A
necessidade moral e cívica de retirar tal figura do poder é inquestionável. E
muitos têm se pronunciado a respeito. Contudo, para retirar alguém do poder não
basta o sentimento de indignação de alguns, mesmo se eles são muitos. É
necessário preencher várias condições políticas. Queria que meus colegas
tivessem razão, mas desconfio que não.
Sem dúvida que há indícios de fragilidade do governo. As pesquisas de opinião da Exame/Ideia indicam que seu governo era apoiado, em dezembro, por 35% da população, subiu para 37% em meados de janeiro e agora (20/21 de janeiro) despencou para 26%. As pesquisas do DataFolha vão no mesmo sentido. Em dezembro, 32% achavam seu governo péssimo ou ruim, agora são 40%. Por sua vez, os que achavam que o governo era ótimo ou bom caiu de 37% para 31%.
Como fatores dessa mudança soma-se à retirada dos benefícios, ainda não plenamente sentida, o escândalo de Manaus e a péssima gestão da pandemia. Mesmo o início da vacinação deixou o governo em maus lençóis. Ele foi obrigado a começar com a vacina que o presidente disse que não compraria. Começou depois, e graças ao governador de São Paulo. Na quebra de braço entre João Dória e Bolsonaro aquele venceu por 7 a 1. Mas, essa foi uma batalha, a guerra ainda terá muitas.
Também
no âmbito das FFAA seu prestígio parece em declínio, assim como entre os
grandes empresários. Finalmente, seu grande apoio internacional, Trump, se foi.
Não apenas derrotado, mas repudiado por grande parte da opinião pública
americana e internacional, pelo incentivo e financiamento do assalto ao
Capitólio.
Todos
os indícios supracitados são reais e consistentes. Porém, há indícios
contrários. Não há possibilidade de impeachment a um presidente que tenha o
apoio de um quinto ou um quarto da população (dificilmente Bolsonaro contará
com menos de 20% de apoio na opinião pública). Aliás, um apoio dessa natureza a
um governo tão desastroso é um enigma. Por outro lado, 53% da população
brasileira, segundo o DataFolha de 23/01, são contra o impeachment do
Presidente. Menos da metade é a favor (42%).
Ademais,
o Presidente ainda tem alguns recursos importantes. Caso seja vitorioso (quase
certo) na Câmara dos Deputados, os pedidos de impeachment, que já somam mais de
60, permanecerão na gaveta do presidente da Câmara. Por enquanto, salvo
surpresas - na medida em que a votação é secreta - o seu candidato, deputado
Artur Lira, líder do PP, e parlamentar com vários processos nas costas, será
eleito. No Senado, sua aliança com o PT e o PSDB, aparentemente, já assegura a
vitória ao seu candidato. Assim, ganhará força no Congresso. Pelo menos por
enquanto. O que poderá lhe custar caro no futuro.
Congresso,
aliás, que contribuiu decisivamente para a melhoria da imagem de Bolsonaro
junto à população, mesmo os opositores, na medida em que elevou para 600 reais
o valor do benefício emergencial, criado em função da pandemia (1). Ora, o
candidato do Presidente no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG) defende a
permanência desses benefícios, pois a pandemia perdura. Caso esta proposta seja
vitoriosa, haverá milhões de beneficiados apoiando o Presidente. Claro que isso
irá repercutir negativamente na economia, criando obstáculos à sua recuperação,
com possibilidades de aumentar o desprestígio nascente no seio do empresariado
e provocar cisões no Ministério da Economia.
Outra
arma do presidente será a reforma ministerial, incluindo lideranças do Centrão
no governo. Fala-se que serão oferecidos aos velhos políticos seis ministérios.
Iniciativa que provavelmente consolidará sua base na Câmara dos Deputados. Com
isso, as chances de impeachment chegam perto de zero. Salvo, se sua aprovação
cair abaixo de 20%, levando os oportunistas do Centrão a retirarem seu apoio,
como comenta Luiz Carlos Azedo, no Correio
Braziliense (24/01/2021). Hipótese quase inviável. Alguns comentaristas
inclusive perguntam, para que impeachment? Para colocar o general Mourão no
poder, com risco, diz Lavareda, de ser reeleito presidente em 2022?
Pode-se
argumentar que estas iniciativas quebram as principais promessas de campanha: combater
a corrupção e renovar a política. Isso significará que sua base se vá? Não
necessariamente. Uma parte de sua base já se foi com a saída de Moro e a
péssima gestão da pandemia, além da aproximação com o Centrão. Mas, a parte
majoritária permanece fiel, assim como a força nas redes sociais, somadas ao
ganho de uma parte da mídia tradicional (Record, SBT).
Portanto,
os indícios de que o governo esteja em seus estertores não são nada
consistentes. Infelizmente. O bom disso tudo é que parte da sociedade civil
organizada ou esclarecida começa a se movimentar. Ora, ocupar as ruas, as redes
e os meios de comunicação é fundamental para desgastar o Presidente, e vencê-lo
eleitoralmente. Sabendo que, nesse caso, haverá confrontos, inclusive armado.
Por isso, desgastá-lo junto às mais diversas instituições, sobretudo junto às
FFAA, é essencial.
*Elimar Pinheiro do Nascimento,sociólogo político e socioambiental, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Programa de Pós-Graduação Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas
(1)O que não significa que se deveria ter recusado o benefício. Este é o dilema: trata-se de uma medida humanitária, indispensável, que beneficia aquele que ameaça a democracia. E no presente caso de prolongamento, destroça a economia nacional por de vez.
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