Presidente
abre loteamento de cargos porque sabe que eleitores são mais leais do que o
centrão
Duas
versões de Jair Bolsonaro circulam em Brasília. Num dia, o presidente diz a
apoiadores na portaria do Palácio da Alvorada que não
pretende trocar ministros para acomodar aliados políticos. Depois, a portas
fechadas, negocia com os caciques do centrão indicações para o primeiro escalão
do governo.
A
aliança de Bolsonaro com esses partidos é um caso típico de estelionato
eleitoral. Durante a campanha e por mais de um ano de mandato, o presidente sustentou
a promessa de que não faria um loteamento político do governo. Aos poucos, ele
cedeu espaço aos parlamentares, sem se preocupar com os custos da violação
desse princípio.
O cálculo do Planalto é simples. A entrada do centrão em postos-chave frustra eleitores do presidente, mas o governo vê benefícios políticos que superam os riscos da operação. Bolsonaro topa pagar o preço de desmontar um item central de sua plataforma porque sabe que os apoiadores são mais leais do que os políticos que mantêm o governo de pé.
O
presidente já provocou ranger de dentes entre seguidores um punhado de vezes.
Bolsonaro irritou sua base com a demissão de Sergio Moro, a nomeação de Kassio
Nunes Marques para o Supremo e a aliança para eleger Arthur Lira (PP) na
Câmara, mas conseguiu o perdão dos eleitores mais fiéis. Os partidos do centrão
não seriam tão generosos.
Essas
siglas oferecem apoio para blindar o presidente no Congresso e conter o
desgaste político que poderia abreviar seu governo, mas esperam que os
compromissos da negociação sejam honrados pelo Planalto. Nessa mesa, a
velha retórica de campanha de Bolsonaro não tem valor, em nenhum dos
dois lados.
O
estelionato é mais um reflexo da inadequação do presidente para o cargo.
Bolsonaro acreditou que poderia governar em conflito com o Congresso para
abrilhantar seu figurino antissistema. As investigações que cercam seu grupo
político o obrigam a decidir se prefere trair os eleitores ou a nova tropa de
choque. A escolha parece estar feita.
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