Valor Econômico
Bravata pode causar inflexão no apoio rural
a Bolsonaro
O cantor e ex-deputado Sérgio Reis já disse
que se tratava de uma brincadeira, outros dizem que ele estava bêbado.
Portanto, não é possível comprar pelo valor de face o esdrúxulo áudio que ele
produziu na semana passada, anunciando uma sedição programada para o mês que
vem, que culminaria em “invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra”, em
referência ao Congresso e ao Supremo. Mas há conclusões sobre o episódio que
são perturbadoras.
O bolsonarismo puro-sangue sabidamente se
apoia em um tripé: militares e forças auxiliares, evangélicos e o meio rural. A
capacidade disruptiva dos dois primeiros pilares anda sendo estudada
exaustivamente, mas não se vinha dando tanta atenção ao potencial do terceiro
pilar em causar barulho. E partiu de um representante deste segmento, ainda que
seja uma figura menor, como a de Sérgio Reis, o roteiro canhestro para um golpe
com data marcada e tudo. Para quem quiser ouvir, o áudio é encontrado com facilidade
no YouTube.
O segundo ponto é que Reis narra uma teia. Ele menciona um encontro com 40 plantadores de soja, “os grandes, que carregam os navios”. Cita um almoço com o presidente Bolsonaro, em que estava presente o ministro da Defesa. Diz que nessas ocasiões foi comentada uma manifestação prevista para acontecer no 7 de setembro, em que haverá um acampamento nos arredores de Brasília. Tudo isso parece bem real.
Reis de fato encontrou-se em Brasília com o
presidente da Aprosoja, Antonio Galvan, para falar sobre esta manifestação. Ele
realmente é amigo de Bolsonaro. O que se segue no fim do áudio foi mitigado
pelo próprio cantor, mas não propriamente desmentido: a entrega de um ultimato
ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para colocar em votação a
PEC do voto impresso e o impeachment de ministros do Supremo.
“Articulado isso não foi. Mas sozinho ele
não estava”, opinou um observador distante da cena política do agronegócio, o
ex-deputado Xico Graziano. Ex-eleitor de Bolsonaro, Graziano espera que o apoio
do meio rural ao presidente diminua, acredita que algo vai mudar, mas reconhece
que por ora ele é predominante, independentemente dos percalços do governo.
Bolsonaro conseguiu no campo um de seus
poucos êxitos de construção política. Ele agregou em torno de seu governo
setores com visões opostas do que deve ser o meio rural brasileiro. Trazer para
dentro do governo disputas entre grupos de pressão diferentes foi algo comum
nos tempos de Fernando Henrique e Lula, mas no caso de Bolsonaro é uma exceção.
Está no governo a franja mais moderna do
agronegócio, muito próxima da indústria e conectada com os mercados
internacionais. Este núcleo é representado pela ministra da Agricultura, Tereza
Cristina; e vive às turras com a outra vertente do agronegócio, mais
conservadora.
O grupo ultramontano sofreu um revés com a
demissão de Ricardo Salles do Meio Ambiente, mas ainda está no governo o
poderoso secretário de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia.
Ainda que a área ambiental seja um ponto de
fricção no meio rural, o agronegócio que não apoia Bolsonaro por enquanto não
botou a cabeça para fora. Um grande manifesto assinado por expoentes da
sociedade civil e da comunidade empresarial circulou no começo do mês, mas lá
não estava representado o campo.
Muito da adesão a Bolsonaro vem do medo e
da mágoa. Há mais rejeição ao ex-presidente Lula do que entusiasmo com o atual
presidente. Veterano articulador político no campo, o ex-presidente da
Sociedade Rural Brasileira Pedro de Camargo Neto, que é totalmente distante do
bolsonarismo, vê na era petista a semeadura desta onda reacionária que empolgou
o campo. “Houve muitas concessões do campo na área ambiental que não tiveram
contrapartidas políticas”, disse.
O apoio irrestrito do petismo aos
movimentos pela reforma agrária seguem provocando angústia. A imagem de Lula
com boné do MST, colhendo hortaliças no assentamento Che Guevara, nesta semana,
reativou em determinados o sentimento no campo de que uma onda de invasões de
propriedades colocaria de novo em funcionamento a engrenagem das
desapropriações.
O radicalismo desvairado, entretanto, pode
representar um ponto de inflexão neste apoio ao bolsonarismo, na opinião de
Camargo Neto. Um pequeno sinal apareceu nesta terça-feira. Enfim, duas
entidades patronais do campo saíram em defesa da democracia.
Em nota à imprensa, os presidentes da
Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa) e da Associação
Mato-grossense de Produtores de Algodão (Ampa), Júlio César Buzato e Paulo
Sérgio Aguiar, afirmaram que “apoiam integralmente o estado democrático de
direito e as instituições que garantem a segurança jurídica em nossa
democracia”. Disseram ainda que são “contrários a todo e qualquer ataque que
tente enfraquecer nossa Constituição Federal ou os Poderes que a defendem”. Há
limites, portanto.
Reações como essas indicam que “marchas
sobre Brasília”, um cenário de rodovias bloqueadas por todo o país ou avenidas
tomadas por tratores não são muito factíveis. Falta ao campo brasileiro uma
liderança efetiva para uma afirmação política deste tamanho, sobretudo quando o
que está em jogo não guarda relação direta com demandas do setor. Há diferença
entre ser aliado e ser correia de transmissão, ainda que haja uma irrefreável
vocação entre alguns interlocutores de Sérgio Reis para bucha de canhão.
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O Supremo obteve uma vitória política com a
rejeição pela Câmara dos Deputados da impressão do voto. Do ponto de vista de
imagem, contudo, o estrago provocado pelas agressões do presidente Jair
Bolsonaro está feito e o conserto é difícil. “É preocupante o juízo de valor
que a população vem formando a respeito do Judiciário”, comentou o advogado
paulista Sérgio Rosenthal, dono de uma banca forte na defesa de acusados de
crime na área financeira e empresarial.
De tanto martelar, Bolsonaro esculpe uma
imagem de Judiciário partidarizado. E a força moral do Judiciário está
justamente na imparcialidade. É isso que o legitima como o poder moderador, na
prática.
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