Na
disputa por uma cadeira no Supremo, vale tudo para agradar Jair Bolsonaro. Até
ignorar a ciência e defender a reabertura de templos no pior momento da pandemia.
Na
noite de quarta-feira, o procurador-geral da República pediu a derrubada do
decreto paulista que suspendeu temporariamente os cultos presenciais. A medida
fez parte de um pacote emergencial para tentar frear o avanço da Covid.
Sem
argumentos racionais à mão, Augusto Aras apelou a um misto de negacionismo com
misticismo. Ele disse estar preocupado com a “saúde mental e espiritual da
população brasileira, que precisa de assistência religiosa para o enfrentamento
de momento tão grave da epidemia”.
Na manhã de quinta, o advogado-geral da União correu para endossar o pedido. “Como é de sabença geral, a fé cristã está embasada na pessoa de Jesus Cristo”, escreveu André Mendonça. Ele dissertou sobre as origens da Páscoa e informou que a data é comemorada desde o Concílio de Niceia, no ano 325.
“Ao
longo desses anos, não se tem notícia de uma vedação tão forte à celebração da
Páscoa em templos e igrejas”, afirmou o dublê de jurista e pastor evangélico.
Faltou dizer que estamos em 2021, quando os fiéis podem participar de cultos
pela TV e pela internet. O papa Francisco deu o exemplo ao conduzir a cerimônia
da Via-Sacra sem público pelo segundo ano seguido.
O
lobby para reabrir os templos no Brasil tem motivações menos espirituais do que
terrenas. Desde o início da pandemia, religiosos que apoiam o governo têm
reclamado da queda na receita. Sem cultos presenciais, a arrecadação do dízimo
despencou. Isso explica a pregação em nome de Deus contra medidas sanitárias
que salvam vidas.
A
genuflexão diante dos pastores bolsonaristas é só o novo capítulo da disputa
pela vaga do ministro Marco Aurélio Mello. Nos últimos meses, Aras e Mendonça
têm travado um duelo para mostrar quem é mais fiel ao capitão. Os dois já
haviam cobiçado a cadeira de Celso de Mello, mas foram preteridos pelo azarão
Kassio Nunes Marques, que ontem liberou a reabertura das igrejas.
Aras
age pela omissão. Desde que assumiu o cargo, faz vista grossa às ilegalidades
praticadas por quem o nomeou. O procurador é mais do que um novo
engavetador-geral da República. Na pandemia, tem atuado como um acobertador de
crimes presidenciais.
Em
janeiro, ex-integrantes da cúpula da PGR pediram que ele denunciasse Bolsonaro
por favorecer a disseminação de epidemia, crime tipificado no Código Penal. O
ofício listava dez condutas ilegais, da recusa a comprar vacinas à propaganda
de remédios sem eficácia. Aras arquivou a representação sem enviá-la ao
Supremo.
Mendonça
se notabilizou por usar o Ministério da Justiça para perseguir críticos do
presidente. Mandou a Polícia Federal abrir inquéritos contra professores,
jornalistas e chargistas com base na Lei de Segurança Nacional.
No mês passado, ele mobilizou o aparelho do Estado para investigar e constranger um sociólogo que comparou Bolsonaro a um “pequi roído”. O caso foi arquivado, mas o ministro marcou mais um ponto com o chefe. De volta à chefia da AGU, ele terminou a semana como favorito na corrida pela toga.
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