Centro político pode começar a se mover por conta própria
O
ministro Luiz Eduardo Ramos disse que os aliados do governo venceram as
eleições. Mencionou o crescimento
de prefeituras do DEM, PP e PSD, bem como o encolhimento do PT e
concluiu: a turma que segue as “pautas e ideias” de Bolsonaro ganhou o jogo.
Há
vários problemas aí. O primeiro é saber exatamente quais são as pautas e ideias
do governo. Por vezes o suporte do governo, e em particular do presidente, à
sua própria agenda de reformas se parece com o apoio
de Bolsonaro ao prefeito Crivella: “Se não quiser não vota, tranquilo”.
É
verdade que os partidos tradicionais foram vencedores. A Folha identificou
uma tendência
significativa de deslocamento à direita dos novos prefeitos. Há muitos
significados nisso. Um deles diz simplesmente que esta foi uma eleição de baixa
propensão a risco. É a tese levantada pelo professor Carlos Pereira: diante da
pandemia e do espectro da morte, o eleitor tende a recuar da lógica do
confronto e se afastar das “saídas polares”.
Há
uma explicação mais pragmática: DEM, PP e PSD trabalharam forte e foram os
partidos que mais cresceram com o troca-troca partidário entre as eleições. Só
o DEM passou de 272 para 456 prefeitos, já antes das eleições, basicamente
puxados por governadores eleitos pelo partido, em 2018. O resultado obtido
agora é em boa medida uma consequência disso.
O
ponto é que a interpretação dada pelo ministro Ramos põe um detalhe para baixo
do tapete: o bolsonarismo virtualmente não apareceu nessas eleições. É evidente
que há candidatos identificados com Bolsonaro, alguns com relativo sucesso. Nas
18 capitais com segundo turno há no mínimo cinco com candidaturas claramente
identificadas com o presidente e seu estilo. Mas, cá entre nós, frente ao que
vimos há dois anos, é muito pouco.
O
próprio bolsonarismo reconhece isso. Filipe Martins, assessor internacional de
Bolsonaro e geralmente visto como ideólogo do grupo, pediu “autocrítica” aos
conservadores e conclamou a turma a “recuperar os ideais e bandeiras de 2018”.
Vai
aí o problema. O que a eleição revela é que os tais princípios de 2018 talvez
não tenham lá grande profundidade. O conservadorismo de Bolsonaro nunca
produziu muita coisa, no governo, e o que se anunciava como sua agenda no
Congresso (escola sem partido, redução da maioridade penal, liberação do porte
de armas) nunca andou.
No
Brasil recente, se confundiu conservadorismo com palavras de ordem do
tradicionalismo de costumes (não raro misturado com religião). Vem daí o
completo desinteresse de Bolsonaro em criar a Aliança pelo Brasil e sua
acomodação junto aos partidos do centrão.
O
mesmo vale para a agenda econômica. Paulo Guedes pode ser um histórico do
liberalismo brasileiro e de algum modo ainda funciona como fiador da pauta de
reformas junto ao mercado, mas vamos convir: terminamos o ano com menos
consenso sobre reforma tributária do que parecíamos ter antes da pandemia; a
reforma administrativa, além de tímida, se arrasta, e as privatizações, dois
anos depois, quando muito prosseguem como um “ideal” do governo.
Em
meio a este quadro, Bolsonaro resolveu improvisar. Bem a seu estilo, mencionou
alguns candidatos, em suas lives, fez escolhas erradas, desconsiderou aliados
políticos no Congresso e colheu um resultado melancólico.
O
que estas eleições fizeram foi acender uma luz amarela no Planalto. A avaliação
positiva de Bolsonaro caiu entre 15% e 20% desde o início da campanha, a agenda
de reformas está parada e não há sinal sobre o que o governo fará com o auxílio
emergencial a partir de janeiro.
Talvez
o governo se dê conta disso e comece a trabalhar com algum senso de urgência no
Congresso. O recado das urnas parece claro: ganha força o espectro de um centro
político que, sabendo capturar a agenda reformista, pode começar a se mover por
conta própria e produzir uma alternativa para 2022, distante simultaneamente da
esquerda e do bolsonarismo.
Para
Bolsonaro, que depende da lógica da polarização para sobreviver, este é o
principal recado que surge das urnas.
*Fernando
Schüler, professor
do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da
Fundação Iberê Camargo.
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