Correio Braziliense
Bolsonaro está em guerra com
o Judiciário, que pretende subjugar. Primeiro, nomeando aliados; segundo, pelo
confronto com o Supremo, que pretende intimidar
Toda vez que o presidente José Sarney
viajava para o exterior, o então senador Fernando Henrique Cardoso dizia, maledicente:
“A crise viajou”. Mais tarde, viria a exercer dois mandatos na Presidência,
passando também por seus dissabores. Hoje, os ex-presidentes têm bom
relacionamento, mas jamais se tornaram amigos. O presidente Jair Bolsonaro,
porém, viaja muito pouco para o exterior. Ninguém o convida para compromissos
bilaterais, e sua ida aos foros internacionais são puro desgaste, pela péssima
imagem que tem no exterior. Com ele, a crise não viaja.
Políticas interna e externa não são assimétricas; quando isso ocorre, pode terminar muito mal, como no caso do governo de Jânio Quadros, cujo cavalo de pau no Itamaraty, ao condecorar Che Guevara em plena Guerra Fria, deixou-o em rota de colisão com os aliados, principalmente Carlos Lacerda, então governador da antiga Guanabara. Essa crise resultou na sua inopinada renúncia. A longo prazo, os eixos duradouros da política externa são as relações comerciais e a identidade nacional, muito mais do que a momentânea orientação política de governo. Hoje, a divisão internacional do trabalho nos reserva papel estratégico como produtor agrícola e de minérios e faz da China nosso principal parceiro comercial; em contrapartida, do ponto de vista identitário, o americanismo se amalgama à herança cultura ibérica, o que nos afasta do velho nacionalismo latino-americano.
Entretanto, politicamente, vivemos um ponto
fora da curva no governo Bolsonaro. O presidente da República atua para nos
colocar no eixo de países cujos governantes foram eleitos em pleitos
manipulados, seja pelas regras do jogo, seja pelo controle dos meios de
comunicação e/ou pela intimidação da oposição. Como o presidente da Federação
Russa, Vladimir Putin, que ao assumir não tinha uma estratégia, Bolsonaro se
movimenta exclusivamente para continuar no poder, com a diferença de que o
líder russo sempre manteve alta popularidade, enquanto a sua derrete. Controle
das Forças Armadas, dos serviços de segurança, do Ministério
Público, do Judiciário; aliança com oligarcas amigos e com a Igreja Ortodoxa Russa garantem a longa permanência de Putin no poder.
Controlar o Judiciário é uma via de
passagem para o autoritarismo. Na Hungria de János Áder, no poder desde 2012,
juízes foram forçados a renunciar, e o regime fez 1.284 nomeações
políticas. Os que sobraram perderam autonomia. Aqueles que permaneceram em suas funções tiveram sua autonomia confrontada. Na Turquia, 4,5 mil juízes
foram presos e espoliados, nos últimos cinco anos, pelo governo de Tayyip
Erdogan. Centenas continuam presos.
O atual presidente da Polônia, Andrzej
Duda, do Partido Lei e Justiça, para se reeleger, gastou 40 milhões de euros
com uma rede de fake news contra o Judiciário, com apoio do Ministério da
Justiça e do Ministério Público. Essas denúncias são do presidente da
Associação Europeia de Juízes, José Igreja Matos, desembargador na cidade do
Porto, em palestra virtual para magistrados brasileiros, segundo nos relata a
jornalista Maria Cristina Fernandes, em sua coluna de ontem, no Valor
Econômico.
Supremo
Esse é o eixo de extrema-direita ao qual
pertence Bolsonaro, depois da derrota do ex-presidente Donald Trump, nos
Estados Unidos, e do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em Israel. Com
nenhum desses países, inclusive a Rússia, o Brasil tem relações comerciais
robustas para sustentar essa política externa. Mas o que importa é o modelo.
Bolsonaro está em guerra com o Judiciário, que pretende subjugar.
Primeiro, nomeando aliados para cargos
estratégicos, como o procurador-geral da República, Augusto Aras, que pretende
reconduzir, e o ex-advogado-geral da União e pastor evangélico André Luiz de
Almeida Mendonça, indicado para a vaga do ex-ministro Marco Aurélio Mello no
Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos serão sabatinados no Senado, que pode
homologar ou não seus nomes. É do jogo.
Segundo, pelo confronto com o STF, que
pretende intimidar com a ameaça de um golpe de Estado. Não é do jogo. A
cassação de Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal pelo regime
militar, que provocou a renúncia dos ministros Antônio Carlos Lafayette de
Andrada e Antônio Gonçalves de Oliveira, é um trauma no Supremo até hoje. Em
1971, o ministro Adaucto Lúcio Cardoso abandonou o plenário ao ser o único
contrário à lei da censura prévia, editada pelo governo Médici. A regra
permitia que censores ocupassem as redações dos jornais e vetassem a publicação
de textos. Votou contra e renunciou ao cargo.
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