domingo, 31 de janeiro de 2021

Bruno Boghossian – O custo do estelionato

- Folha de S. Paulo

Presidente abre loteamento de cargos porque sabe que eleitores são mais leais do que o centrão

Duas versões de Jair Bolsonaro circulam em Brasília. Num dia, o presidente diz a apoiadores na portaria do Palácio da Alvorada que não pretende trocar ministros para acomodar aliados políticos. Depois, a portas fechadas, negocia com os caciques do centrão indicações para o primeiro escalão do governo.

A aliança de Bolsonaro com esses partidos é um caso típico de estelionato eleitoral. Durante a campanha e por mais de um ano de mandato, o presidente sustentou a promessa de que não faria um loteamento político do governo. Aos poucos, ele cedeu espaço aos parlamentares, sem se preocupar com os custos da violação desse princípio.

O cálculo do Planalto é simples. A entrada do centrão em postos-chave frustra eleitores do presidente, mas o governo vê benefícios políticos que superam os riscos da operação. Bolsonaro topa pagar o preço de desmontar um item central de sua plataforma porque sabe que os apoiadores são mais leais do que os políticos que mantêm o governo de pé.

O presidente já provocou ranger de dentes entre seguidores um punhado de vezes. Bolsonaro irritou sua base com a demissão de Sergio Moro, a nomeação de Kassio Nunes Marques para o Supremo e a aliança para eleger Arthur Lira (PP) na Câmara, mas conseguiu o perdão dos eleitores mais fiéis. Os partidos do centrão não seriam tão generosos.

Essas siglas oferecem apoio para blindar o presidente no Congresso e conter o desgaste político que poderia abreviar seu governo, mas esperam que os compromissos da negociação sejam honrados pelo Planalto. Nessa mesa, a velha retórica de campanha de Bolsonaro não tem valor, em nenhum dos dois lados.

O estelionato é mais um reflexo da inadequação do presidente para o cargo. Bolsonaro acreditou que poderia governar em conflito com o Congresso para abrilhantar seu figurino antissistema. As investigações que cercam seu grupo político o obrigam a decidir se prefere trair os eleitores ou a nova tropa de choque. A escolha parece estar feita.

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