Os
novos presidentes da Câmara e do Senado precisam entender que serão
corresponsáveis pelo destino do país
Câmara
e Senado passam amanhã pela sessão tradicional que, a cada dois anos, elege os
presidentes das duas Casas. Os últimos dias consolidaram o favoritismo dos
candidatos do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o
senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O noticiário está repleto de relatos do
balcão de negócios em que se transformaram ambas as disputas, da troca de
cargos por votos, dos rachas partidários e traições inerentes ao clima de toma
lá dá cá. Para Bolsonaro, a eleição de Lira se tornou questão de sobrevivência,
pois ele o vê como garantia de blindagem contra pedidos de impeachment.
Tudo
isso é importante, é verdade. Mas é bem menos importante que o essencial: que
farão os novos líderes do Legislativo em prol do país? O Brasil vive uma
situação precária, dramática, atingido por uma pandemia inclemente que já fez
mais de 220 mil cadáveres e pôs em coma a atividade econômica. A postura
anticientífica de Bolsonaro, seus pendores ideológicos, a ignorância abissal e
o despreparo estratosférico dos que o cercam fizeram do Brasil o pior lugar do
mundo na gestão da pandemia, na avaliação do australiano Instituto Lowy.
Do
programa econômico liberal que deu propulsão à candidatura Bolsonaro ao
Planalto, pouco — se algo — foi feito até agora. A reforma da Previdência só
foi aprovada porque já estava encaminhada no governo Michel Temer. A
tributária, cuja discussão estava avançada, saiu do trilho tamanha a
insistência do Ministério da Economia em recriar uma versão da CPMF e tamanha a
dificuldade em aceitar os benefícios do fim da guerra fiscal.
A
administrativa só foi encaminhada após enorme pressão. O Executivo enviou ao
Parlamento uma proposta acanhada, de impacto reduzido por não atingir
funcionários da ativa nem a elite do funcionalismo, em particular juízes,
procuradores e, claro, militares e forças de segurança. O resultado de tudo
isso, em tempos de coronavírus, é o mergulho das contas públicas num vermelho
escuro: déficit primário de 10% do PIB e dívida acima de R$ 5 trilhões. Não há
como a economia brasileira, numa crise dramática, sustentar um Estado
perdulário, refém de grupos de interesse incrustados na máquina pública, ciosos
de preservar seus privilégios.
O que se exige, portanto, dos substitutos de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) à frente da Câmara e do Senado é nada menos que tudo o que não foi feito nas últimas décadas. É preciso um compromisso canino com a agenda de reformas, dar-lhes prioridade e urgência, de modo a transmitir à sociedade um sinal inequívoco de mudança. Só assim será possível revigorar o sistema produtivo e dar ao Estado condição de prestar melhores serviços à população.
Os
novos presidentes da Câmara e do Senado, que acompanharão Bolsonaro nos dois
últimos anos de mandato, precisam entender que serão corresponsáveis pelo
destino do Brasil. Ou contribuirão para o resgate da crise, ou então para provocar
um desastre ainda maior. Não custa lembrar que, diante do encolhimento da
economia, o desemprego passa de 14%, sem contar os 10 milhões cujos salários
foram reduzidos. O recrudescimento do contágio é esperado como resultado da
nova variante amazônica do vírus. A crise social tende a se agravar.
O
país não tem tempo nem paciência para mais delírios cloroquínicos ou bravatas
terraplanistas. Doentes estão morrendo por falta de oxigênio. Antes de tudo,
diante de um Executivo refém da inépcia crônica da dupla Bolsonaro &
Pazuello, será preciso garantir vacina para todos. Ao mesmo tempo, a degradação
do cenário social exige uma resposta imediata, capaz de atender à demanda dos
setores desassistidos por uma rede de proteção, sem lançar o país no precipício
fiscal.
Tudo
isso é perfeitamente possível, e o caminho não é complexo nem misterioso. É o
caminho das reformas. O agravamento da crise exige que, para abrir o espaço
fiscal necessário a qualquer ação, se apressem projetos que já tramitam no
Legislativo, caso da PEC Emergencial e da reforma administrativa. O Executivo
tem, ainda, de chegar a um acordo com o Congresso sobre a tributária. Não se
trata de relegar a plano inferior a questão política. Ao contrário. Ela é
essencial para garantir a maioria necessária à aprovação de todos esses
projetos.
Aprovadas
as reformas, elas farão com que caia o custo do Estado que sobrecarrega
empresas privadas e cidadãos. Tirarão o país da areia movediça, abrindo espaço
orçamentário para que o governo execute políticas públicas de forma não
inflacionária, hoje algo impossível devido ao buraco negro aberto pelo
corporativismo e pelo populismo, às benesses e privilégios incrustados na
Constituição. Está aí o mais eficiente gerador de desigualdades sociais no
Brasil. Muito parlamentar só enxerga sua base eleitoral. É o caso do próprio
Bolsonaro, que interveio na reforma da Previdência para defender militares e
servidores.
A
resistência de Bolsonaro à modernização do Estado, vital para a economia não
completar outra década perdida, está expressa na demora do governo para
formular propostas de reforma e na tramitação lenta dos projetos no Congresso,
antes mesmo da paralisia pandêmica. Os novos presidentes da Câmara e Senado
terão de ser mais ágeis. Terão de se guiar pela bússola assentada sobre a
Constituição republicana e democrática. O novo comando do Parlamento precisará
deixar de lado o corporativismo endêmico e idiossincrático da política
brasiliense, para ter claro que não vivemos um momento histórico trivial.
O bê-á-bá do chavismo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Jair
Bolsonaro já fez rasgados elogios ao ditador Hugo Chávez e do defunto caudilho
venezuelano pegou vários cacoetes.
Os fanáticos camisas pardas bolsonaristas costumam dizer que “Bolsonaro sempre tem razão”, não por acaso uma das divisas do fascismo italiano. Mas a inspiração do movimento extremista liderado pelo presidente Jair Bolsonaro está bem mais próxima no tempo e no espaço: é o chavismo.
Os
bolsonaristas podem não querer se lembrar, mas Bolsonaro já fez rasgados elogios
ao ditador venezuelano Hugo Chávez, a quem hoje trata como demônio. Em
entrevista ao Estado,
em 1999, Bolsonaro disse que Chávez era uma “esperança para a América Latina” e
que “gostaria muito que sua filosofia chegasse ao Brasil”.
Do
defunto caudilho venezuelano, de fato, Bolsonaro pegou vários cacoetes: o
profundo ódio pela imprensa livre, o desprezo pela democracia representativa, a
militarização do governo, o apreço pelas teorias da conspiração e a mendacidade
sistemática como política de Estado.
A
afinidade é tanta que, enquanto Bolsonaro receita a inócua cloroquina como
elixir mágico contra a covid-19, o atual tirano chavista, Nicolás Maduro,
anunciou a fabricação de um certo “carvativir”, suposto antiviral que, em suas
palavras, são “gotinhas milagrosas” que “neutralizam 100% o coronavírus”.
Nada
disso, é claro, faz do Brasil sob Bolsonaro automaticamente um congênere da
Venezuela chavista, mas há sinais evidentes de que o presidente está estudando
com afinco a cartilha de Chávez – em especial os capítulos referentes ao modo
como o chavismo tomou o Estado de assalto e subjugou o Legislativo e o
Judiciário.
“Vamos,
se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara”, informou
Bolsonaro, sem meias-palavras, na quarta-feira, dia 27, em referência à
sucessão no comando da Câmara dos Deputados. Para o presidente, isso é
necessário “para que possamos ter um relacionamento pacífico e produtivo para o
nosso Brasil”.
Por
“relacionamento pacífico e produtivo” o presidente certamente entende como subserviente
e caudatário. Praticamente desde a posse de Bolsonaro, o Congresso tem sido uma
barreira razoavelmente sólida para as pretensões autoritárias do presidente,
graças ao perfil democrático e reformista de sua atual liderança.
Mas
a eleição para a presidência da Câmara, na próxima segunda-feira, pode alterar
drasticamente esse quadro em caso de vitória do deputado Arthur Lira
(Progressistas-AL), explicitamente apoiado por Bolsonaro. Fina flor do Centrão,
com robusta ficha corrida e igualmente expressiva desenvoltura para angariar
apoio em troca de favores, verbas e cargos, o parlamentar, se eleito, será a
cabeça de ponte de Bolsonaro para conquistar o Congresso.
Se
a cidadela da Câmara cair, o bolsonarismo terá removido um obstáculo crucial
para avançar na tomada institucional do Estado, tal como fez o chavismo. Outros
já ficaram pelo caminho: a Procuradoria-Geral da República é comandada por um
fiel servidor de Bolsonaro e o bolsonarismo se espraia entre policiais e
militares. É só o começo.
Profundo
conhecedor do baixo estrato do Congresso, pois fez parte dele por três décadas,
Bolsonaro sabe como ninguém o que faz brilhar os olhos de parlamentares que
mercadejam o voto. Graças a essa habilidade e ao poder da caneta que preenche
cargos e libera verbas, Bolsonaro conseguiu cooptar deputados de partidos que
não estão em sua base, como DEM e PSDB.
Consta
que alguns correligionários do próprio presidente do DEM, ACM Neto, decidiram
votar no bolsonarista Arthur Lira porque este lhes prometeu manter apadrinhados
em cargos na máquina federal. O fato de uma vitória de Arthur Lira representar
enorme risco para a independência da Câmara, com consequências funestas para o
País, não lhes pareceu relevante.
Cada
um tem o lugar na História que merece: Bolsonaro já assegurou o dele, como o
mais nocivo presidente do Brasil; já os parlamentares que elegerão o presidente
da Câmara ainda podem escolher como querem ser lembrados, se como políticos
responsáveis que honram o mandato que receberam ou como aqueles que, em troca de
uma boquinha, entregaram o Congresso de bandeja ao Chávez de Eldorado.
A
folha de serviços do intendente – Opinião | O Estado de S. Paulo
Eduardo
Pazuello se presta ao papel de títere de um presidente negacionista.
Ecoarão
pela história desses tempos dramáticos no Brasil duas declarações de Pazuello,
dadas em outubro do ano passado, que dizem muito sobre quem ele é e a que veio.
“Eu
nem sabia o que era SUS (antes de
assumir o Ministério da Saúde)”, disse o ministro durante o
lançamento da campanha Outubro Rosa. Dias depois, ao ser desautorizado
publicamente por Bolsonaro após anunciar tratativas com o governo de São Paulo
para incorporar 46 milhões de doses da Coronavac ao Programa Nacional de
Imunizações (PNI), Pazuello assimilou a humilhação – “Um manda, o outro
obedece, é simples assim” – em vez de apresentar imediatamente a sua carta de
demissão, como faria um ministro imbuído de espírito público e amor-próprio.
Um
ministro com esse perfil se mostra disposto a tudo, mesmo que os resultados de
sua atuação sejam desastrosos para a população.
A
inabalável submissão de Pazuello aos delírios persecutórios e aos cálculos
políticos de Bolsonaro ensejou a abertura de inquérito policial contra o
ministro para apurar sua possível omissão no colapso do sistema de saúde de
Manaus, que levou dezenas de pacientes de covid-19 à morte por asfixia em
decorrência da falta de cilindros de oxigênio nos hospitais da cidade.
No
âmbito administrativo, a situação do intendente não é menos desconfortável.
Desde o início da pandemia, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem elaborado
relatórios de acompanhamento da gestão da crise sanitária pelo governo federal
e é nítida a debacle do Ministério da Saúde a partir da posse de Eduardo
Pazuello.
Na
sessão do TCU de quarta-feira passada, na qual o colegiado analisou mais um dos
relatórios produzidos pelo ministro Benjamin Zymler, o vice-presidente da Corte
de Contas, ministro Bruno Dantas, fez um dos mais enfáticos discursos contra o
descalabro em que se tornou a gestão da crise pelo governo federal.
“O
Ministério da Saúde já gastou R$ 250 milhões para distribuir o chamado ‘kit
covid’ por meio do programa Farmácia Popular. Este valor seria suficiente para
comprar cerca de 13 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca”, disse o
ministro Dantas.
O
tal “kit covid” é formado por medicamentos que não têm eficácia cientificamente
comprovada contra a covid-19, como a cloroquina. O que o ministro Dantas não
disse, mas é possível inferir, é que o ministro da Saúde jogou milhões de reais
no lixo ao concentrar suas ações na produção e distribuição do tal kit. E não
fez isso, por óbvio, desobedecendo a Bolsonaro, o mais ardoroso defensor dessa
mandinga.
O
ministro Dantas afirmou, com razão, que o Ministério da Saúde foi tomado por
negacionistas da gravidade da emergência que se abateu sobre o País e está
completamente alheio às reais necessidades da população. “A sociedade
brasileira clama por vacinas já. Se existem ‘terraplanistas’ no Ministério da
Saúde (que propõem tratamentos
ineficazes), essa gente precisa ceder espaço para a ciência. Não é
possível que um tratamento como esse seja dado a famílias que estão perdendo
seus entes queridos”, concluiu o ministro.
Em
que pese a presença de valorosos servidores de carreira, que só Deus sabe a que
tipo de pressões estão resistindo, Bolsonaro reduziu o Ministério da Saúde a um
valhacouto de “terraplanistas” sob a chefia do intendente. Isto tem custado bem
mais do que recursos públicos. Tem custado vidas.
Comunicar a verdade – Opinião | O Estado de S. Paulo
É
necessário sair da presunção cômoda do ‘já sabido’, diz o papa Francisco.
Na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, o papa Francisco apresentou algumas reflexões sobre a “comunicação humana e autêntica”, que podem ser úteis para os dias de hoje. Ante a abundância de desinformação, preconceitos e simplismos, observa-se uma grande demanda por informação confiável, baseada em uma apuração isenta dos fatos.
De
alguma forma, pode-se dizer que os tempos atuais redescobriram a importância da
verdade – desse conhecimento que, indo além do que seria mera versão de um
acontecimento, expressa o mais possível a realidade tal como ela é, com suas
complexidades, matizes e contradições. Nessa empreitada pela verdade, não há
atalhos ou fórmulas prontas. “Para poder contar a verdade da vida que se faz
história, é necessário sair da presunção cômoda do ‘já sabido’ e mover-se, ir
ver, estar com as pessoas, ouvi-las, recolher as sugestões da realidade, que
nunca deixará de nos surpreender em algum dos seus aspectos”, diz o papa
Francisco.
A
mensagem papal frisa a relevância, para uma informação confiável, do
conhecimento pessoal. “Na comunicação, nada pode jamais substituir, de todo, o
ver pessoalmente. Algumas coisas só se podem aprender experimentando-as”, diz
Francisco, alertando que isso se aplica a todas as dimensões comunicativas da
vida humana.
O
papa Francisco diz que esse “ir e ver” os acontecimentos de perto é a sua
“sugestão para toda a expressão comunicativa que queira ser transparente e
honesta: tanto na redação de um jornal como no mundo da web, tanto na pregação
comum da igreja como na comunicação política ou social”. Essa sugestão do papa,
na verdade, uma recomendação, é atualíssima perante tantas falsas notícias,
produzidas entre quatro paredes com o objetivo de confundir e enganar.
Nessa
busca por conhecer a verdade, o papa Francisco menciona o papel do jornalismo e
dos profissionais da comunicação. “Temos de agradecer a coragem e determinação
de tantos profissionais, se hoje conhecemos, por exemplo, a difícil condição
das minorias perseguidas em várias partes do mundo, se muitos abusos e
injustiças contra os pobres e contra a criação foram denunciados, se muitas
guerras esquecidas foram noticiadas”, diz o papa.
“Seria
uma perda não só para a informação, mas também para toda a sociedade e para a
democracia, se faltassem estas vozes (dos
profissionais da comunicação): um empobrecimento para a nossa
humanidade”, diz Francisco. É interessante que, nos dias de hoje, ao mesmo
tempo que se verifica uma demanda por verdade e informação confiável, seja
necessário lembrar a importância do jornalismo.
Em
alguns ambientes, tornou-se corriqueiro desautorizar a atividade da imprensa,
como se ela dificultasse o acesso à verdade. O papa Francisco afirma o exato
oposto. Sem o jornalismo, seria impossível conhecer muitas realidades que
alguns desejam esconder.
Ao
falar das novas tecnologias, Francisco lembra que as muitas oportunidades de
interação geram também responsabilidade. Em concreto, menciona o cuidado que se
deve ter ao compartilhar notícias e informações. “Todos somos responsáveis pela
comunicação que fazemos, pelas informações que damos, pelo controle que podemos
conjuntamente exercer sobre as notícias falsas, desmascarando-as. Todos estamos
chamados a ser testemunhas da verdade: a ir, ver e partilhar”, diz o papa.
No
fim da mensagem, Francisco cita umas palavras do personagem Bassânio, da
peça O Mercador de Veneza,
de William Shakespeare: “Graciano fala sempre uma infinidade de nadas, como
ninguém em Veneza. Suas ideias razoáveis são como dois grãos de trigo perdidos
em dois alqueires de palha: gastais um dia inteiro para encontrá-los; mas, uma
vez achados, não compensam o trabalho”. Diz Francisco: “Pensemos na quantidade de
eloquência vazia que abunda no nosso tempo, em todas as esferas da vida
pública”.
Ante
a abundância de mensagens e informações, é indispensável diferenciar o que é
relevante e o que é confiável. Com o rigor e a independência do seu trabalho, o
jornalismo tem muito a contribuir nessa tarefa.
Vacine ou empobreça – Opinião | Folha de S. Paulo
Imunização
deveria equivaler a guerra que mobiliza os recursos pelo bem comum
O
primeiro mês de 2021 turvou as expectativas de uma superação relativamente
rápida da crise provocada pela pandemia de coronavírus. Quem não desenvolveu
governança para minimizar a circulação do patógeno nem se preparou para vacinar
rapidamente grande parcela da população arrisca-se a padecer ainda por longos
meses.
É
o caso do Brasil. Não surpreende que a nação governada por um presidente
incapaz e negacionista tenha sido classificada em último lugar no combate à
emergência sanitária, entre 98 países avaliados pelo instituto Lowy, da
Austrália.
Investigar
o que deu errado é necessário não só para a tarefa, incontornável no Estado
democrático de Direito, de responsabilizar os culpados pelo desastre.
Compreender o fracasso integra o aprendizado requerido para ajustar as condutas
e recuperar parte do prejuízo.
Entre
as inverdades propagadas desde o início pelo presidente Jair Bolsonaro e seu
séquito figura com destaque a falsa dicotomia entre o imperativo de prevenir o
adoecimento e a morte de brasileiros, de um lado, e o de preservar a atividade
econômica, do outro.
Dado
que seres humanos são protagonistas da produção e do consumo e, ao mesmo tempo,
vítimas de uma infecção para a qual estão naturalmente desprotegidos, desde o
início está patente que superar a epidemia o mais depressa e com o menor número
de doentes possível é a única maneira de reduzir as perdas econômicas com a
crise.
Com
a chegada das vacinas, a verdadeira dicotomia ficou ainda mais simples: vacine
logo ou exponha sua população a mais sofrimento. Vacine ou empobreça.
A
quantidade de imunizantes concretamente à mão das autoridades, contudo, ainda
nem sequer cobre 3% da população brasileira. Chegar a meados do ano com pelo
menos 50 milhões de vacinados, abrangendo os grupos mais suscetíveis à
hospitalização, vai requerer uma mobilização nacional similar à empreendida
numa guerra.
Não
se trata apenas de gastar dinheiro. O governo federal produziu um déficit de R$
743 bilhões em 2020 e não conseguiu disponibilizar vacinas suficientes, o que
custaria uma pequena fração disso.
Trata-se
de coordenar os atores, agilizar os trâmites, negociar incansavelmente com
fornecedores internos e globais, recrutar o que há de melhor na competência
técnica brasileira para cada tarefa. É preciso afastar os ineptos, os amadores,
os preguiçosos, os arautos da desinformação e os sabotadores.
O brasileiro tem pressa de se vacinar para que possa retomar a confiança, sem a qual nenhum povo prospera. Conformar-se com o fracasso não é uma opção, nem quando ele é a decorrência lógica das atitudes do presidente da República.
Projeto
perigoso – Opinião | Folha de S. Paulo
Texto
que dá autonomia à PM mistura interesses da corporação e de Bolsonaro
Sob
a regulação de um decreto de 1969, as Polícias Militares e os Corpos de
Bombeiros carecem há décadas de uma nova legislação que substitua regras
cinquentenárias adotadas na ditadura. Cumpre tornar essas forças de segurança
mais democráticas, eficientes e transparentes, em conformidade com a
Constituição de 1988.
Tal
objetivo é colocado em risco, porém, em projeto ora em debate no Congresso
Nacional —com atenção do Planalto. O texto, que merece maior escrutínio da
sociedade, altera a lei orgânica da PM.
O
fato de competir privativamente à União legislar sobre a organização das
polícias atende aos interesses do presidente Jair Bolsonaro, que tem a
oportunidade de negociar demandas de sua base de apoio entre agentes de
segurança.
A
proposta em tela foi elaborada com a ajuda de entidades de classe de oficiais
militares, o que se traduz em seu viés corporativista. Uma das providência mais
vistosas é a criação de um novo patamar hierárquico, de general, mirando a
estrutura das Forças Armadas.
As
mudanças implicam redução do poder dos governadores, que escolhem os
comandantes-gerais das corporações —estes passariam a ter mandato fixo.
Ademais,
ao criar um certo Conselho Nacional de Comandantes Gerais da Polícia Militar,
com assento nos ministérios da Defesa e da Justiça, a proposta desloca o
“locus” de poder das polícias do âmbito estadual para o federal.
Trata-se
de uma reformulação do modelo federativo brasileiro que tornaria as Polícias
Militares, hoje estaduais, em entes autônomos como os Ministérios Públicos.
Observe-se,
a esse respeito, que se trata de forças com a prerrogativa do uso de armas —e
que está instalado no Planalto um presidente disposto a incitar abusos.
Recorde-se, por exemplo, a mal disfarçada simpatia de Bolsonaro pelo
estapafúrdio motim de PMs do Ceará no ano passado.
As
Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros são, nos termos da Constituição
vigente, “forças auxiliares e reserva do Exército [que] subordinam-se,
juntamente com as Polícias Civis e as polícias penais estaduais e distrital,
aos governadores” (artigo 144, § 6º).
Dar autonomia às corporações e expandir o número de níveis hierárquicos vão no sentido contrário a essa norma, sem explicação alguma que não a autoproteção das próprias polícias. No cenário atual, é casuísmo dos mais perigosos.
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