sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Rogério Furquim Werneck - Um beco com saída

O Globo / O Estado de S. Paulo

Salta aos olhos que há um surto na 'demanda' por um candidato de centro viável nas eleições em 2022

Na esteira da frenética mobilização do governo com o projeto da reeleição, o país se viu arrastado para grave crise institucional. Ao angustiante desalento com o provável desfecho da disputa presidencial, soma-se agora crescente apreensão com as tensões políticas e sociais por enfrentar, na longa e tumultuada travessia até o final do mandato de Bolsonaro.

É natural que estejamos assombrados por cenários soturnos. Mas a verdade é que ainda é muito cedo para nos deixarmos levar pelo pessimismo. A esta altura, parece mais frutífero explorar os limites do possível e tentar vislumbrar contornos de cenários mais promissores.

O quadro torna-se mais claro quando se tenta entrever as dificuldades da reeleição. Bolsonaro tem hoje três preocupações básicas. Duas delas perfeitamente legítimas: proteger sua retaguarda no Congresso e recuperar a popularidade perdida.

Sua terceira preocupação — assegurar a possibilidade de não aceitar uma derrota eleitoral — tem-se mostrado completamente tóxica. Não só para o país como para o próprio projeto da reeleição.

Para proteger sua retaguarda no Congresso, o presidente colocou todas as suas fichas no Centrão. Já tinha contratado um seguro básico contra o impeachment, em meados de 2020. Dobrou a aposta, em fevereiro, ao apoiar a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara. E redobrou-a, agora, ao entregar a “alma do governo” a Ciro Nogueira.

Na fantasia de que poderá recuperar sua popularidade com uma farra fiscal, em 2022, Bolsonaro conta com sólido apoio do Centrão. Seus aliados só têm aplausos para a determinação do Planalto de fazer o que for preciso — whatever it takes — para viabilizar expansões eleitoreiras de gasto público no ano que vem.

Mas nem tudo são flores. Longe disso. Se há algo que não interessa em absoluto à cúpula do Centrão é dar respaldo à aposta de Bolsonaro numa escalada de confrontação que dê margem a um desfecho autoritário.

Nem tanto por convicção democrática, mas pela consciência clara de que o poder do Centrão advém das dificuldades de governabilidade do regime democrático vigente. Numa autocracia, todo esse poder desapareceria como por encanto.

Como Bolsonaro continua a dar sinais claros de que não abandonará a aposta na possibilidade de contestar o desfecho da eleição, as contradições de sua complexa relação com o Centrão deverão se exacerbar.

E tudo indica que tal aposta será tão mais pesada quanto mais convencido estiver o presidente de que não conseguirá ganhar no voto.

Mesmo que Bolsonaro deixe de ser um candidato tóxico, o Centrão ainda poderá ter boas razões para abandoná-lo, caso sua candidatura não tenha perspectiva clara de vitória. Não sendo um agrupamento monolítico, o Centrão poderá abandoná-lo aos poucos, à medida que seus membros reavaliem, à luz de seus desafios regionais específicos, a aliança que mais lhes convém na disputa presidencial.

Não faltará, claro, quem argua que, se a candidatura de Bolsonaro murchar, a vitória de Lula será inevitável. Mas vale a pena examinar outras possibilidades. São mais do que conhecidas as dificuldades envolvidas no surgimento, a tempo, de um candidato de centro com boa chance de ser eleito.

Merece atenção, contudo, o timing da percepção, a cada dia mais generalizada, de que Bolsonaro não é uma alternativa aceitável a Lula. E que, ademais, corre alto risco de ser por ele derrotado.

Seria bem pior se isso só ficasse óbvio em meados de 2022. Mas a escalada precoce de confrontação das instituições por Bolsonaro vem deixando isso mais do que claro desde já, bem mais cedo do que se temia. O que talvez crie, no campo fértil da ampla aliança que vem sendo formada para conter Bolsonaro, ambiente político favorável ao surgimento, a tempo, de um candidato de centro com chance de ser eleito.

Salta aos olhos que há um surto na “demanda” por um candidato de centro viável. O mínimo que se pode dizer é que a probabilidade de que tal candidatura desponte parece agora bem mais alta do que se imaginava há poucos meses.

 

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