Folha de S. Paulo
Apesar de ter piorado menos do que o
previsto, situação é a mais crítica da história recente
Lá por volta de junho, o público em geral
soube que o nível
d’água nos lagos das usinas hidrelétricas era tão baixo e ainda cairia
tanto que o risco de racionamento estrito de eletricidade era desesperador
—racionamento “estrito” quer dizer redução obrigatória de consumo. A situação
continua desesperadora, mas está melhor do que o esperado em meados do ano.
O risco diminuiu porque planos funcionaram
e os céus ajudaram um pouco. Mas estamos em emergência, que deve durar pelo
menos até março ou abril de 2022, se der tudo certo. A conta
de luz continuará salgada até lá, pelo menos, e a crise provoca um
monte de problemas financeiros no setor elétrico, que continua com desordens
crônicas.
A energia armazenada nas usinas de Sudeste e Centro-Oeste deve chegar no final de novembro a um nível menor do que o de novembro de 2020, segundo as previsões atuais. Por essas estimativas, devem baixar a um nível muito semelhante ao de novembro de 2014, quando também estivemos pela hora da morte em eletricidade e ano em que a cidade de São Paulo ficou a semanas ou dias da seca de água encanada. Por que Sudeste e Centro-Oeste? Porque 70% da capacidade máxima de armazenamento está nas hidrelétricas dessas regiões. “Energia armazenada” é o quanto de eletricidade dá para fazer com a água dos reservatórios, grosso modo.
Em junho, as autoridades, estudiosos e
analistas do assunto diziam na verdade que, em 2021, não haveria racionamento
caso todas as providências técnicas fossem tomadas, se não chovesse ainda menos
do que o pouco previsto, se não faltasse gás para termelétricas ou se uma delas
não pifasse ou tivesse de parar para manutenção de rotina etc. Chegaríamos a 30
de novembro com a corda no pescoço e com risco de apagões pontuais (por excesso
de consumo em determinado horário), na ponta do lápis ou da planilha, mas sem
racionamento estrito.
Mas a situação era desesperadora. Ainda é
ruim, das piores dos anos mais recentes e comparáveis. A energia armazenada nas
usinas de Sudeste e Centro-Oeste era de 16,8% na quarta-feira, 13 de outubro.
No ano ruim de 2014, de 23%. O risco não depende, claro, apenas de medida
simplória de água nesses lagos, mas da energia disponível em outras regiões e
de outras fontes, além da interligação desse sistema (linhas de transmissão) e
da importação de eletricidade dos vizinhos Argentina e Uruguai. Mas um colapso
no Sudeste e Centro-Oeste é fatal.
Prevê-se agora que a capacidade dos
reservatórios dessas regiões chegue a algo em torno de 16%, no final de
novembro. A média dos sete anos ruins de 2014 a 2020 foi de 22,9%. Nos sete
anos bons de 2005 a 2011, a média foi de 52%. A penúria atual é resultado de
uma mistura de seca feia com esbulho de recursos naturais e de um setor
elétrico que, em termos de regulação, preços etc. funciona à base de muita
gambiarra.
O que atenuou o problema desde 2021? Têm
dado certo as providências técnicas das autoridades do setor elétrico, que,
para resumir toscamente um assunto muito enrolado, tem tirado leite de pedra
—estamos no limite, não há folga e ainda é preciso adotar mais medidas heroicas
nos próximos meses.
Além do mais, as temperaturas ficaram mais
amenas, com menos gente usando ar condicionado, por exemplo. Tem
chovido um tico mais do que o previsto nesta pré-temporada do período
úmido. Mas não dá para saber do volume de chuvas até o final de novembro.
Um racionamento seria, claro, um desastre
econômico, mais um da série que começou em 2014, pelo menos, o que daria em
mais desemprego e fome. É uma notícia política importante também. Jair
Bolsonaro vai sendo salvo pelo gongo.
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