quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Ascânio Seleme - O efeito Tatto

- O Globo

Animação da esquerda alcança apenas lateralmente os petistas

Há momentos na história dos partidos políticos em que eles corrigem sua rota ou correm o risco de perder densidade e estatura, virar poeira e sumir. Quase aconteceu com o DEM, que por pouco não desapareceu entre 2006 e 2012. Deve ocorrer muito brevemente com o PSL. E pode se dar também com o PT, se os sinais deixados nas urnas pelo eleitor não forem bem entendidos. O sinal mais claro foi o de São Paulo. Aquela terça parte dos paulistanos que, por três vezes, ajudou a eleger prefeitos da sigla mostrou no domingo que vota na esquerda, não necessariamente no PT.

Imaginar que São Paulo embarcaria na canoa do enrolado Jilmar Tatto apenas porque ele foi apontado pelo partido e ungido por Lula foi um equívoco do tamanho da soberba do PT. E, em política, arrogância é inimiga do sucesso. Votaram em Tatto os militantes orgânicos, os engessados e os desavisados. Revoaram para o PSOL de Guilherme Boulos todos os demais que, somados aos primeiros, totalizam os cerca de 30% que pareciam cativos do Partido dos Trabalhadores e que, se soube agora, não são.

É verdade que a esquerda sai das eleições municipais mais animada do que saiu da eleição presidencial de 2018. Embora tenha ido ao segundo turno com Fernando Haddad, o PT liderou a maior derrota política da esquerda desde 2002. 

O problema agora é que animação da esquerda alcança apenas lateralmente os petistas. Candidatos seus foram eleitos em 179 das 5.570 cidades brasileiras e estão no segundo turno em outras 15, entre elas Recife e Vitória. É muito pouco. Esse resultado é 30% pior do que o de 2016, quando o partido imaginava estar no fundo do poço com o escândalo da Petrobras e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

O desfecho do domingo passado poderia ter sido outro se o PT soubesse conciliar e estivesse no segundo turno em São Paulo. Emprestar apoio no segundo turno não é a mesma coisa que estar no segundo turno. Claro que Tatto, conhecido por suas ações heterodoxas na região mais pobre da cidade e denunciado por se envolver com o PCC, não poderia ser o candidato. Se o partido não iria mesmo conseguir emplacar nas prévias um nome sólido e confiável como o ex-ministro Alexandre Padilha, deveria ter recuado em favor de Boulos. Como o diretório de Porto Alegre fez em benefício de Manuela d’Ávila (PCdoB), indicando o ex-ministro Miguel Rossetto para vice, um nome muito mais forte e íntegro que o do candidato paulistano.

No Rio, onde o PT sempre foi muito mais coadjuvante que protagonista, se deu coisa parecida. Ao insistir em candidatura própria, de Benedita Silva, impediu que a esquerda, com o PDT de Martha Rocha, tentasse desalojar Marcelo Crivella da disputa. Talvez nem mesmo com um empurrão a pedetista chegasse ao segundo turno, tamanha sua falta de carisma, graça e conteúdo, mas seria um sinal de maturidade e uma tentativa de construir uma alternativa à esquerda na cidade. Pode-se dizer que, em 2016, o partido tentou, ao indicar o vice de Jandira Feghali (PCdoB). Embora, naquele caso, fosse apenas um jogo do faz de conta, porque o correto teria sido apoiar Marcelo Freixo (PSOL).

Como o Brasil de 13,5 milhões de miseráveis precisa de uma esquerda forte, competitiva e honesta em 2022, o PT tem que entender o que acaba de ocorrer. Já que ignorou todos os avisos anteriores, esta pode ser sua última chance. O que aconteceu nesta eleição é que o centro saiu fortalecido. Desnecessário descer a detalhes, os mapas eleitorais e os analistas que me precederam já esmiuçaram isso. Mantida a altivez do PT e seu distanciamento do resto do espectro de esquerda, a eleição presidencial pode acabar sendo decidida por um candidato de centro, de centro-direita ou de centro-esquerda, contra o de extrema-direita Jair Bolsonaro.

É justo cobrar do PSOL, do PCdoB, do PSB, do PDT e da Rede, entre outros, a consolidação de um caminho à esquerda viável em 2022. Mas cabe ao PT tomar a iniciativa. Ele é o maior partido do agrupamento e, exatamente por isso, o único que pode oferecer precedência.

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