quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Míriam Leitão - Um país assim complicado

- O Globo

Tudo é sempre um pouco mais complicado quando se trata de política brasileira. Os partidos nem sempre são o que parecem, o centrão é de direita, o DEM veio do PFL, que veio do PDS, que nasceu na Arena, partido da ditadura, mas isso não quer dizer que seus líderes concordem com a defesa que Bolsonaro faz da mesma ditadura. O PSD é de Gilberto Kassab, político que se adapta a qualquer governo, mas o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, a maior vitória do partido, é crítico do presidente, principalmente da política de combate à pandemia.

A política brasileira é toda matizada, confirmando a lendária afirmação de que o Brasil não é para principiantes. O novelo das tendências políticas é tal que para entender é preciso puxar fio por fio.

O DEM tem maiores ambições, segundo aviso do seu presidente, ACM Neto, dado na entrevista publicada ontem pelo “Valor”. Quer ter um candidato ou estar na chapa da próxima disputa presidencial. Ele se fortaleceu neste primeiro turno. Aumentou o número de prefeituras e foi o que mais fez prefeito de capital logo na primeira rodada, entre elas, Salvador, onde o eleito Bruno Reis teve o maior percentual de votos e sucede a duas administrações de ACM Neto. Por que esse capital eleitoral seria posto a serviço de um presidente sem lealdades e com posições extremistas? Não seria neto de quem é se fizesse essa opção.

Na primeira República, os partidos eram estaduais. Tem horas que parece que esse DNA está ainda presente nas agremiações. O mesmo partido tem alianças diferentes dependendo da unidade da federação. Cada caso tem uma história à parte. Cada estado tem uma história toda particular de alianças, heranças e tendências.

O Acre tem uma história de extremos. Foi o primeiro estado em que o PT foi para um segundo turno, com Jorge Viana, em 1990. Depois de ser prefeito de Rio Branco, ele chegou ao governo do estado com a bandeira ambiental. Ficou dois mandatos. Veio o governo Binho Marques, que não quis concorrer à reeleição, apesar de 64% de aprovação. Em seguida, veio o criticado governo de Tião Viana. O PT teve cinco mandatos no governo estadual e quatro na prefeitura, chegou a eleger três senadores e a maioria da bancada federal. Nesta eleição, não conseguiu eleger um único vereador na capital.

Em 2018, o Acre deu a maior vitória a Bolsonaro, 82,77% dos votos. Elegeu o senador Márcio Bittar (MDB), um radical antiambiental. Junto com Flavio Bolsonaro (Republicanos) propôs o fim de qualquer reserva legal. Nesta eleição, Rio Branco levou para o segundo turno o pecuarista Tião Bocalom (PP), do mesmo partido do governador, que por sua vez apoiou a atual prefeita Socorro Neri (PSB), que está no segundo turno. Apesar da vitória acachapante em 2018 e da guinada conservadora permanecer em alta, a popularidade do presidente caiu no Acre. O único candidato que assumiu a defesa de Bolsonaro foi Ruy Duarte (MDB), que ficou em quarto lugar. O socioambientalismo sobrevive no Vale do Acre, onde nasceu, com destaque para a reeleição do prefeito de Xapuri.

O Espírito Santo teve vários governos de esquerda ou centro-esquerda, deu vitória de 63,19% a Bolsonaro em 2018. Hoje, a taxa de aprovação do presidente é de apenas 28%. O segundo turno em Vitória será disputado entre João Coser (PT), e Delegado Lorenzo Pazolini (Republicanos). Apesar do partido de Pazolini, quem teve o apoio de Bolsonaro lá foi o Capitão Assumção, um dos líderes do motim da Polícia Militar.

Qualquer estado que se olhe tem particularidades e nuances inesperadas. No Rio, o PSOL amargou um 6º lugar na disputa para a prefeitura, mas fez o vereador mais votado, Tarcísio Motta, e uma bancada de sete vereadores, tão grande quanto a do DEM e a do Republicanos que disputam o segundo turno. Em São Paulo, PT e PSDB fizeram a maior bancada, ambos com oito vereadores. Mas o PT ficou em 6º na disputa pela prefeitura. O PSOL, que foi para o 2º turno, fez a segunda maior, empatado com o DEM, que nem candidato majoritário teve.

O mesmo centrão que esteve nos governos de Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer está hoje com Bolsonaro, mas pode não estar. Segundo a definição de um político experiente: “O centrão troca de camisa quando sente o cheiro de mudança. Num dia era ‘presidenta’ Dilma, no outro votava pelo impeachment.” A política é assim complicada no Brasil.

Nenhum comentário: