- O Globo
Muito
tem se falado ultimamente sobre a possibilidade (necessidade) de impeachment do
presidente Bolsonaro, ou, na pior das hipóteses, em sua derrota na disputa pela
reeleição no próximo ano. As pesquisas de opinião mostram que sua popularidade
é cadente, e as eleitorais indicam que ele, no momento, perderia para vários de
seus potenciais adversários: Ciro, Moro, Lula, Mandetta, Haddad. O Atlas
Político indica também que ele venceria Marina, Dória, Joaquim Barbosa e
Huck.
Interessante nessa pesquisa recente é que o espectro ideológico não faz
diferença, Bolsonaro perde e ganha para nomes, não para partidos. Mesmo o
temor, expressado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que venha a
ter vantagem caso o adversário do segundo turno seja um petista numa sensação
generalizada, e creio que até mesmo desejada por Bolsonaro, não se reflete na
pesquisa.
O receio é de que, se o adversário do segundo turno for um petista, se repetirá
a mesma solução que o eleitorado encontrou em 2018. Acho que em boa parte do
eleitorado isso pode acontecer, mas creio que muita gente que escolheu
Bolsonaro como “o menos ruim” tenha já informações suficientes para rejeitar
essa alternativa.
Não é, no entanto, descartável a hipótese de que Bolsonaro venha a se reeleger,
pois, apesar de tudo, conta ainda com cerca de 30% do eleitorado, com tendência
de queda. O governo detém maioria no Congresso, pelo apetite de seus
parlamentares, tem a admiração e identificação das patentes inferiores das
Forças Armadas e até polícias militares e bombeiros de todo o país, que podem
ser transformados em milícia armada do Estado. Amanhã, a menos que ocorra um
fato extraordinário que mude o curso das negociações, deverá eleger os
presidente da Câmara e do Senado.
Um amigo, preocupado com esse futuro possível (provável?), reuniu uma relação
de acontecimentos políticos tão improváveis quanto a eleição de Bolsonaro para
a presidência da República. São fatos conhecidos, mas que, reunidos, nos
revelam como distorções políticas podem se impor em momentos em que o caldo de
cultura com ingredientes como corrupção sem controle, valores nacionais
enfraquecidos, profunda desigualdade social, insegurança, violência, crise
econômica, pode criar um ambiente político para a aceitação de anormalidades. O
amigo não quis aparecer, pelo cargo que ocupa em Brasília.
Vamos aos fatos históricos: “Eva Duarte Peron era uma ignorada locutora de
radionovela quando conheceu o general Juan Domingo Peron. Em pouco tempo, já
era a “mãe dos pobres” e protetora dos desvalidos. O pacto que a cultura
argentina tem com as tragédias fez de sua morte uma bandeira mística para o
peronismo, de esquerda ou direita, que está no poder há 70 anos. O Papa Doc, no
Haiti, também começou como um humilde médico de província, até reinar sobre um
estado de terror e horrores. Portugal não deixou por menos, Antônio de Oliveira
Salazar fez carreira no fascismo começando como um professor de economia, em um
país dominado pela corrupção e ignorância. O exemplo maior é de um cabo (nem
capitão chegou a ser ) do exército alemão, que tal qual Bolsonaro o quer, criou
uma milícia uniformizada, superior a Wehrmarchat. Hitler é o exemplo perfeito
de um déspota venerado, que chegou ao poder pelo voto popular e criou um
fascínio na cultura alemã, que a fez cúmplice no holocausto”.
A naturalização dessas aberrações desidratam a democracia. Como aliás já está
acontecendo entre nós. Em qualquer país do mundo civilizado, um presidente que
fizesse um pronunciamento como aquele de Bolsonaro na churrascaria, seria imediatamente
processado. Ao contrário, vemos ministro de Estado, como o antichanceler
Ernesto Araújo, gritando “Mito, Mito, Mito”, numa falta de compostura que
também mereceria uma punição.
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