Os
mais ricos ficaram com quase todo o crescimento da renda de 2017 para cá
Nos
últimos dez anos, perdemos a luta contra a pobreza e a desigualdade, objetivo
incontornável de qualquer país que se quer decente. Essa é a conclusão do
primoroso trabalho "Distribuição de renda nos anos 2010: uma década
perdida para desigualdade e pobreza", escrito por três ases --os
pesquisadores Rogério Barbosa, Pedro Ferreira de Souza e Sergei Soares-- e recém-publicado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da
Economia, na série Textos de Discussão.
Ali se lê que os ganhos conseguidos entre 2012 e 2014 --e que davam prosseguimento a uma longa trajetória virtuosa de redução do número de pobres e das disparidades de renda-- cessaram com a crise econômica de 2015-2016 e foram literalmente revertidos nos dois anos seguintes.
O desarranjo da economia não atingiu a todos da mesma forma nem ao mesmo tempo.
A derrocada começou no governo Dilma, provocada por uma leitura míope dos
obstáculos da hora, conduzindo a soluções ineficazes para superá-los.
Mas
foi ao longo da difícil recuperação que teve início em 2017, já sob o comando
da centro direita de Temer & Meirelles, que a sorte dos mais pobres foi
selada. Segundo os estudiosos citados, os brasileiros mais ricos se apropriaram
de cerca de 80% do crescimento da renda no período, enquanto os ingressos da
metade mais pobre caíram 4%. Na mesma proporção cresceu a desigualdade. Sem
sombra de dúvida, esse aumento foi o responsável pela ampliação da pobreza.
Os
pesquisadores demonstram que o inchaço do desemprego e a queda dos salários
foram os vilões da tragédia que desfez sonhos e esperanças de milhões de
famílias e multiplicou o número dos sem-teto nas grandes cidades.
A Previdência Social também teve seu papel: os maiores benefícios destinaram-se aos grupos de melhor remuneração. Finalmente, o estudo revela terem sido quase nulos os efeitos compensatórios dos programas de proteção da renda, como o Benefício de Prestação Continuada, o Seguro Desemprego e o Bolsa Família, cujos recursos não acompanharam o aumento dos que a ele teriam direito.
Uma administração que produziu muito progresso, mas não as condições fiscais
para sustentá-lo, seguida de outra que em dois anos promoveu impressionante
retrocesso social são responsáveis pela marcha à ré do país e pela perda de uma
década de mitigação das injustiças.
Não
é provável que o quadro melhore neste governo: reduzir pobreza e desigualdade
não faz parte de sua agenda retrógrada. Que, ao menos, os democratas com
preocupações sociais aprendam com o estrago e se preparem para fazer melhor.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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