Partidos
vitoriosos nas urnas estarão mais propensos a uma pauta que limita o voo do
presidente mas os consolida na condição de eixo para 2022
As
eleições municipais devolveram o bolsonarismo ao tamanho que o fenômeno tinha
antes da facada. A definição, dada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), foi a melhor da temporada. Pelo cargo que ocupa, o presidente da
República é maior do que o fenômeno que o elegeu, mas seu fraco desempenho como
cabo eleitoral tem consequências para além da carreira frustrada de Val do Açaí
na Câmara de Vereadores de Angra dos Reis.
Se
as disputas locais têm um significado para o cenário nacional é o de projetar a
expectativa de poder para a segunda metade do mandato de quem hoje o detém. O
PT, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi considerado derrotado em
2004, primeira disputa municipal depois de sua chegada ao poder. Perdeu a
cidadela paulistana e duplicou o número de prefeituras (esperava-se que
quintuplicasse).
Isso
não impediu que o PT permanecesse por mais 12 anos no poder. Foi o “boom das
commodities” que permitiu ao partido prorrogar sua validade, a despeito dos
sucessivos sacolejos em sua base política. Foi a partir daí que o governo pôde
abandonar o arrocho de Antonio Palocci e fazer políticas públicas e
investimentos que lhe permitiram se manter como eixo.
Desta
vez, o cenário é oposto. O abismo econômico com o qual o país se depara leva à
imposição de uma pauta fiscalista para a segunda metade do mandato
bolsonarista. Some-se a isso a insegurança provocada pelo enfraquecimento de
sua retaguarda militar e pela derrota de Donald Trump, além do avanço das investigações
sobre as rachadinhas bolsonaristas.
Tão
desastradas quanto as movimentações de Bolsonaro nos municípios têm sido suas
gestões para emplacar o procurador-geral do Estado do Rio. Não apenas levaram à
formalização da denúncia do Ministério Público contra o senador Flávio
Bolsonaro, como têm produzido vazamentos em série da investigação.
A
eleições municipais colocaram esta mistura num caldeirão cuja fervura é dada
pelo fortalecimento de forças políticas que se creem capazes de articular
alternativas no campo conservador para 2022. Não se trata mais daquilo que um
dia se chamou de “bolsonarismo sem Bolsonaro”. O bolsonarismo foi derrotado.
Resta saber que serventia ainda terá o presidente sem o fenômeno que o
catapultou ao poder.
Desde
a posse de Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes e a reeleição presidencial
emergiram como dois rivais que a crise econômica tornou ainda mais excludentes.
O auxílio emergencial e o chamado “Orçamento de guerra” deram sobrevida ao
binômio. A redução do auxílio pela metade já cobrou seu preço na popularidade
de Bolsonaro e nas eleições municipais. E a perspectiva de sua renovação ficou
mais difícil. No limite, o que se avizinha é uma arredondada no Bolsa Família.
E do Orçamento, só sobrará a guerra. Paulo Guedes ou seja lá quem segure a
dívida pública não será mais uma opção mas um imperativo.
Além
da pandemia, as benesses fiscais aprovadas pelo Congresso ao longo de 2020
tinham como ponto futuro as eleições municipais. Era a sobrevivência das bases
dos parlamentares que estava em jogo. Garantidas essas bases, as forças
políticas vitoriosas nas urnas tratarão de viabilizar não a pauta que dê
sobrevida a Bolsonaro mas aquela que as imponha como eixo alternativo ao
bolsonarismo. O presidente pode até querer se filiar ao Centrão, mas corre o
risco de engrossar o rol dos candidatos cristianizados da história.
A
movimentação empresarial por esta alternativa, que teve início antes mesmo do
primeiro turno, já deu o tom. Se confrontarem sua pauta, os polos emergentes do
Congresso estarão inviabilizados para a arregimentação política com vistas a
2022. No caso do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), há um mimetismo
de propósitos.
Nome
de maior projeção do partido que mais se robusteceu nos grandes centros e ainda
está na disputa no berço eleitoral do bolsonarismo, Maia foi à Associação
Comercial de São Paulo menos de 24 horas depois de fechadas as urnas. Ouviu
apelos por sua permanência no comando da Câmara e deixou claro que, enquanto
ocupá-lo, não haverá ampliação do Bolsa Família além do teto de gastos
(“populismo”), nem extensão da calamidade pública (“interpretação heterodoxa do
Orçamento”).
Antes
de saber se poderá se recandidatar ao cargo, Rodrigo Maia está sendo
aconselhado a buscar um acordo com Bolsonaro. Pesam contra este acordo, além da
força redobrada do DEM, a ausência de confiança mútua entre os dois
personagens. O principal antagonista de Maia, o deputado Arthur Lira (PP-AL),
não é contra nem a favor da pauta fiscalista, muito pelo contrário. Tem
habilidade suficiente para fazer acordos e assumir compromissos que precisar
para chegar lá. E marca presença nas plateias da Faria Lima onde até bem pouco
tempo Maia reinava solitário.
Se
o DEM avançou nas grandes cidades, o PP pontifica sobre os grotões, onde já
ameaça o domínio do MDB. Lira perdeu a eleição em Maceió mas já se engajou na
candidatura do segundo colocado na tentativa de derrotar os Calheiros. Abusou
da astúcia no jogo montado em Arapiraca, segundo maior município do Estado para
cuja disputa atraiu Luciano Barbosa, um ex-prefeito da cidade que chegou a
ministro da Integração Nacional no governo FHC com o apoio do senador Renan
Calheiros (MDB), aliado de Maia.
Para
se candidatar em Arapiraca, Barbosa deixou o cargo de vice do governador Renan
Filho. Elegeu-se com quase o dobro de votos da segunda colocada. Com isso,
prendeu o governador no cargo. Se deixá-lo em 2022 para tentar uma cadeira ao
lado do pai no Senado, a vaga será preenchida pela Assembleia Legislativa, hoje
comandada por aliados de Lira. A disputa entre Maia e Lira pode vir a mitigar
até mesmo o fim das coligações proporcionais. Os partidos menores vão barganhar
a federação de partidos para definir seu apoio.
Nenhum personagem, porém, é mais dependente desta disputa do que Bolsonaro. Se as eleições municipais limitaram seu horizonte a 2022, a disputa pela Mesa da Câmara, onde repousam mais de 40 pedidos de impeachment, pode encurtá-lo ou reduzi-lo a um pato manco no poder.
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