O que parecia impensável, passou a ser uma possibilidade,
diante do descalabro na saúde: uma aliança entre os partidos de esquerda e o
general Mourão contra Bolsonaro
A
moral da história não tem muito a ver com o longa-metragem que empresta o
título à coluna, por sinal, uma excelente dica para a tarde deste domingo, em
tempos de distanciamento social. Lançado em 1976, o filme de Sidney Lumet é uma
dura crítica aos meios de comunicação, principalmente a tevê, que arrebatou
quatro Oscar: Ator (Peter Finch, entregue de forma póstuma), Atriz (Faye
Dunaway), Atriz Coadjuvante (Beatrice Straight) e Roteiro (Paddy Chayefsky). A
trama de Rede de Intrigas é uma pequena obra-prima:
Na
política brasileira, a intriga da hora é o estresse entre o presidente Jair
Bolsonaro e seu vice, general Hamilton Mourão, provocado por inconfidências de
um assessor parlamentar, que acabou demitido. Desde o episódio das
“rachadinhas” (devolução de parte dos salários dos assessores para o parlamentar
que os nomeou) da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, no qual estão
envolvidos o senador Flávio Bolsonaro (PR-RJ), seu filho, e a primeira-dama
Michele, Bolsonaro está convencido de que o vice sonha com a cadeira de
presidente da República. Demitiu dois ministros, logo após o escândalo vir à
tona, por acreditar numa conspiração para apeá-lo do cargo: o
ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno, já falecido, e o
ex-secretário de Governo Carlos Alberto Santos Cruz, um general reformado —
respeitadíssimo na caserna, por sua atuação em missões da ONU no Haiti e no
Congo —, que hoje lhe faz uma oposição implacável.
A
escolha de Mourão como vice teve por objetivo evitar que a oposição derrotada
nas urnas em 2018 embarcasse na canoa do impeachment. A narrativa de que o
impeachment de Dilma Rousseff fora um golpe liderado pelo vice Michael Temer,
com apoio dos militares, dividia oposição. Mas não é que o impeachment passou a
ser o centro da tática tanto da esquerda como dos movimentos cívicos que foram
pra rua contra a “presidenta” petista. Bolsonaro trabalha para consolidar sua
blindagem no Congresso, com a eleição do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e do
deputado Arthur Lira (PP-AL) à Presidência do Senado e da Câmara,
respectivamente. É jogo jogado, mas isso não significa corpo fechado.
Mesmo
que Bolsonaro obtenha uma vitória consagradora na “guerra de posições” para se
manter no poder, isso não altera certas características de seu governo nem do
Congresso. A maioria formada para apoiá-lo, tanto na Câmara como no Senado, foi
obra silenciosa dos militares que controlam o governo, sobretudo do ministro
Luiz Ramos, secretário de Governo, e das velhas raposas políticas do Centrão,
entre as quais o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, e os
ex-deputados Valdemar Costa Neto (SP), do PL, e Roberto Jefferson (RJ)), do
PTB, e o ex-prefeito Gilberto Kassab (SP), do PSD, com maior ou menor
estridência.
São
políticos que já apoiaram e abandonaram todos os governos. Por sua vez, os
militares têm uma cultura de troca de guarda, ou seja, rodízio nos comandos,
que foi uma das características do regime militar. Bolsonaro tem razão ao ver
em Mourão uma ameaça. O vice é “imexível” e está preparado para assumir seu
lugar em caso de necessidade, com apoio do Centrão e dos militares, caso a
popularidade do presidente continue desabando e o impeachment realmente ganhe
as ruas, financiado por setores empresariais descontentes com os rumos da
economia. Além disso, num governo de características bonapartistas, patente é
documento.
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