerda termine tão mal como a da direita, que
nos deu Bolsonaro em 2018.
A
eleição para vereadores talvez mostre padrões mais claros de renovação, em
especial pelos novos vereadores e vereadoras negras. Se mais gente com cara de
Marielle e menos gente com cara de seus assassinos sair forte esse ano, 2018
terá mesmo ficado para trás.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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