Valor Econômico
Governo não tem como contrariar o Congresso
em questões de orçamento
A fraqueza do governo Bolsonaro no
Congresso produz vítimas de forma aleatória. Uma das baixas recentes é a
ciência brasileira. O ministro da área, Marcos Pontes, ainda tenta recompor o
corte em créditos suplementares do Orçamento de cerca de R$ 600 milhões feito
pelo Congresso, com o aval do governo. De forma atarantada, dizendo-se “muito
chateado” e admitindo que de nada sabia e que de nada foi consultado, Pontes
expôs a situação em audiência pública na terça-feira na Câmara.
A questão é a seguinte: a pasta da Ciência e Tecnologia já sofrera um corte cavalar no Orçamento antes. Em 2020 haviam sido R$ 11,8 bilhões. Em 2021, R$ 8,3 bilhões. O quadro piora agora porque os créditos suplementares cortados estavam dentro desta previsão orçamentária e foram retirados com a aprovação do PLN (Projeto de lei do Congresso Nacional) 16, relatado pelo deputado Juscelino Filho (DEM-MA). O montante foi redistribuído para outras pastas. Mas depois da queda o tombo: foi aprovado também um outro PLN, o 12, relatado pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso, que permite o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FNDCT), da ordem de R$ 2,7 bilhões, equivalente a todo o valor que a pasta usa para despesas discricionárias.
Uma mobilização será feita hoje pela
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para tentar reverter
esse quadro, que, segundo o presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro,
afeta os pedidos de insumo em geral para laboratórios e pesquisas de campo. Na prática,
os cientistas ficam impedidos de pesquisar. Mas somente o presidente Jair
Bolsonaro tem poder para enviar um novo PLN ao Congresso restabelecendo o
Orçamento da área. E são poucos os estímulos do governo federal para fazê-lo.
Conforme exposto na audiência pública por
diversos deputados, a motivação para o corte está na área política do governo.
Teria sido preciso sangrar a ciência para garantir o previsto para as emendas
parlamentares. As acusações feitas na audiência pública são graves:
“O que houve no PLN 16 foi uma rasteira do
próprio governo. Mas de qual governo? o do Centrão ou o da área econômica?”,
indagou o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), para concluir: “O governo Bolsonaro
paga o mensalão por dentro, enquanto o PT pagava o mensalão por fora”. Quase o
mesmo disse o deputado Ivan Valente (Psol-SP): “Esse dinheiro é para comprar
voto de fidelidade do Centrão. É compra de votos, é disso que se trata”,
afirmou.
Dilma
Manhã de ontem, na Rádio Grande FM de
Dourados. Luiz Inácio Lula da Silva, em mais uma de suas entrevistas à mídia
regional, recebeu do entrevistador a primeira bola quadrada: “Qual o legado dos
governos Lula e Dilma”? Lula se esquivou: “Posso falar de minha gestão”,
respondeu. Insatisfeito, o entrevistador insistiu no pedido para que ele
avaliasse a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff. Aí Lula não tinha como
escapar. Teve que responder com uma defesa candente, de sua sucessora, não sem
antes ressalvar que é “muito difícil falar do governo de outra pessoa”. E que a
política econômica de desoneração feita por Dilma em seu primeiro mandato foi
“exagerada”.
O exemplo de ontem é uma pequena amostra do
desafio que Lula terá que lidar durante sua campanha no próximo ano para tentar
voltar ao cargo. Este desafio se chama Dilma Rousseff. A ex-presidente,
afastada do cargo pelo impeachment em 2016 e derrotada ao disputar o Senado por
Minas Gerais dois anos depois, é uma companhia potencialmente tóxica.
Dilma complica uma aproximação com
políticos do Centrão, sobretudo os do MDB, que apoiaram seu afastamento há
cinco anos; e com o meio empresarial, traumatizado com a política econômica
intervencionista que a ex-presidente praticou durante a maior parte de seu
mandato e que contribuiu para uma recessão da qual o país não se recuperou
totalmente até agora.
Ao longo dos últimos cinco anos, o PT
investiu energia em construir a narrativa de que o processo de impeachment de
Dilma teria sido um golpe de Estado. Não foi, dado que o devido processo legal
foi seguido, mas é fato que a jornada de 2016 envelheceu mal. Há um certo
consenso hoje de que as alegações que embasaram o afastamento de Dilma foram
frágeis. Ela caiu oficialmente por ter assinado decretos de crédito
suplementares sem autorização legislativa. Parece pouco em comparação com as
acusações feitas a seus sucessores, Michel Temer e Jair Bolsonaro.
As motivações do impeachment de Dilma
também são vistas como nebulosas. Houve muita manifestação de rua, mas o
processo não teria avançado se não interessasse a próceres do MDB que estavam
pressionados pelas revelações da Operação Lava-Jato e precisavam, na célebre
definição dada pelo então senador Romero Jucá em sua conversa com o ex-senador
Sérgio Machado, “estancar a sangria”. Quem presidiu o impeachment foi o
deputado Eduardo Cunha, com a corda no pescoço e o cadafalso se abrindo a seus
pés, emparedado que foi pelas investigações relacionadas à Petrobras.
Esses dois fatores, contudo, não foram
suficientes para reabilitar a imagem de Dilma. A ex-presidente move-se hoje em
um espaço público muito limitado. Só transita na militância petista mais
radicalizada. Não há notícias de sua presença ser requisitada por atores fora
desse nicho.
Por isso o presidenciável Ciro Gomes (PDT)
conseguiu ganhar pontos ao arrastar Dilma para uma polêmica que só interessa ao
pedetista.. Ele disse que o ex-presidente Lula na prática teria atuado para
favorecer o impeachment de Dilma. A ex-presidente reagiu e por aí foram os dois
batendo boca nas redes sociais. Ao intrigar Dilma com Lula, o pedetista sabia
que haveria uma reação petista que, de alguma forma, iria realçar a existência
do liame entre os dois.
Lula evitou este debate na quarta-feira,
mas não teria como continuar a fazê-lo sendo questionado sobre o tema. E o
assunto Dilma, por iniciativa dos adversários ou não, deve voltar muitas e
muitas vezes. Se Dilma foi herdeira de Lula no passado, hoje é a sua herança.
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