O Estado de S. Paulo
Com o envelhecimento da população, é
preciso pensar em formas de financiar o SUS
Neste mês, comemoramos o aniversário
do Sistema Único de
Saúde (SUS). Sua contribuição na resposta à pandemia fez
muitos levantarem os lemas #DefendaOSUS ou #VivaOSUS, populares nas postagens
de vacinação. Mas, para além das hashtags que sinalizam virtude, o que
significa defendê-lo? Se normalmente se evocam como ameaças o fantasma do fim
de gratuidade ou a participação do setor privado (que já é abundante no
sistema), há um desafio muito mais concreto: o envelhecimento da população. O
custo de um sistema já deficiente irá estourar: como arranjar os recursos para
defendê-lo?
É um elefante na sala que ainda não debatemos enquanto sociedade. O Brasil é um dos países que envelhecem mais rapidamente no mundo, como mostram as projeções de medidas como a idade mediana da população ou a taxa de idosos. A desgraça da pandemia representa uma óbvia exceção, mas em breve a tendência deve retornar: cada vez menos crianças nascendo de um lado, e idosos vivendo mais.
Esta grande conquista, fruto do avanço da
medicina e do próprio SUS, pressiona políticas públicas cujo financiamento foi
pensado em um outro Brasil. Com menos jovens entrando na força de trabalho,
temos menos contribuintes para gerar os recursos utilizados na Previdência ou no SUS, ambos
demandados em especial pelos idosos.
Segundo as Nações Unidas, a proporção de
idosos na população brasileira irá quadruplicar de 7% para 28% em apenas 50
anos (entre 2010 e 2060). Em outros países, esse processo será muito mais
longo, tanto porque começaram a envelhecer primeiro, quanto porque vão
envelhecer mais devagar do que o Brasil – que não conta, por exemplo, com
fluxos imigratórios relevantes. A ONU estima
que França e Suécia levarão quatro vezes mais
tempo: 200 anos para quadruplicar a população de idosos de 7% para 28%.
Para EUA e Reino Unido, a estimativa é superior a
150 anos.
Doenças cardiovasculares já são a principal
causa de morte no Brasil e em vários países. Com uma população mais idosa, a
incidência desse tipo de doença irá aumentar. Com ela, a demanda por serviços
do SUS. O Brasil caminha para ser um País de cardíacos.
Economistas chamam de “imposto do pecado” (sin
tax) uma possível solução. Esse imposto serviria para desencorajar o consumo de
certos produtos, ao torná-los mais caros. Entende-se que esse consumo traz
custos não pagos apenas pelo consumidor direto, recaindo sobre o conjunto da
sociedade (por exemplo, onerando um sistema de saúde gratuito e universal).
Além de álcool e cigarros, modernamente se fala em imposto do pecado para
produtos com alto teor de açúcares e gordura. Esses produtos seriam caros
demais para a saúde pública para serem baratos para o consumidor.
Há certa ambiguidade no objetivo: reduzir a
demanda pelos produtos (reduzindo também o custo para a saúde pública lá na
frente) ou arrecadar mais para custear o sistema. No início do governo, o
ministro Paulo Guedes defendia
a inclusão do imposto do pecado na reforma tributária.
Já que o esforço em muitas propostas de reforma é de unificar a alíquota de
todos os produtos e serviços da economia, exceções seriam abertas nesses casos
– por exemplo, para que a alíquota seja menor na venda de uma bicicleta do que
na venda de uma cerveja.
Dificilmente, porém, o imposto do pecado
tem potencial para reduzir de forma significativa a demanda ou aumentar a
arrecadação, a não ser que sua alíquota seja proibitiva. Tende a afetar mais os
pobres e gerar reação da indústria e do comércio. Intervenções mais atuais
apontam para “nudges”, medidas sem custo e que, com base na psicologia, tentam
induzir o consumidor a fazer melhores escolhas (por exemplo, diminuindo a
visibilidade de alguns produtos no supermercado ou reduzindo tamanho de
pratos). O impacto também parece limitado.
Dificilmente escaparemos de redução em
outras despesas ou aumento em tributos para fazer frente a esta gradual nova
realidade, mas ela deveria poder ser atenuada. O #DefendaOSUS precisa deixar de
ser festivo e evoluir para uma discussão madura sobre como empreender a grande
ousadia de disponibilizar saúde gratuita a todos em um País de renda média que
envelhece.
Amanhã é o Dia Mundial do Coração.
*Doutor em economia
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