O Globo
Foram necessários 31 meses de má gestão e
uma escalada de ataques à democracia inédita no pós-ditadura civil-militar —
que não só existiu, como durou, ao contrário do que disse o general-ministro da
Defesa, Walter Braga Netto, em audiência na Câmara dos Deputados — para que
porção relevante da sociedade brasileira se desse conta do que muita gente já
sabia, antes mesmo do resultado das urnas eletrônicas naquele 2018. Sob todos
os aspectos, o governo Jair Bolsonaro é um fracasso. Pelo histórico modesto,
para não dizer inexistente, de serviços prestados pelo atual presidente nas
três décadas como parlamentar, já se poderia antever a tragédia. O
enfrentamento sofrível à mais grave crise sanitária em um século tornou tudo
pior. Neste agosto, parecem ter chegado ao fim a tolerância da Corte Suprema e
o entusiasmo do mercado financeiro. Não era sem tempo.
Para onde quer que se olhe no Brasil, há destruição, ineficiência, retrocesso. O país não melhorou com Bolsonaro no Palácio do Planalto, Paulo Guedes no Ministério da Economia, tampouco com a sucessão de nomes nas pastas da Saúde (quatro), da Educação (três), da Cidadania (três). Quem vive e observa o país da planície, faz tempo, alerta sobre os riscos às políticas públicas, aos recursos naturais e às instituições democráticas. Já são dois anos e meio de avisos em forma de cartas abertas de ex-ministros de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Educação, Saúde, Cultura, Relações Exteriores, Justiça, Fazenda, ex-presidentes do Banco Central, ex-procuradores da República.
Contra os efeitos dramáticos da política
arrasa-Amazônia, também se pronunciaram parlamentares europeus, investidores
estrangeiros, grandes bancos, empresariado responsável. Agências da ONU se
manifestaram; entidades de defesa dos direitos humanos e da liberdade de
imprensa elencaram violações. Comunidades indígenas e organizações quilombolas
recorreram a entidades multilaterais para denunciar o que chamaram, sem rodeio,
de genocídio dos povos tradicionais. A Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil protocolou ação contra o presidente da República no Tribunal Penal
Internacional, provável destino também do relatório final da CPI da Covid,
pronto no mês que vem. Parlamentares da oposição, personalidades da cultura, do
movimento social organizado apresentaram uma centena de pedidos de impeachment
à presidência da Câmara, tanto no mandato de Rodrigo Maia quanto no de Arthur
Lira.
Somente agora, quando o presidente chegou
ao cúmulo de ameaçar o sistema eleitoral e entregar pessoalmente ao Senado
ações de impedimento a dois ministros do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto
Barroso e Alexandre de Moraes, as altas Cortes reagiram com abertura de
investigações e chamando à responsabilidade o procurador-geral da República,
Augusto Aras. De outro lado, o mercado financeiro, devoto de primeira hora da
cartilha de Paulo Guedes, parece ter perdido a fé. A prova está na acelerada deterioração
dos indicadores financeiros deste e do próximo ano.
As projeções para o IPCA, índice oficial de
inflação, romperam a barreira dos 7%, maior resultado desde 2015. Por causa
disso, a taxa básica de juros deve entrar em 2022 a 7,5% ao ano, patamar de
2017. O dólar voltou ao nível de R$ 5,40. A gasolina já passa de R$ 6 por litro
em oito capitais, incluindo Rio de Janeiro, Porto Alegre e Maceió, segundo
pesquisa semanal da Agência Nacional do Petróleo. Em São Paulo, informou o
Dieese, o preço da cesta básica (R$ 640,51) em julho equivalia a quase dois
terços do salário mínimo (R$ 1.100). Há 14,8 milhões de desempregados, mais de
30 milhões de trabalhadores na informalidade, 19 milhões de brasileiros em
situação de fome. E um governo que apresenta em medida provisória uma política
social que tem nome, Auxílio Brasil, mas não tem foco nem orçamento. A reforma
do Imposto de Renda, incompreensível pela quantidade de alterações, foi
abortada três vezes na Câmara — periga ser arquivada.
Os agentes econômicos descobriram agora o
que a população já sabia. Divulgada no início da semana, a pesquisa XP/Ipespe
mostrou que a rejeição ao governo Bolsonaro aumenta sem parar: saiu de 31% em
outubro do ano passado para 54% neste mês, um recorde. Mais da metade dos consultados
(52%) acha que o restante do mandato será igualmente ruim ou péssimo. Dois em
três entrevistados (63%) sabem que a economia está no caminho errado.
Igualmente demolidor é o paper de Rodrigo
Orair, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou
o enfrentamento à pandemia à luz da política fiscal. Atestou o que a sociedade
intuía e a CPI vem comprovando: o governo gastou muito, e mal. Numa comparação
com 30 países que representam 70% da população e 80% do PIB global, o Brasil
foi décimo em gastos, sétimo em incidência de mortes por Covid-19 e 17º em
perda de atividade. “O país se mostrou ineficaz no controle da disseminação da
doença causada pela Covid-19, situando-se entre os poucos com mais de mil
mortes por milhão de habitantes, e, de maneira associada, verificou uma forte
crise econômica e um pacote fiscal relativamente elevado”, escreveu o
economista. Torrou dinheiro público (17,5% do PIB), sabotou medidas sanitárias,
retardou a compra de vacinas, não conteve a crise social, permitiu a morte de
mais de 570 mil brasileiros. Fracasso.
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