Um
dos projetos de Bolsonaro já anunciava o que seria seu governo
"The
Child is Father of the Man" (a criança é pai do homem). O célebre verso de
Wordsworth é em geral usado como glosa a situações em que o traço de
personalidade ou comportamento observado num estágio antecipa uma
característica muito saliente exibida numa fase posterior.
Não
sei bem como foi a infância e a adolescência de Jair Bolsonaro, mas temos farta
documentação de suas ações como deputado federal, cargo que exerceu por quase
28 anos antes de ser eleito presidente. E o que fez Bolsonaro nesse período?
Embora tenha proposto mais de 170 peças legislativas, conseguiu a aprovação de apenas dois projetos de lei e de uma emenda constitucional —uma produtividade assustadoramente baixa e que já explica algo da ineficiência de sua administração.
O
que me interessa, porém, não são tanto os números brutos, mas o conteúdo de um
de seus projetos de lei, que já antecipava o
que seria o governo Bolsonaro em algumas de suas piores dimensões. Falo da
norma que autorizou o uso generalizado da fosfoetanolamina, mais conhecida como
pílula do câncer.
Aqui,
Bolsonaro, com a ajuda de seus então pares na Câmara, passou por cima das
instituições, mais especificamente da Anvisa, para promover um medicamento que
não funciona, mas atende ao gosto popular por tratamentos mágicos.
A
então presidente Dilma Rousseff, já acuada pelo impeachment, sancionou a norma,
contrariando todos os pareceres técnicos. O diploma só foi revogado porque o
STF depois o declarou inconstitucional.
Desprezo pelas instituições e pela ciência, populismo e pensamento mágico reunidos num só projeto de lei —um dos poucos que Bolsonaro conseguiu emplacar. Aquilo que já estava presente em germe na peça legislativa volta a se materializar agora no governo do ex-deputado, mas no meio de uma pandemia que faz com que já contabilizemos mais de 300 mil cadáveres. A criança é pai do homem.
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