Folha de S. Paulo
A demência ideológica era só para disfarçar
a tomada do Estado para fins lucrativos
Você sabe. As grandes frases são as que se
provam atemporais. Exemplo: "Desconfio de todo idealista que lucra com seu
ideal". Seu autor, Millôr
Fernandes, morreu em 2012, antes que ela fosse vastamente aplicada aos
idealistas que se beneficiavam dos desmandos do PT. Muitos dos desinteressados
idealistas que a usaram naquele contexto aderiram depois ao ideal bolsonarista
e agora também lucram com ele. Os futuros dicionários ortográficos deveriam
tornar obrigatório o uso de aspas nas palavras "ideal" e
"idealista".
Para quem se cingiu presidente pregando o fim das mamatas de que acusava seus adversários, Jair Bolsonaro não precisou nem de três anos para montar uma invejável rede do gênero. Fez isso enquanto nos distraía com sua demência ideológica, e poucos notaram que, por trás desta, se armava o enredo principal —a tomada do Estado para fins lucrativos.
Comércio de armas, queima da floresta,
pesca em santuários, ocupação de terras indígenas, mineração ilegal, exportação
clandestina de madeira etc. etc.. Tudo isso rende muito dinheiro para os
bolso-idealistas, claro, mas é troco diante do que se escuta a respeito de
intermediações, contratos, orçamentos, licitações, licenças, financiamentos,
transferências, repasses e o que você imaginar, em todas as áreas. E, pela
aberta generosidade com que Bolsonaro drena o Tesouro para comprar impunidade e
financiar sua reeleição, imagine o que não sai pela porta dos fundos.
O bolso-idealismo profissional contempla
também generais, juízes, delegados, influencers, youtubers, evangélicos, donos
de redes de TV, cantores sertanejos e outras categorias, nem todas adequadas ao
convívio social.
Mas ninguém supera em idealismo os
colaboradores da saúde: a máfia paralela, os intermediários de vacinas, os
fabricantes de cloroquina. As tripas do Ministério da Saúde, expostas pela CPI
da Covid, estão revelando a mamata que mata —a bolsomamata.
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