A
normalização que acolhe e a que implica em graves riscos
Conta a lenda que um escafandrista, nos anos 70, vestido com seu pesado equipamento de mergulho, entrou no Antonio’s, bar mítico do Leblon, na esquina das ruas Bartolomeu Mitre e Ataulfo de Paiva, sentou a uma mesa, tirou o capacete e pediu uma cerveja.
Depois
de certo tempo, irritado com a indiferença dos frequentadores do lugar, o
jornalista João Saldanha subiu numa cadeira, bateu palmas para chamar atenção e
disse em voz alta para ser escutado por todo mundo:
–
Pessoal, tem um homem aqui, um escafandrista, com capacete e tudo, tomando
cerveja, e isso não é normal, não pode ser normal.
Ninguém
deu bola para a fala irritada de Saldanha. Nem mesmo o pacato escafandrista que,
depois de tomar três cervejas e servir-se de poucas iguarias, pediu a conta,
pagou, repôs o capacete de metal que escondia todo o seu rosto e foi embora se
arrastando.
Ah,
os cariocas e seu ar blasé! Em janeiro de 1964, o Rio foi sacudido com a
notícia de que Brigitte Bardot, uma das atrizes mais famosas do cinema, chegara
sem aviso à cidade. Depois do assédio inicial, ela refugiou-se em Búzios com o
namorado.
Ficou
por lá sem ser incomodada durante quase um ano. Vez por outra surgia o boato:
Brigitte voltou ao Rio. Os mais cariocas entre os cariocas já não se abalavam.
Alguns se limitavam a comentar com desdém: “Quem, aquela chata? De novo?”
Ninguém
parece mais estranhar quando o presidente Jair Bolsonaro diz palavrões em
público. Nem mesmo quando os palavrões são usados como ariete para atingir a
honra de pessoas ou de um conjunto delas. A ele tudo é permitido.
Os presidentes Lula e Dilma diziam palavrões, mas jamais em público. O país ficou chocado com a quantidade de palavrões que Bolsonaro disparou em abril último durante reunião ministerial que provocou a saída do governo do ex-juiz Sérgio Moro.
Depois
disso, não mais. Assim, ele sentiu-se autorizado para na semana passada, em
reação ao noticiário sobre gastos do governo com leite condensado, mandar os
jornalistas “à puta que os pariu”. Na quarta-feira, numa churrascaria de
Brasília, ele esbravejou:
“Vai
para puta que o pariu. Imprensa de merda essa daí. É para enfiar no rabo de
vocês aí, vocês não, vocês da imprensa essa lata de leite condensado”.
No
dia seguinte, em Propriá, cidade na divisa de Sergipe com Alagoas, Bolsonaro
voltou ao tema, sendo apenas mais sucinto:
“É
para enfiar no rabo de jornalista”.
Por
pudor, por estar acostumada a ser agredida ou sabe-se lá por que, de uma
maneira geral a imprensa preferiu não dar destaque a mais um despautério do
presidente da República. Praticamente ignorou-o. As redes sociais se
encarregaram da tarefa.
Nem
o ex-presidente Donald Trump, o precursor universal dos ataques desmedidos à
imprensa, ousou valer-se de linguagem tão agressiva e desrespeitosa com
profissionais que eram obrigados a cobrir suas atividades como chefe de Estado.
Só
quem ganha com a normalização do comportamento estúpido de Bolsonaro é ele. A
malta que o tem como ídolo, também ganha e faz questão de imitá-lo. Cresce no
país o número de casos de jornalistas hostilizados no desempenho de suas
funções.
Atenção, Justiça! O que falta para que se dê um basta definitivo a isso? Que um jornalista seja morto?
Nenhum comentário:
Postar um comentário