Candidato
do PSOL à prefeitura de São Paulo parece ter-se dado conta da nova direção dos
ventos, mas por enquanto é voz isolada
Já
é um bom avanço entender que as esquerdas tradicionais perderam terreno nessas
eleições e que seu espaço começa a ser ocupado por uma esquerda mais moderna e
mais moderada, que tem como um dos seus líderes Guilherme
Boulos, candidato a prefeito de
São Paulo. Mas é preciso ir além. É preciso entender por que essa
mudança está ocorrendo.
A
esquerda que está sendo desidratada no Brasil é a que cresceu no sindicalismo
tradicional, o que se baseava na defesa dos interesses do trabalhador da
indústria de transformação. Batalhava por mais conquistas trabalhistas e pelo
aumento dos salários dos que já desfrutavam de um contrato formal de trabalho,
que ainda dava direito a outros benefícios, como plano de saúde, fundo de
pensão e colônia de férias.
Essa esquerda e esse sindicalismo ajudaram a fortalecer a chamada elite do proletariado. Foram responsáveis também para que, em determinado período, ganhasse corpo certo acordo tácito pelo qual os trabalhadores da indústria de veículos obtivessem os melhores salários do mercado e a indústria pudesse repassar aumentos de custos para o preço dos seus produtos, sem ter sequer de divulgar balanços auditados.
Esse
velho sindicalismo não se importa muito com o desempregado nem com a situação
precária dos já aposentados e dos que logo chegariam a essa condição. Em grande
número de casos, os dirigentes desses sindicatos se perpetuavam no poder e
tiravam proveito próprio do bolão do imposto sindical arrecadado com
contribuições compulsórias dos associados, mamata que felizmente acabou.
Esse
sindicalismo está sofrendo de Alzheimer não porque a reforma trabalhista o
tenha abatido – como muita gente pensa –, mas porque o momento é de enorme
transformação na natureza do trabalho. A nova arrumação do sistema produtivo, a
automação e o largo emprego de tecnologia de informação não estão dispensando
apenas instalações, máquinas e áreas de almoxarifado; estão dispensando mão de
obra.
Todos
os dias a gente se depara com informações de que grandes empresas estão
promovendo planos de demissão voluntária e fechamento irreversível de fábricas,
como aconteceu com a Ford em São Bernardo
do Campo. E isso vale, também, para a área de serviços, mais de 70%
do PIB. Basta conferir o que está acontecendo nos bancos, no comércio varejista
e até mesmo na construção civil, setores conhecidos até recentemente como
grandes empregadores de pessoal.
Não
se farão mais greves e grandes concentrações como se viam nos anos 1970 e 1980
no Estádio da Vila Euclides, em São Caetano e
em Osasco,
movimentos que desembocaram na criação do PT.
Hoje
as coisas estão mudadas. As greves se tornaram ocasião para que o patrão
eventualmente atrasado no processo de modernização de sua empresa tome
consciência de que precisa intensificar a automação, o emprego de aplicativos,
a escalada para o estágio da indústria 4.0 e para participação nas cadeias
globais de produção e distribuição. A pandemia, por sua vez, mostrou-lhe como
pode cortar os custos de seus escritórios, por meio do trabalho em home office.
Portanto, o empresário está sendo empurrado para operar com menos funcionários.
A
principal mudança na natureza do trabalho é a perda de importância relativa do
emprego celetista e aumento da importância das atividades por conta própria
(autônomas). Para o bem e para o mal, ficou mais difícil distinguir trabalho
informal de trabalho autônomo, situação que começa a se tornar cada vez mais
normal.
A
esquerda convencional já vinha enfrentando rápido processo de esclerose. Na
política, passou a disputar o poder, não como meio para defender mais
adequadamente o interesse público, mas para disputar o poder pelo poder. O
candidato do PT em São Paulo, Jilmar Tatto, não foi
escolhido porque tinha a melhor plataforma em benefício do trabalhador
paulistano, mas porque dominou a máquina do partido, por meio da qual arrancou
sua indicação, que ninguém reverteu, mesmo depois que se viu que sua
candidatura não tinha densidade eleitoral.
Boulos
parece ter-se dado conta da nova direção dos ventos. Mas, por enquanto, é
apenas voz isolada, acolhido em partido fraco. Corre o risco de ser engolido
pela burocracia e pelo mesmismo, contra o qual diz lutar. Ou, pior, de ser
engolfado pelo radicalismo. Mas já mostrou que as esquerdas têm novo caminho a
percorrer.
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