Revista Veja
Enquanto o presidente e apoiadores mais estridentes elevam os decibéis, tribunais superiores, Câmara e Senado põem a bola para rolar no campo da legalidade
Uma coisa é o chefe do Poder Executivo
dizer que vai fazer isso ou aquilo, outra é o Judiciário e o Legislativo
fazerem acontecer exatamente o contrário, esvaziando com atos as palavras que
ao longo do tempo tendem a cair no descrédito.
É o que acontece no Brasil: enquanto o
presidente e apoiadores mais estridentes elevam os decibéis e acionam o modo da
briga de rua, tribunais superiores, Câmara e Senado põem a bola para rolar no
campo da legalidade deixando que Jair Bolsonaro e companhia façam gols contra
em série.
Temos aí um embate entre a intenção de
provocar e o gesto de enquadrar os provocadores aos costumes institucionais. De
um lado, a gritaria, e de outro, o braço firme, por ora o vencedor do certame.
Em 28 de maio de 2020 o presidente reagiu à operação de busca e apreensão determinada pelo Supremo Tribunal Federal em endereços de gente investigada por participar de uma rede de disseminação de notícias falsas com a frase que lhe pareceu definitiva: “Acabou, p…, ontem foi o último dia”.
Pois aquele 27 de maio de 2020 marcou
justamente o início de uma sucessão de decisões que viriam a colocar adoradores
bolsonaristas em situações adversas e tornar o presidente em pessoa alvo de
investigações variadas.
Vão de abuso de poder político e uso
indevido de recursos públicos com fins eleitorais à inclusão em inquérito sobre
organização criminosa digital, prevaricação e acusação de atacar a legitimidade
do sistema eleitoral. Atrapalhar a realização de eleições é considerado crime
contra o estado de direito, segundo o texto aprovado pelo Congresso em
substituição à Lei de Segurança Nacional, ainda no aguardo de sanção do
Planalto.
Mas, antes de a empreitada legalista
alcançar os calcanhares presidenciais, atingiu gente cuja valentia não resistiu
ao trajeto da prisão à tornozeleira eletrônica. A militante loura que queria
“trocar socos” com Alexandre de Moraes e ameaçava “não dar paz” ao ministro até
que ele pedisse “para sair” hoje se diz arrependida. O deputado que sonhou dar
“uma surra” em Edson Fachin e pregou a destituição dos onze ministros do STF
pediu desculpas, reconheceu o exagero e está com o mandato suspenso.
“A barreira da legalidade mostra que no
campo das ameaças é mais fácil falar do que fazer acontecer”
O ex-deputado delator do mensalão, preso e
cassado na ocasião, voltou à cadeia por incitação à violência, suspeita de
participação na quadrilha das notícias falsas. Ganhou a notoriedade buscada
depois de longo ostracismo, mas usufrui a fama atrás das grades. Já o cantor
sertanejo que deu ordens ao Senado e prometeu desalojar o colegiado do Supremo
“na marra”, caso não fosse obedecido, alegou ter sido mal interpretado e caiu
em depressão.
É pouco? Pois há mais em matéria de gols
contra. A Câmara derrotou o voto impresso e, de quebra, mostrou que o
presidente não tem 257 votos para aprovar nem projetos de lei sem suar a
camisa. Isso sem falar das manifestações em defesa da democracia vindas de
variados e importantes setores da sociedade e de gente se fez com o apoio de
Bolsonaro, como os presidentes da Câmara e do Senado.
Há quem reclame por mais veemência da parte
de Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, mas, convenhamos, não cabe a eles radicalizar
o discurso muito, menos entrar na toada do presidente. Se vão muito adiante,
daqui a pouco não lhes sobra nada a dizer além de mata e esfola como se faz por
aí sem o compromisso institucional inerente aos comandantes do Legislativo.
Note-se, a propósito, que, se Lira não pôs
a exame do plenário os pedidos de impeachment, tampouco os arquivou. Presidentes
da Câmara nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva
deram um fim à conversa sem acanhamento. Os de Bolsonaro estão lá, para todos
os feitos e efeitos. Quanto aos pedidos de impedimento dos ministros Alexandre
de Moraes e Luís Roberto Barroso que o presidente diz pretender apresentar ao
Senado, Rodrigo Pacheco já avisou de antemão que não passarão. Se de fato for
levar os pedidos pessoalmente, o mandatário será cordialmente recebido, mas não
será atendido.
Melhor evitar esse constrangimento, já que
não desistirá de continuar a provocar a fim de “cavar” um impasse para 2022. A
ideia é explícita, mas contra ele a institucionalidade constrói antídotos na
forma de diálogo entre os poderes do qual se alija o presidente.
O recado é o seguinte: há forças com armas
eficientes para o exercício do poder moderador. Mas, definitivamente, não são
as Forças Armadas.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2021, edição nº 2752
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