Valor Econômico
“Estamos no limite da responsabilidade”,
afirma uma fonte
O ministro da Economia, Paulo Guedes, mesmo
sob fogo cruzado, não pretende deixar o governo. Para seus principais
assessores, porém, ele já demarcou até onde poderá ir e não ficará no cargo se,
por ventura, houver a decisão de furar a lei do teto do gasto público. Pela
lei, o Orçamento anual não pode contemplar aumento real de despesa. Esta será
corrigida tão somente pela inflação, medida pela variação do IPCA (Índice de
Preços ao Consumidor Amplo) acumulada em 12 meses até o mês de junho de cada
ano.
O ministro entende que estourar o teto de gasto será um flagelo para a economia e para o país, que se traduzirá em mais inflação. A inflação é uma maneira muito cara para a população resolver o conflito distributivo. Depois de aumentar 1,16% em setembro - a maior variação para um mês de setembro desde 1994, ano da edição do Plano Real, o IPCA acumula inflação de dois dígitos em 12 meses: 10,25%.
A estratégia que o ministro pretende seguir
continua sendo a da aprovação da reforma do Imposto de Renda e dos precatórios.
Só assim ele terá as condições objetivas para a criação do Auxílio Brasil,
substituto do Bolsa Família, que nasceria com o valor de R$ 300 e que começaria
a ser pago ainda neste ano. Trata-se de uma missão delicada, pois o Senado não
quer aprovar o projeto de lei do Imposto de Renda de afogadilho. Caberia ao
Executivo convencer os senadores de que essa é a bandeira branca que deveria ser
erguida. E o Senado não poderia, dada a urgência do assunto, mexer no projeto
aprovado na Câmara, que, diga-se de passagem, é muito ruim.
A expectativa do governo é que a inflação
comece a cair e, para que isso ocorra, é preciso afirmar o controle do gasto
público como contribuição à politica monetária. Caso contrário, os preços
tenderão a subir mais, exigindo maior dose de aperto monetário.
Hoje ela é uma inflação de custos. Tem
aumento de preços com redução do nível de atividade que patina, se arrasta. O
quadro clássico de uma inflação de custos é de aumentar os preços e reduzir as
quantidades produzidas. E há a esperança de que, na falta de demanda, o
processo inflacionário se esgote.
Em meio a isso, Guedes e Roberto Campos,
presidente do Banco Central, enfrentam a denúncia de que ambos têm uma empresa
“offshore” em que colocam uma parcela do seu patrimônio protegido da
desvalorização cambial. A assessoria do ministro entende que o centrão está
usando essa informação para lhe dar um susto e ver se ele abre a bolsa. Mas o
fato é que ele está sendo convocado a dar explicações no plenário da Câmara, em
data a ser definida.
A disputa por verbas do Orçamento colocou o
ministro da Economia sob fogo cruzado. “Estamos no limite da responsabilidade”,
disse uma fonte, parafraseando o então ministro das Comunicações Luiz Carlos
Mendonça de Barros, no escândalo do grampo do BNDES, ocorrido durante o governo
de FHC. Referindo ao processo de privatização do sistema Telebras, que ocorreu
em julho de 1998, durante a fase de habilitação dos consórcios que disputariam
o leilão, Mendonça de Barros usou essa frase em conversa telefônica com o então
presidente do BNDES, André Lara Resende. Discutia-se, ali, a formação de um
consórcio alternativo. Agora é o teto do gasto que está no limite da
responsabilidade.
De um lado estão os representantes do
centrão - núcleo de partidos que operam com a “governabilidade”, se mantêm
próximos ao Poder Executivo para obter vantagens e distribuir privilégios. O
centrão tem como aliados ministros militares próximos ao presidente Jair
Bolsonaro, que condenam a política econômica conduzida pelo ministro da
Economia que não está levando o país a crescer. Eles gostariam de abrir os
cofres públicos para gastar mais sobretudo no ano que vem, quando haverá
eleições. Nesse caso, seria um maná para os políticos elevar o Auxílio Brasil
para a faixa dos R$ 600. Do outro lado, estão os evangélicos que querem cargos
e pressionam o governo para recriar o velho Ministério da Indústria e do
Comércio, absorvido pela pasta da Economia.
Guedes é a fonte de racionalidade no jogo
eleitoral, cuja principal função é dizer “não”.
Orestes Quércia, ex-governador de São
Paulo, dizia “eu quebro o Banespa mas elejo o Fleury”. Foi dito e feito. Na
lógica da irracionalidade, Luiz Antônio Fleury Filho foi eleito governador de
São Paulo e o Banco do Estado de São Paulo acabou sofrendo intervenção do Banco
Central em 1994 e foi privatizado em 2000, em leilão arrematado pelo Santander.
O ministro da Economia acredita, portanto,
que ainda tem uma missão a cumprir, que é manter a responsabilidade fiscal -
que hoje tem como âncora a lei do teto de gastos - como a principal
contribuição para o controle da inflação.
Falta, também, resolver como vai se manter
um auxílio emergencial aos mais pobres. Pelo caminho escolhido por Guedes, o
Auxílio Brasil, programa sucedâneo do Bolsa Família, está vinculado à reforma
do Imposto de Renda. Mas o Senado não gostaria de examinar esse projeto de lei
de maneira açodada.
Há, portanto, uma questão de prazo para que
não haja interrupção dos programas de transferência de renda. Uma confusão
implementada apenas para se acabar com o Bolsa Família, programa identificado
com o PT de Lula, principal adversário de Bolsonaro na corrida pela reeleição.
Ainda há um caminho a percorrer até ficar
claro se as demandas políticas e sociais cabem no teto do gasto. Assessores do
ministério da Economia garantem que não haverá estouro do teto, mas esta é uma
das fontes de incerteza que corroem as expectativas dos agentes econômicos.
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