O Globo
Faz um ano e meio exatamente do momento em
que revelei que Jair Bolsonaro usou sua conta no WhatsApp, no carnaval de 2020,
para convocar para a realização do primeiro de uma série de atos
antidemocráticos em 15 de março daquele ano. O mundo caiu, com razão, e o
presidente mentiu, como sempre, dizendo que eu inventara a informação e que não
era da sua laia (das poucas verdades que já proferiu, diga-se).
Uma pandemia, 572 mil mortos e uma crise
institucional depois, o presidente saiu do escurinho do WhatsApp e conclama ato
contra o Supremo Tribunal Federal ao microfone numa solenidade oficial, como
fez nesta quinta-feira em Cuiabá. Se isso não é sinal cristalino de que limites
foram atropelados num curto espaço de tempo, nada mais será.
O Sete de Setembro de conformação golpista
que vem sendo meticulosamente organizado por Bolsonaro e seus bolsões de
apoiadores, ou “células”, como o próprio Movimento Brasil Verde e Amarelo as
chama, oferece três refeições a quem for, tem cadastramento aberto em site,
bolsões de estacionamento para trailers e caminhões e presença confirmada de
Bolsonaro em carne e osso.
Uau! Para quem reclamava do pão com mortadela, transformado pelo discurso bolsonarista em símbolo das manifestações petistas, o negócio foi bastante incrementado. Nem mais essa narrativa, entre todas as outras desculpas esfarrapadas para apoiar um deputado medíocre para presidente, restou mais. O repasto oferecido a quem se dispuser a marchar sobre Brasília pedindo fechamento do Supremo e do Congresso e intervenção militar para um autogolpe será pago com um lauto banquete.
Em vídeo que circula com a convocação para
as caravanas que vão a Brasília, um pseudojornalista apresenta os apoiadores da
patacoada. Estão lá os indefectíveis Sérgio Reis e pastor Silas Malafaia. E
também Antonio Galvan, presidente nacional da Aprosoja. A associação de uma
entidade do agronegócio com movimentos de viés golpista preocupa a própria
entidade, que faz questão de dizer que não financia nem apoia os atos. Eis uma
tarefa difícil: dissociar a entidade, criada em 1990 para defender produtores
de soja endividados, de seu principal nome, um bolsonarista empedernido e
figurinha carimbada de outras manifestações anti-Supremo.
E é neste ponto de delicada tensão que se
encontra o Brasil. Ao mesmo tempo que o agronegócio é o principal esteio da
economia, os produtores sérios se preocupam com a cooptação de grupos do setor
para discursos que turvam o ambiente institucional e, consequentemente, de
negócios. Um grupo das principais associações do agro deverá soltar uma nota na
semana que vem condenando os atos golpistas de Sete de Setembro.
Ao esticar a corda até limites insondáveis,
Bolsonaro vai perdendo apoio nesses setores que até ontem eram monolíticos em
sua defesa. Como em sã consciência um empresário que exporte sua produção pode
querer ser ligado a um governo que investe contra o meio ambiente e trama uma
ruptura institucional que jogaria de vez, se bem-sucedida, o Brasil no rol dos
párias globais?
A decisão de não realizar o desfile
cívico-militar no Dia da Independência, que teve a pandemia como justificativa,
é um raro momento recente de bom senso nas Forças Armadas. Misturar fardados e
equipamentos militares com caminhões e motor homes levados a Brasília à custa
de movimentos de ruptura é só o que falta para que o país mergulhe na incerteza
quanto à confiança em que as Forças Armadas não acabarão por ser cooptadas para
uma aventura de tentar solapar a democracia.
Neste ambiente em que o calendário funciona
como uma bomba-relógio, falar em diálogo entre os Poderes soa a conversa mole
para boi dormir. Nenhum ministro do STF cairá nessa ladainha. Não até ver o que
vem por aí no Sete de Setembro.
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