EDITORIAIS
Dois Brasis
O Estado de S. Paulo
A pandemia expôs o contraste entre dois
Brasis. De um lado, o Brasil que abraçou a ciência, obedeceu aos protocolos e
aderiu massivamente à imunização; que se angustia com o desemprego, a inflação
e a desigualdade; que sofre com a criminalidade e as agressões ao meio
ambiente; e que, apesar de tudo, não esmorece e encara os problemas de frente.
De outro, há um Brasil – minoritário, mas estridente – que promove soluções
mágicas para desafios complexos; que terceiriza responsabilidades; que busca
acumular privilégios a quem chama de “nós” e nega direitos a “eles”, os
“inimigos da pátria”. Em raras ocasiões o contraste ficou tão explícito quanto
no feriado dedicado à padroeira do País, Nossa Senhora Aparecida, no último dia
12.
No Santuário de Aparecida, o arcebispo dom
Orlando Brandes iniciou sua homilia expandindo um abraço simbólico ao povo
brasileiro, em especial às crianças, aos indígenas e às famílias enlutadas pela
covid-19. “Para ser pátria amada, não pode ser pátria armada, para que seja uma
pátria sem ódio, uma república sem mentiras e sem fake news.”
A alusão ao slogan do governo, “Pátria Amada Brasil”, é indisfarçável. A “pátria” do presidente Jair Bolsonaro é uma caricatura grotesca da pátria amada e consolada pelo arcebispo. “Pátria amada com fraternidade”, disse d. Orlando. “Todos irmãos, construindo a grande família brasileira. A família deve ser um lugar de audiência. A aliança é sinônimo de amizade. Uma amizade internacional significa parceria, diálogo mútuo, empatia, união e democracia.” Poucos dias antes, perguntado sobre as mais de 600 mil mortes por covid, Bolsonaro, a passeio pelo litoral paulista, retrucou: “Não vem me aborrecer aqui”.
Na conclusão de sua homilia, dom Orlando
exortou: “Vacina, sim; ciência, sim”. Bolsonaro, por sua vez, criticou a
exigência de comprovante de vacinação para ir a um jogo de futebol. “Por que
não divulgam o número de mortes de pessoas vacinadas?”, resmungou o presidente,
insinuando a ineficácia das vacinas. Para não deixar dúvidas, em entrevista a
uma rádio, Bolsonaro disse que viu “novos estudos” e, “no tocante à vacina,
decidi não tomar mais”.
Não se sabe quais são esses estudos. Se se
preocupasse em ler aqueles divulgados em publicações científicas, Bolsonaro
saberia que as pessoas não vacinadas têm pelo menos 11 vezes mais chances de
morrer do que as vacinadas, e que a reversão das taxas de transmissão no Brasil
aos índices de abril de 2020 são um indisputável resultado da campanha de
imunização que ele tanto sabota.
Há poucos dias, Bolsonaro posou com uma criança
fardada e armada. Mas “pátria amada não é transformar crianças inocentes em
crianças fuzil”, lembrou d. Orlando. Como apontou um levantamento do Instituto
Sou da Paz, Bolsonaro promoveu 31 alterações flexibilizando o porte de armas. A
posse aumentou 67% e os homicídios, que estavam em queda, voltaram a crescer em
2020 quase 5% em relação a 2019. As maiores vítimas são jovens.
A pátria amada pelo arcebispo é aquela em
que “nenhum brasileiro precise catar no lixo ossos para sobreviver”. Mas,
segundo disse Bolsonaro à beira-mar, o Brasil foi um dos países que menos
sofreram e que está se saindo melhor na retomada, uma impostura que contrasta
com todos os indicadores econômicos, que mostram o desempenho do País muito
pior na comparação com outros países em condições socioeconômicas similares.
Em Aparecida, em mais um episódio de sua
ininterrupta campanha eleitoral, Bolsonaro promoveu mais aglomerações sem
máscara. Se tivesse chegado em tempo à celebração ministrada por d. Orlando,
teria ouvido que “só vamos vencer com a força do espírito; a nossa maior arma é
a penitência, a oração, o pedir o perdão”. Mas para Bolsonaro não há nada a
vencer nem motivos para pedir perdão. E mesmo que houvesse, ele deixou claro
que não quer ser aborrecido. Aos brasileiros, mais do que aborrecidos,
ameaçados pelo vírus, violência e miséria, resta empunhar a maior arma do bom
combate democrático – o voto – e derrotar o Brasil de Bolsonaro nas urnas.
O STF e a pressão de evangélicos
O Estado de S. Paulo
Líderes evangélicos agem como se tivessem direito adquirido de nomear um ministro
As reações dos líderes de algumas igrejas
evangélicas a uma possível recusa, pelo Senado, do nome de André Mendonça para
o Supremo Tribunal Federal (STF) dão a medida do risco político que o
presidente Jair Bolsonaro aceitou correr ao prometer indicar um nome
“terrivelmente evangélico” para o cargo.
Reagindo a uma eventual substituição de
Mendonça por outro nome sugerido pelos ministros vinculados ao Centrão, os
líderes evangélicos que dão apoio a Bolsonaro foram contundentes. “Se
reprovarem André, quem vai dizer outro nome é a liderança evangélica. Não vamos
aceitar quem não seja evangélico indicar ninguém ao presidente”, afirmou o
deputado Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ), um dos líderes da Assembleia de Deus
Vitória em Cristo. Já o pastor Silas Malafaia, igualmente próximo de Bolsonaro,
acusou os ministros vinculados ao Centrão de não terem “autoridade moral” para
indicar um novo nome. “Quem tem autoridade moral para apresentar um nome ao
presidente somos nós. Estão achando que vão enganar quem?”, disse ele.
Ao justificar o que consideram um direito
líquido e certo a uma vaga no STF, esses pastores alegam que, se os católicos
são representados pelo ministro Edson Fachin, que atuou em comissões eclesiais
em Curitiba, e os judeus são representados pelo ministro Luiz Fux, que sempre
frequentou sinagoga, os evangélicos, que constituem 30% da população, também
deveriam estar representados na Corte. Os pastores, contudo, parecem ignorar
que Fachin e Fux não estão no STF em razão de suas religiões. Foram indicados por
serem juristas que preenchem os requisitos de reputação ilibada e sólido
conhecimento jurídico exigidos pela Constituição para ocupar o cargo, o que
aparentemente não ocorre com André Mendonça.
Malafaia também alega que a indicação de
Mendonça para o STF é tão importante para os evangélicos como foram os nomes
indicados pelos governos FHC e Lula, que eram alinhados ideologicamente ao PSDB
e ao PT. Releva, porém, o fato de que religião se relaciona com dogma e fé,
enquanto partidos políticos lidam com programas de gestão do poder público,
definição de orçamento e produção de normas jurídicas. Em outras palavras, a
formulação de políticas públicas, por meio de debate democrático, nada tem a
ver com crenças religiosas, inegociáveis por definição.
Além disso, se os evangélicos tiverem no
STF um ministro que julgam ser de confiança, este poderá não ter isenção para
julgar temas de interesse de grupos sociais específicos e sem representação
formal na Corte.
Acima de tudo, num Estado laico e com uma
Constituição composta por regras dispostas por critérios lógico-formais, a
corte encarregada de aplicá-la é um órgão técnico, composto por especialistas
em direito e não por representantes de segmentos sociais. No universo jurídico,
discussões sobre fé e orientação sexual são importantes do ponto de vista
estrito da aplicação da lei, mas não sobre suas implicações religiosas.
Obviamente nada disso foi levado em conta
por Bolsonaro quando prometeu indicar um evangélico para o STF e,
principalmente, quando disse esperar que esse ministro vá “na mesma linha” dos
interesses do governo – o que inclui a pauta de sua base ideológica e
religiosa. Na medida em que os pastores não querem abrir mão da indicação de um
nome de sua estrita confiança, está claro que sua intenção é influenciar as
decisões do STF em favor de sua agenda particular, sem que os demais segmentos
da sociedade tenham esse mesmo direito, o que é uma afronta ao princípio
constitucional de que todos são iguais perante a lei.
Como lembrou o professor Geraldo Miniuci,
da Faculdade de Direito da USP, em artigo no Estado, se, por um lado, o
Brasil consagrou o princípio da separação entre Estado e religião, com o
objetivo de proteger as instituições religiosas da interferência do poder
público, por outro, não protegeu o Estado do risco de ser capturado por
instituições religiosas. É essa brecha que o bolsonarismo pretende
explorar.
Agressão aos Estados
O Estado de S. Paulo
Embuste demagógico, o novo ataque ao ICMS ameaça funções básicas de Estados e municípios
Demagógico, errado e potencialmente
desastroso é o projeto de alteração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços (ICMS) sobre combustíveis aprovado na Câmara. É demagógico por
expressar um rasteiro populismo, errado como remédio para o aumento de preços e
potencialmente desastroso para os Estados e municípios, se passar pelo Senado e
for convertido em lei. Senadores ainda poderão evitar esse golpe contra as
finanças públicas e – de fato – contra mais de 200 milhões de pessoas
dependentes de serviços estaduais e municipais. Nenhum brasileiro, rico ou
pobre, pode dispensar pelo menos a segurança pública, a Justiça e os socorros
de emergência proporcionados pelos governos subnacionais.
Secretários estaduais estimam perda de R$
24 bilhões para os Estados e de R$ 6 bilhões para os municípios. Se o prejuízo
for grande para os Estados mais dependentes de transferências federais, o
problema poderá bater no poder central.
Aprovado na Câmara por 392 votos a 71, o
projeto determina a adoção, em cada Estado, de um valor fixo para o ICMS
cobrado sobre combustíveis. Atualmente a incidência ocorre por meio de
alíquotas fixas. As autoridades estaduais podem determinar o peso da
tributação. As alíquotas variam de 25% a 34% sobre a gasolina, de 12% a 25%
sobre o diesel, de 12% a 30% sobre o etanol e de 12% a 25% sobre o gás de
cozinha.
Teria sentido pensar na unificação dessas
porcentagens, como forma de aperfeiçoar e simplificar o sistema tributário, mas
esse debate seria delicado, porque a composição da base tributária varia entre
Estados. De toda forma, seria tolice, e provavelmente um embuste, tomar essa
iniciativa como possível solução para a alta de preços.
O novo ataque às finanças estaduais e
municipais é continuação de uma campanha iniciada há meses pelo presidente Jair
Bolsonaro e apoiada, recentemente, por um de seus mais solícitos associados, o
presidente da Câmara, deputado Arthur Lira. Na origem dessa campanha há uma
confusão grotesca, típica de um presidente despreparado, ignorante de fatos
elementares da administração pública e primariamente populista. Nessa confusão,
fascinante para mentes desinformadas e enevoadas, o ICMS é visto como uma das
causas do aumento de preços dos combustíveis.
A bobagem é evidente para qualquer pessoa
passavelmente informada e capaz de raciocinar. O ICMS apenas incide sobre um
preço tomado como base. Vários fatores bem conhecidos podem determinar a
variação desse preço ou dos preços tomados como referência para a composição de
um valor ponderado. As cotações internacionais do petróleo e de seus derivados,
a oscilação do dólar em relação ao real e a evolução dos custos da Petrobras
são alguns dos mais evidentes. Além disso, o nível de preços no mercado interno
e o seu grau de flexibilidade são vinculados ao grau de concorrência,
notoriamente baixo, nos setores de exploração e refino dos combustíveis.
Não há como incluir o ICMS entre esses
elementos causais. O imposto pode ter um grande peso na composição final do
preço, mas de nenhum modo está vinculado à variação desse valor. Gente incapaz
de distinguir entre a composição e a variação de um preço pode incorrer em
outros enganos, alguns muito graves, como acreditar em Bolsonaro. Se o ICMS for
zerado, o preço final hoje pago pelos consumidores poderá diminuir. Mas os
valores voltarão a subir, com ou sem imposto, se houver aumento das cotações
internacionais ou do preço do dólar negociado no Brasil.
Uma das causas principais da valorização do
dólar em relação ao real – provavelmente a principal – tem sido a insegurança
quanto às condições econômicas e à evolução das contas públicas. Essa
insegurança, produzida principalmente pelo presidente Jair Bolsonaro, afeta os
preços dos combustíveis por intermédio do dólar, mas esse fato é pouco
lembrado, em Brasília, quando se fala dos preços da gasolina, do diesel e do
gás. A insegurança também cresce, com reflexo no câmbio, quando Bolsonaro e o
Centrão cuidam fisiologicamente da partilha do Orçamento.
Congresso precisa rejeitar a PEC do
Ministério Público
O Globo
O Congresso precisa rejeitar ou esquecer
com celeridade a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 5/ 2021, cujo objetivo
implícito é enfraquecer o poder de investigação do Ministério Público (MP). A
aprovação representaria um golpe mortal na autonomia dos procuradores,
garantida pela Constituição. Não há como um país que preza a independência de
suas instituições aceitar essa tentativa descabida de intervenção do Parlamento
no MP.
Reação evidente ao avanço da Operação Lava-Jato no combate à corrupção, a PEC foi gestada para atender aos interesses dos investigados, entre eles o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e diversos representantes do Centrão. Sem nem passar pelos ritos na comissão especial, como manda a praxe legislativa, foi conduzida com rapidez ao plenário, numa tentativa de pulverizar o que resta de independência num MP já enfraquecido com Augusto Aras no comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), sob os auspícios do retrocesso da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
O relatório do deputado Paulo Magalhães
(PSD-BA) tornou o projeto original do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) ainda
pior, com a intenção de sacrificar os pontos mais absurdos como forma de
garantir a aprovação. No item mais escandaloso, depois alterado, o texto
conferia ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) o poder de rever
atos de investigação e interferir no trabalho dos procuradores, extinguindo a
autonomia funcional garantida pela Constituição. Seria o equivalente a um
conselho de imprensa intervir no conteúdo de veículos jornalísticos; ou um
conselho policial, nas ações dos delegados da Polícia Federal.
O relatório conferia aos
procuradores-gerais dos MPs a atribuição de indicar dois terços dos conselhos
superiores, responsáveis justamente por fiscalizar o procurador-geral (hoje os
representantes são escolhidos por eleições internas). O texto também extinguia
a prescrição dos processos disciplinares, outro ponto de intimidação por
facilitar a condenação dos procuradores. Ambos os pontos foram alterados pelo
relator, mas o resultado é insatisfatório.
A PEC ainda altera a composição do CNMP,
responsável por investigar atos ilícitos atribuídos aos procuradores, de modo a
torná-los minoria no organismo. A representação dos parlamentares, em
contrapartida, mais que dobraria, dando ao grupo a maior presença no CNMP.
Dentre esses representantes seria escolhido o corregedor nacional, a quem cabem
as investigações. Trata-se de outra afronta para subjugar os procuradores, que
passariam a trabalhar com uma espada no pescoço. O texto ainda dá um prazo de
120 dias para o CNMP criar um código de ética.
É evidente que abusos dos procuradores, como alguns na Lava-Jato, são intoleráveis e devem estar sujeitos a punição. Mas a estrutura existente é suficiente para dar conta disso. Sujeitar o CNMP ao Congresso, tornar o corregedor nacional um pau-mandado dos parlamentares e permitir a ingerência do organismo no trabalho autônomo dos procuradores são absurdos. Lira tentou ontem pela segunda vez levar a PEC a plenário, mas teve de adiar a votação. Nenhum dos escrutínios que examinaram requerimentos reuniu os 308 votos necessários para aprovar a PEC na Câmara. Não se trata mais de “aprofundar as discussões”. Os parlamentares têm o dever de rejeitá-la — e de cuidar dos problemas reais do país.
Mudança no ICMS é demagógica e cria
incentivo a combustíveis fósseis
O Globo
A Câmara deu na quarta-feira mais uma prova
da incapacidade de tratar com maturidade as questões econômicas que afligem o
país. Em vez de dar a atenção devida à reforma tributária, em especial ao
projeto que unifica impostos para acabar com a guerra fiscal entre estados,
aprovou uma medida demagógica para reduzir o preço dos combustíveis. O projeto,
que mexe na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) pelos estados, é um “puxadinho” cujos efeitos serão deletérios por ao
menos dois motivos.
Primeiro, por retirar recursos dos estados,
ao estabelecer alíquotas anuais fixas. Mais que um golpe em adversários
políticos do presidente Jair Bolsonaro, trata-se de endosso implícito à tese
estapafúrdia segundo a qual a alta da gasolina se deve à sanha arrecadadora de
governos estaduais, quando na verdade resulta da flutuação do petróleo nos
mercados globais e da desvalorização do real, reflexo da política econômica
errática do governo federal.
Segundo, porque cria um subsídio ao consumo
de combustíveis fósseis, num momento em que eles deveriam ser desincentivados.
A alta do petróleo é uma ótima oportunidade para governos de todo o mundo
planejarem e executarem a transição para energias mais limpas. A medida mais
importante para isso seria criar um mercado de carbono, em que os poluidores
pagariam mais caro por poluir. A mudança no ICMS vai na direção oposta: todos
os que evitam andar de carro e se preocupam em reduzir emissões de gases serão
penalizados, ao arcar indiretamente com o custo dos que poderão usufruir
combustível mais barato, graças à redução forçada nas alíquotas.
É um erro idêntico ao cometido pelo
Congresso quando atrelou a privatização da Eletrobras à construção de
termelétricas e gasodutos, outro incentivo à produção de energia suja. Ou do
cometido pelo governo Dilma Rousseff, quando interveio na Petrobras para tentar
deter o aumento no preço dos combustíveis e levou a empresa a acumular um
endividamento sem paralelo na história do capitalismo. Ou ainda dos subsídios à
compra de caminhões criados também no governo Dilma, que agora Bolsonaro está
prestes a ressuscitar. Tudo isso revela quão alheio está o governo ao futuro do
Brasil.
No lugar da eterna demagogia para reduzir o
preço da gasolina ou do diesel e satisfazer a pressões setoriais, os
parlamentares precisam entender que seu dever é estabelecer um arcabouço
legislativo para um mundo que um dia funcionará sem gasolina nem diesel. O
Brasil já foi reconhecido globalmente por ter criado o mais bem-sucedido
programa de combustível alternativo do mundo, baseado em etanol. Desenvolve
pesquisas de ponta em biocombustíveis e teria plena condição de ter se tornado
uma potência na energia limpa, capaz de exportar tecnologia a outros países.
Infelizmente, chegaremos totalmente despreparados à Conferência do Clima da ONU
de novembro, em Glasgow. Não só por culpa de Bolsonaro. O desprezo pelo
conhecimento, pela ciência e pela tecnologia está também enraizado no
Congresso.
PL de reajuste de combustíveis estabelece
‘teto’ para o ICMS
Valor Econômico
Bolsonaro faz balbúrdias diárias, elas sim
responsáveis por aumentos
Enfadado e aborrecido com os problemas que
costuma causar, o presidente Jair Bolsonaro, entre um dissabor e outro com os
aumentos dos preços dos combustíveis, disse: “Já tenho vontade de privatizar a
Petrobras ”. Motivos: “Aumentou a gasolina, é culpa do Bolsonaro”. Os mesmos
pensamentos peregrinos foram vocalizados pelo presidente da Câmara, Arthur
Lira, que se esforçou, e conseguiu, aprovar projeto de lei complementar que
muda o ICMS sobre combustíveis - de alíquota ad valorem passará a ter um valor
fixo em reais. Se fosse essa apenas a mudança, seria quase inócua. O PL foi mais
longe e diminui na prática o imposto cobrado pelos Estados, com fortes tons de
inconstitucionalidade. O Senado deve examinar agora o projeto.
A primeira ideia de fustigar os Estados
partiu, claro, do presidente Jair Bolsonaro. Ele desistiu de importunar o presidente
da Petrobras pelos constantes reajustes dos combustíveis, ao colocar no comando
da estatal o general da reserva Joaquim Silva e Luna, substituto do civil
Roberto Castello Branco, apeado do cargo por fazer a mesma coisa que a atual
administração está fazendo. Bolsonaro cismou, então, que as alíquotas do ICMS
estavam enriquecendo os Estados e patrocinou um projeto de lei complementar à
Camara que, com mudanças feitas pelo relator, o médico Dr. Jaziel (PL-CE), foi
aprovado por 392 votos a favor e 72 contrários.
Como o governo teve a sensatez de não
intervir diretamente nos reajustes de preços da Petrobras, a única maneira de
reduzir o preço para os consumidores foi diminuir as receitas dos Estados,
depois da batalha perdida por Bolsonaro contra eles sobre as medidas na
pandemia e os lockdowns decretados.
Arthur Lira, que agora quer resolver o
problema dos reajustes do gás, se empenhou em sustentar o presidente em nova
tarefa inglória. Não se trata de troca simples de porcentagem por um valor fixo
em reais. O projeto muda todo o cálculo da incidência do ICMS. Pelo parecer do
relator, “o imposto deixa de contribuir para variação de preços ao consumidor
desses produtos”. Mas é mais: o imposto é reduzido para permitir, segundo os
cálculos do Dr. Jeziel, quedas de 8% na gasolina e de 3,7% no diesel.
Em vez da média dos preços apurados nos
últimos 15 dias, passa a valer uma média de dois anos, referente aos anos de
2019 e 2020. Com isso, o preço na bomba já cairia, porque em 2020 as cotações
do petróleo chegaram a ser bem mais baixas. Para evitar, porém, que os Estados
calibrassem o ICMS em reais para não perder receita, o projeto criou mais
regras. Estados e Distrito Federal, ao colocar alíquotas específicas pela
primeira vez, não poderão exceder em reais por litro, o valor da média dos
preços ao consumidor final ao longo do período de 24 meses, entre janeiro de
2019 e dezembro de 2020, “multiplicada pela alíquota ad valorem aplicável ao
combustível em 31 de dezembro de 2020”.
No exemplo dado pelo relator, a média do
preço de gasolina variou de R$ 4,268 a R$ 4,483. Sobre esse valor, que é então
um teto, pode-se supor que incida uma alíquota de 25%, resultando um ICMS de R$
1,067. A média de setembro para a gasolina foi de R$ 6,078. Se esse preço for
reajustado novamente em 10%, o preço após o ICMS, pelo sistema antigo, iria a
R$ 8,357, mas pela nova regra não pode ultrapassar R$ 7,752. Ou seja, o ICMS
foi “tabelado” por um ano em reais. A receita dos Estados com combustíveis
ficará menor - pelo menos até depois das eleições de 2022.
Quando os preços da gasolina sobem os
governos sempre tentam truques que tangenciam as causas. Os preços dos
combustíveis continuarão sendo reajustados. As alíquotas estaduais são altas,
assim como de telecomunicações e energia, mas isso não se resolve chamando o
Centrão para resolver a questão a favor do presidente com motivos claramente
eleitorais. Bolsonaro faz balbúrdias diárias, elas sim responsáveis por
aumentos além dos que ocorreriam de praxe, por causa da disparada do câmbio que
provocam. A reforma tributária seria o âmbito ideal para resolver estas e
outras questões. Mas Bolsonaro não gosta do tema e quer se reeleger.
Lira insinua que pode fazer mais: disse que os governadores estavam cobrando ICMS da energia “em cima do aumento da bandeira vermelha”, quando poderiam não fazê-lo. A origem do preço alto do gás, para ele, é o monopólio da Petrobras. Severino Cavalcanti, presidente da Câmara do mesmo partido de Lira (PP), tinha objetivos mais modestos que a privatização ou combate a monopólios. Da estatal, queria apenas aquela diretoria que “furava poço”. Os tempos mudaram, porém.
Não ao negacionismo
Folha de S. Paulo
Marca de 100 milhões de imunizados reflete
capacidade do SUS e adesão social
Com
mais de 100 milhões de habitantes inteiramente imunizados contra a
Covid-19, o Brasil alcançou na quarta-feira (13) uma marca que parecia
inatingível no início do ano e merece ser celebrada.
Nove meses após o tumultuado início da
campanha de proteção contra o coronavírus, 47% da população brasileira já
recebeu as doses exigidas para garantir a proteção oferecida pelas vacinas, o
equivalente a 62% dos adultos.
O caminho tem sido acidentado, e somente há
poucos meses ganhou-se o ritmo necessário para alcançar o grau de cobertura
requerido para conter novas ondas de contágio, com pelo menos 70% da população
vacinada.
As primeiras doses da Coronavac foram
aplicadas no país em janeiro. Foi preciso esperar meses pela regularização da
entrega dos imunizantes contratados pela Fundação Oswaldo Cruz, do Ministério
da Saúde, com a AstraZeneca.
Somente mais tarde os brasileiros
conseguiram ter acesso às vacinas da Pfizer e da Janssen. O governo perdeu
tempo precioso, o que só não custou ainda mais vidas graças à estrutura e à
reconhecida experiência do SUS em campanhas de imunização.
O negacionista Jair Bolsonaro, que sabota
os esforços das autoridades na linha de frente do combate ao coronavírus desde
o inicio da pandemia, nunca descansou em sua ofensiva macabra para minar a
confiança da população nos imunizantes e nas medidas sanitárias.
Nesta semana mesmo, Bolsonaro voltou a
dizer que não tomará a vacina e minimizou sua eficácia, a despeito das
demonstrações oferecidas por inúmeros estudos científicos e pela queda palpável
dos números de mortes e infecções nacionais nos últimos meses.
Felizmente, cada vez menos gente segue a
opinião do mandatário, e isso ajuda a entender o avanço da imunização no país.
Em dezembro do ano passado, antes do início
da campanha, 22% dos brasileiros diziam que não pretendiam se vacinar, segundo
o Datafolha. Em julho último, eles eram apenas 5%. Entre os defensores do
governo, os recalcitrantes eram 30% e foram reduzidos a 9%.
O apoio aos imunizantes é maior no Brasil
do que nos Estados Unidos, onde 68% da população adulta já completou a
vacinação. Segundo o Gallup, 20% ainda fogem da injeção, o que tem feito o
processo perder velocidade.
Bolsonaro insiste na patranha antivacina
porque precisa oferecer algo para alimentar os fanáticos que ainda sustentam
parte da sua popularidade declinante. Ele depende desses setores radicalizados
para viabilizar sua campanha à reeleição no próximo ano.
Seu comportamento continua representando uma
ameaça à saúde pública, especialmente em regiões como o Norte e o Nordeste,
onde o avanço ainda é lento e menos da metade dos adultos estão protegidos. Que
seus moradores deem as costas ao presidente negligente e ofereçam o braço à
vacina.
Minúcias eleitorais
Folha de S. Paulo
Julgamento sobre showmícios no STF mostra
legislação detalhista e paternalista
Não
haverá showmícios nas eleições de 2022. Não será desta vez que assistiremos
à batalha entre representantes da MPB que apoiam o PT e sertanejos que cerram
fileiras em torno de Jair Bolsonaro.
O Supremo Tribunal Federal registrou
maioria de 8 dos 10 ministros para manter tais eventos proibidos, como
determina legislação de 2006. Para a maioria dos magistrados, o veto à
participação de artistas em comícios eleitorais não viola a liberdade de
expressão, hipótese em que a norma poderia ser declarada inconstitucional.
Para complicar as coisas, sete ministros
votaram para permitir que músicos se apresentem a um público pagante com a
finalidade de arrecadar fundos de campanha.
Se a norma for aplicada da forma que o STF
definiu, seu efeito mais notável será que os cidadãos mais ricos, isto é, as
pessoas com renda suficiente para fazer doações eleitorais, poderão desfrutar
de um show com seus artistas preferidos, mas os mais pobres, não.
No plano eleitoral, temos uma receita para
a confusão. Uma apresentação destinada a angariar recursos, mas aberta também
ao público não pagante é um evento de arrecadação ou um showmício? Não há como
saber, o que significa que cada juiz eleitoral determinará o que lhe vier à
cabeça.
A razão alegada para a proibição dos
showmícios é manter uma certa paridade de armas entre os candidatos. Trata-se
de ideia fadada ao fracasso, mas que ao menos segue alguma lógica. Quando o STF
mantém o showmício vetado, mas libera eventos de arrecadação, aniquila essa
lógica.
A ciência política já escrutinou as razões
pelas quais o eleitor vota num postulante —e o apoio de artistas não figura entre
as relevantes. Isso significa que os músicos são muito mais úteis para ajudar a
arrecadar fundos do que votos. A paridade de armas é mais afetada pelo que foi
liberado do que pelo que permaneceu vetado.
Esse é mais um exemplo dos problemas
gerados por uma legislação eleitoral excessivamente detalhista e paternalista,
que serve mais para estimular a judicialização dos pleitos, com todas as
incertezas que isso acarreta, do que para promover uma ilusória justiça na
disputa entre os candidatos.
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