O Globo
Os que acreditam na vinda súbita do meteoro
certamente creem no compromisso pela preservação do teto de gastos, esse
donzelo por cuja pureza se concertam candidatos à reeleição que constituíram
poderosas empresas familiares dentro do Estado; inclusive e sobretudo Jair
Bolsonaro, antigo defensor da responsabilidade fiscal. Não é o meu caso. Vejo
incompetência, desde 2020 o Ministério da Economia prevenido — e inerte a
advocacia estatal — sobre a projeção da fatura para 2022. E vejo oportunismo,
acionado o botão que abre o dispositivo solar, por onde serão dependurados os
fundos — todos, claro, exceções. Dirá o cínico que é exceção o ano eleitoral; e
que o importante é dissimular: tirar o bode da sala e então vender que poderia
ser pior.
O meteoro é instrumento para chantagem.
Recebido todo o seu impacto, inviabilizará o país. Há que fazer algo! Já
ouvimos o ministro da Economia declarar que, sem um jeito no monstrengo,
faltariam dinheiros para pagar salários dos servidores, embora seja muito
provável que, com o jeitinho, o governo encontre granas para dar aumento
salarial em 22; a PEC Emergencial, a do fiscalismo do amanhã, foi feita sob
medida para isso — o leitor anote.
Há que fazer algo! Mas não o sugerido pelo deputado Marcelo Ramos, por retirar todos os quase R$ 90 bilhões do teto de gastos. Não! Por uma solução menos pior, ora, reuniram-se Paulo Guedes, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Recebido todo o seu impacto, o meteoro inviabilizará o ano eleitoral que vem; e há que financiar o ano eleitoral que vem. De todos. Não apenas de Bolsonaro. A ordem é unida.
São muito altos os acordos; apertado, no
entanto, o teto, esse arrombado. E indisposta a turma em podar despesas
discricionárias; em cortar os fundos destinados às emendas do relator — fonte
do orçamento secreto que fundamenta a sociedade entre governo Bolsonaro e
Centrão.
Por uma solução, pois, reuniram-se Guedes,
Lira e Pacheco. Pactuaram-se então, em nome dos orçamentos, cada um com o seu,
pela constitucionalização da pedalada fiscal. Talvez devêssemos até celebrar.
Poderia — olha aí — ser pior. Há duas ou três semanas, a ideia era erguer o
puxadinho — do teto para precatórios — por meio de uma resolução do Conselho
Nacional de Justiça. Luiz Fux, avalizado pelo Tribunal de Contas da União,
propôs o caminho — sim, temos isto — em evento de banco. A galera do mercado
vibrou, protegido o teto violado. O presidente do Supremo recuaria adiante. A
ideia, porém, prosperou. Talvez devêssemos mesmo celebrar, aliviada a carga da
barbaridade: a bandalha a vir pelo trâmite correto, o Legislativo, livres nós
de vermos — a matéria a ser decerto judicializada — o STF julgar a atuação
legislativa de seu presidente.
A PEC dos Precatórios já avança em comissão
especial, que — tudo indica — descartará a proposta de calote conforme remetida
pelo Ministério da Economia, sob a modalidade de parcelamento da dívida em uma
década. Arranja-se, a partir da ideia
Fux, para que seja de cerca de R$ 40 bilhões a conta — o teto — dos
precatórios no Orçamento de 2022. Para que tenhamos a ordem de grandeza do
rebolado movido pelo ano eleitoral: neste 2021, com precatórios, serão pagos
aproximadamente R$ 55 bilhões.
Que tal? Repito: de R$ 55 bilhões, em 2021,
para R$ 40 bilhões em 2022.
Explique ao credor da União — cujo direito
a receber transitou em julgado — que os Poderes da República se articulam por
um desembolso, em 22, bem menor que o de 21. E o convença de que a gambiarra
caloteira tem motivação virtuosa, pois pretenderia preservar o teto de gastos
que os preservadores destelharam — e não garantir espaço fiscal para os custos
de uma campanha eleitoral que vai para muito além dos dinheiros necessários ao
novo Bolsa Família.
Convença-o, aliás, de que não se tratará de
pedalada clássica: rolar adiante mais ou menos R$ 50 bilhões de gastos
obrigatórios e, no lugar, abrigar outras despesas. Tirar R$ 50 bilhões da
frente — recursos destinados ao pagamento de dívidas, ato que não resulta em
votos — para ter campo fiscal livre não somente à ampliação do programa social,
como à difusão de obras paroquiais Brasil adentro: pedalada fiscal eleitoreira.
Tranquilize-o, afinal, mostrando que esses
R$ 50 bilhões retirados do caminho — para que passem Rogério Marinho e Tarcísio
de Freitas — poderão ser pagos logo, fora do teto, em decorrência de acertos
entre as partes, mas desde que o sujeito ou ente credor do Estado, cujo direito
foi reconhecido e é inapelável, aceite negociar nos termos muito restritos
definidos pelo devedor. Faça-o olhar para esse remendo de possibilidade e
avaliar se mais provável do que receber o seu um dia não será, de R$ 50 bilhões
em R$ 50 bilhões, institucionalizarmos uma bola de neve.
Hein?
Entrevistei ontem, na rádio CBN, o relator da matéria na Comissão Especial, o deputado Hugo Motta, e lhe perguntei se não seria incoerente defender a constitucionalização da pedalada fiscal depois de haver votado contra Dilma Rousseff num processo de impeachment que tinha como fundamento técnico a prática de pedalada fiscal. Não quero fulanizar, contudo. Difícil é achar quem não se enrole ante a questão. Né, Lira?
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