Folha de S. Paulo
André Mendonça, nova Lei da Improbidade e
PEC sobre CNMP mostram que há gente que não aprende nada e esquece tudo
Excitemos a fúria dos algozes. Três
questões que têm inflamado parte do colunismo e da imprensa me dão a certeza de
que é preciso adaptar à cor local frase famosa de Talleyrand sobre os Bourbons,
quando voltaram ao poder na França, durante a chamada “Restauração”.
Refiro-me, no nosso caso, à resistência
de Davi Alcolumbre em marcar a sabatina de André Mendonça, às mudanças
feitas na antes destrambelhada Lei da Improbidade Administrativa e à PEC que
muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
“Não aprenderam nada; não esqueceram nada”,
disse Talleyrand. Vale dizer: todos os graves eventos vividos pela Europa, em
particular a França, em 25 anos não haviam ensinado nada aos bacanas que
voltavam ao poder. E continuavam a hostilizar os suspeitos de sempre.
Por aqui, sobre certos nichos da imprensa,
pode-se dizer algo ainda pior: não aprenderam nada e esqueceram tudo. A terra
devastada sobre a qual perambulamos, herança maldita de um trabalho contínuo de
destruição dos espaços institucionais de resolução de conflitos — aquela tal
“política” —, ainda parece pouco.
Vejo, por exemplo, alguns obstinados do colunismo a fazer um verdadeiro trabalho de assessoria de imprensa para Sergio Moro. Eis que a figura de Dom Sebastião ressurge das brumas. Não desapareceu em batalha heroica. Deixou a toga para servir a Jair Bolsonaro, com quem se desentendeu, e foi ganhar a vida nos EUA, de onde ameaça voltar para educar os nativos. Sim, o lava-jatismo tenta se reerguer. E aí vale tudo.
Vale, inclusive, ignorar a biografia de
André Mendonça porque, afinal, o “terrivelmente evangélico” fez, vamos dizer,
um acerto de agenda com a valorosa República de Curitiba. As
contínuas agressões do então ministro da Justiça à liberdade de expressão,
buscando criminalizá-la, e a frequência com que tratou crimes como liberdade de
expressão se anulam diante do compromisso com o “combate à corrupção”, que se
tornou, no Brasil, a prostituta do Estado de Direito — com a devida vênia às
prostitutas.
No dia 7 de julho, Bolsonaro chegou a dizer
que tem uma espécie de testemunho gravado de Mendonça, em reunião com a cúpula
do governo, em que, segundo se entende, o candidato ao Supremo fez juras de
fidelidade não ao dever de Justiça, mas ao poder de turno. E daí? Mendonça foi
adotado pelo “Milenarismo Lava-jatista”, e seus atos de lesa democracia estão
perdoados. E, claro!, o suspeito passou a ser Davi Alcolumbre, que resiste a
marcar a data da sabatina, dentro do que lhe garante, note-se, o ordenamento
legal.
A
tardia — e correta — mudança na Lei da Improbidade é tratada, por
esses mesmos nichos, como leniência com a corrupção porque, ora vejam!, passa a
exigir que se evidencie o dolo para que um agente público seja considerado,
então, ímprobo. Santo Deus! Recorram ao Houaiss. Voltem, se preciso, ao latim.
O sinônimo de ímprobo é “desonesto”. É razoável que o erro meramente culposo
não se distinga do ato doloso?
Aí clamam vozes das trevas, que nos deram
Bolsonaro como herança: “Ah, se tiver de provar o dolo, não se pune ninguém”. É
como dizer: “Já que não conseguimos atingir os nossos alvos com ações penais,
vamos apelar às cíveis, em que é possível condenar sem provas”. O novo texto
também estabelece um prazo para as ações. É o certo. Algumas se arrastam por 20
anos. Não é mais senso de justiça, mas apego a reféns. Leis sancionadas por
presidentes acuados resultam em desastres: a da improbidade traz a assinatura
de Collor; a da delação (organizações criminosas), a de Dilma.
E chegamos à PEC que muda a composição do
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). É mentira que a proposta, desde
a origem — e já passou por alterações —, afete a independência do MP, à
diferença do que dizem os sindicalistas do setor. Tal juízo de valor, no
entanto, compõe hoje o lead de reportagens que deveriam ser apenas
informativas. Sem direito nem a outro lado.
Os caçadores de corruptos, convertidos em
“cassadores” de democracia e direitos fundamentais, não aprendem nada. E
esquecem tudo. Que comecem os xingamentos!
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