Valor Econômico
‘Saúde está para o Brasil o que foi o
petróleo nos anos 50’
Há uma importante discussão no mundo pós-
pandemia, que se refere a políticas públicas para o desenvolvimento da produção
e inovação do complexo da saúde. No Brasil, infelizmente, o Estado está ausente
do debate, envolvido em um emaranhado de problemas de curto prazo. Mas é certo
que esta será uma pauta para o próximo governo, seja ele quem for.
“A saúde está para o Brasil o que foi o
petróleo nos anos 1950”, diz Carlos Gadelha, coordenador do Centro de Estudos
Estratégicos da Fiocruz. “A pandemia mostra a saúde como grande oportunidade
para o desenvolvimento do Brasil, que dialoga com a demanda social e a demanda
da tecnologia e da inovação”, enfatiza ele, que completa: “Ou o Brasil entra na
quarta revolução tecnológica pela porta da saúde ou ficará de fora.”
Os Estados Unidos, a Rússia e a União Europeia perceberam que não podem ficar na dependência do mercado externo em uma questão tão delicada como a saúde e estão investindo pesado no setor. Boa parte do programa de US$ 2 trilhões de investimentos do governo americano é voltada à indústria e serviços ligados à saúde. “Uma coisa é depender da China para o 5G. Outra é depender da China ou de qualquer outro país para questões de saúde”, diz um pesquisador da área.
No Brasil, o processo de
desindustrialização começou nos anos 1990. O programa Brasil Maior, do governo
de Dilma Rousseff, com seus erros e acertos, acabou restabelecendo algumas
plantas industriais mediante as parcerias de desenvolvimento produtivo (PDP),
que permitiram à Fiocruz e ao Butantan a produção de vacinas de maneira rápida,
em meio à pandemia da covid-19.
Agora, discute-se na academia e no meio dos
especialistas do setor, a internalização da produção e da inovação; a
necessidade, enfim, de se ter algum grau de industrialização.
Essa não é mais uma discussão nacional, mas
global. O mercado de vacina dobrou de tamanho, saindo de US$ 40 bilhões para a
faixa dos US$ 80 bilhões, tornando-se o segundo maior mercado do mundo na área
de medicamentos. No Brasil, ele é hoje o maior mercado, deixando o de doenças
oncológicas para trás.
A realidade está mostrando que não adianta
vacinar só os ricos, porque a doença é mutante. Controlando, agora, a variante
delta, virão outras. A única solução é uma vacinação global. Os países ricos,
porém, concentraram as aquisições, e há países, a exemplo do Haiti, que até
hoje não tiveram acesso a vacina. Atualmente 40% da produção global de vacinas
para a covid-19 está sendo comprada por países desenvolvidos, que têm apenas
14% da população mundial.
O Brasil, com a falência da indústria,
ficou totalmente desassistido, refém do mercado internacional, com poucos
fornecedores e com os atravessadores, e teve grandes dificuldades para comprar
respiradores e mesmo máscaras. Isso nos remete a questões que precisam ser
enfrentadas sem preconceito. É preciso ter uma política industrial para o
complexo da saúde? Se sim, que ela seja desenhada de maneira transparente e
dotada das melhores práticas regulatórias. Vai precisar ter garantia de
mercado? Então, que ela seja temporária e vinculada a ganhos de conhecimento e
inovação, cita Gadelha.
Ter dependência de vacinas ou de insumos
farmacêuticos ativos (IFA) deixou de ser apenas uma questão de balança comercial
para ser um problema de saúde pública e de ciência e tecnologia.
Responsável por 9% do Produto Interno Bruto
(PIB) do Brasil, a saúde mobiliza 9 milhões de empregos diretos e 20 milhões de
empregos indiretos. É um segmento que gera renda, ciência, tecnologia e pode
ser a alternativa para o país sair da crise. “É preciso mudar os óculos para
enxergar essas possibilidades. Em vez de despesa, saúde e tecnologia são
investimentos no futuro”, sugere Gadelha.
Essa é uma agenda diante da qual o Estado
não pode estar omisso. Ele não está omisso no Reino Unido, nos EUA, na União
Europeia, na Índia, na China. “Acho que a saúde está apresentando algumas
pistas para uma agenda de um novo padrão de políticas públicas que parte do
social e do incentivo tecnológico e ambiental”, indica ele.
A pandemia da covid-19, que já acabou com
4,4 milhões de vidas no planeta e mais de 570 mil vidas no Brasil, traz consigo
a emergência para repensar o papel do Estado e a forma de atuação na política
de desenvolvimento. Para Gadelha, “vacinas, ventiladores, anestésicos, atenção
básica, máscaras, UTIs, luvas, hospitais e ciência quando são articulados com
uma visão política e sistêmica salvam vidas e a economia. Quando são fragmentos
de ações de Estados capturados por interesses particulares, geram mortes,
tristeza, exclusão e declínio econômico, social e da própria cultura de ação
coletiva e solidária”.
A agenda do desenvolvimento precisa sair da
esfera restrita dos economistas e conversar com as necessidades e os desafios
do país.
Virar as políticas de desenvolvimento de
cabeça para baixo é uma necessidade premente revelada pela pandemia. Novos
critérios e orientações para a política de desenvolvimento têm que ser
pensados, deixando de lado o que ele chama de “binarismo pueril” entre as
soluções de mercado e o papel do Estado.
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