Com
fim do auxílio emergencial, total de pobres dispara e supera o de 2019
Com
o fim do auxílio emergencial em dezembro, 2021 começou com um salto
na taxa de pobreza extrema no Brasil. O país tem hoje mais pessoas na
miséria do que antes da pandemia e em relação ao começo da década passada, em
2011.
Neste
janeiro, 12,8% dos brasileiros passaram a viver com menos de R$ 246 ao mês (R$
8,20 ao dia), linha de pobreza extrema calculada pela FGV Social a partir de
dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnads) Contínua e
Covid-19.
No
total, segundo projeção da FGV Social, quase 27 milhões de pessoas estão nessa
condição neste começo de ano —mais que a população da Austrália.
Trata-se
de um aumento significativo na comparação com o segundo semestre de 2020,
quando o
pagamento do auxílio emergencial a cerca de 55 milhões de brasileiros chegou a
derrubar a pobreza extrema, em agosto, para 4,5% (9,4 milhões de pessoas)
—o menor nível da série histórica.
A
taxa neste começo de década é maior que a do início da anterior (12,4%) e que a
de 2019 (11%).
O efeito negativo da pandemia sobre a renda dos mais pobres já tenderia a ser prolongado levando-se em conta a recuperação difícil que o Brasil tem à frente (quase sem espaço no Orçamento público para novas rodadas de auxílio emergencial), o aumento das mortes pela Covid-19 e o atraso no planejamento da vacinação.
O
pagamento do auxílio emergencial custou cerca de R$ 322 bilhões, a maior
despesa do Orçamento de Guerra contra a Covid-19.
Com
essa e outras medidas emergenciais, em
2020 a dívida pública saltou 15 pontos, atingindo 89,3% como proporção do PIB e
R$ 6,6 trilhões —ambos recordes que levaram à deterioração no perfil
de refinanciamento.
Mas,
além do aumento da pobreza no presente, a pandemia deve impor perdas futuras de
renda aos mais jovens, sobretudo os pobres, que acabaram perdendo boa parte do
ano escolar de 2020.
Em
média, cada ano de ensino a mais chega a representar ganho de 15% no salário
futuro; e 8% mais chance de conseguir um emprego.
Em
2020, no entanto, os alunos da rede pública tiveram a metade das atividades em
relação a anos normais, segundo dados da FGV Social e das Pnads. A redução nas
escolas privadas foi bem menor --o que implicará em aumento, nos próximos anos,
da desigualdade entre ricos e pobres.
O
aprofundamento das disparidades também se dará regionalmente. Na rica Santa
Catarina, por exemplo, só 2% dos alunos de escolas públicas e privadas deixaram
de receber material para atividades em casa na pandemia. No pobre Pará, foram
42%.
No
geral, os jovens, os sem escolaridade, os nordestinos e os negros foram os que
mais perderam renda do trabalho na pandemia (veja quadro). Hoje, cerca de 35%
dos jovens brasileiros nem trabalham nem estudam —os chamados "nem
nem" eram 25% no final de 2014.
"É
um péssimo começo de década", resume o economista Marcelo Neri, diretor da
FGV Social. "Ao longo dos últimos muitos anos, como um relógio, tivemos
aumento nos anos de estudo, com impactos positivos na renda e na queda da
desigualdade. Desta vez, isso foi interrompido."
Neri
lembra que, ao encontrar um mercado
de trabalho deprimido nos primeiros anos em que buscam colocação, os jovens
acabam tendo a renda futura muito comprometida.
O
aumento da taxa de pobreza complica o cenário. Como os pobres consomem toda a
renda que recebem, o fato de um número significativo não estar trabalhando ou
ganhando trava a aceleração do crescimento econômico.
Neste
momento, a volta da incerteza sobre a plena reabertura da economia afetará
sobretudo o setor de serviços, responsável por 2/3 do PIB e onde os pobres mais
atuam.
Assim,
algumas consultorias e bancos já começam a rever previsões de crescimento para
2021. O Bradesco, por exemplo, cortou de 3,9% para 3,6% a alta estimada do PIB,
embora ainda veja como positivos o ciclo de recomposição de estoques, a
poupança precaucional de quem recebeu o auxílio emergencial e alguns sinais de
recuperação no mercado de trabalho.
Outro
limitador da recuperação pela via do consumo das famílias —responsável por 65%
do PIB— é o aumento da inflação, especialmente para os mais vulneráveis.
Em
2020, a inflação para as famílias com renda entre 1 e 2,5 salários mínimos
atingiu 6,3%, segundo o IPC-C1 (Índice de Preços ao Consumidor - Classe 1, da
FGV). Dentro do índice, os preços dos alimentos dispararam 15,4%.
Segundo
cálculos do Diesse (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos), o valor da cesta básica em São Paulo em relação ao salário
mínimo (R$ 1.100) é o maior em 15 anos —o que compromete a capacidade de
consumo das famílias.
A
partir de critérios distintos, o economista Naercio Menezes, do Insper, também
calcula que a taxa de pobreza neste começo de 2021 seja maior que a do fim de
2019.
Assim
como Neri, ele prevê que o impacto da falta de aulas durante a pandemia vá ser
significativo, capaz de reverter boa parte dos avanços na educação e na renda
dos mais pobres nos últimos 20 anos.
Segundo
seus cálculos, sem o auxílio emergencial no ano passado, os miseráveis teriam
chegado a quase 20% dos brasileiros (42 milhões).
Menezes
não acredita, porém, que a pobreza siga aumentando de forma significativa, a
não ser que a pandemia exija novamente períodos muito longos de forte
distanciamento social.
"A
partir de outubro, quando o valor do auxílio foi reduzido de R$ 600 para R$
300, as pessoas voltaram a procurar trabalho remunerado. Mas há risco de isso
ser interrompido caso o número de mortes mantenha-se elevado", diz.
Nos
três meses até novembro, que coincidiram com o relaxamento das medidas de
distanciamento, a população ocupada cresceu 4,7% e chegou a 85,6 milhões de
pessoas, um aumento de 3,9 milhões ante o trimestre anterior.
No
mercado formal, 2020 surpreendeu e fechou com saldo positivo de 142,7 mil
vagas. Daqui para a frente, porém, o principal mecanismo de defesa do emprego
com carteira assinada (estabilidade por algum tempo a quem teve salário e
jornada reduzidos) perderá a validade.
"O
mercado formal reagiu bem até o final do ano, muito em razão das regras mais
flexíveis da reforma trabalhista [de 2017], mas a tendência é desacelerar com a
piora da pan- demia", diz José Márcio Camar-go, economista da PUC-Rio.
Em
sua opinião, os próximos meses serão críticos, marcados por duas correntes
contrárias: de um lado, o vírus mais transmissível exigindo distanciamento; de
outro, a ampliação da vacinação.
"O certo é que o Brasil e o mundo sairão disso mais desiguais. Empresas e trabalhadores mais produtivos e com reservas sairão na frente. E, infelizmente, não se resolve um problema de desigualdade dessa magnitude apenas com políticas de transferência de renda."
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