O Estado de S. Paulo
A grande vitória da CPI foi ter contribuído
para impulsionar a vacinação, principal instrumento para salvar vidas
A CPI da Covid está chegando ao fim e já é
possível dizer que foi uma das mais importantes da história deste instrumento
de investigação. Ao contrário das outras, que tratavam basicamente de
escândalos de corrupção e negócios secretos na esfera do poder, ela se dedicou
a um tema que todos conheciam.
Na medida em que estava em jogo a política
negacionista de Bolsonaro, bastava traçar uma linha do tempo de suas
declarações para constatar que negou a importância da pandemia, duvidou de sua
letalidade, adotou uma falsa bala de prata contra ela, a hidroxicloroquina, e,
finalmente, resistiu como pôde à inevitável saída para o problema: o processo
de vacinação em massa.
Tudo indica que Bolsonaro não tenha partido
de uma visão específica sobre o quase desconhecido coronavírus. Na verdade, sua
grande preocupação era com a sobrevivência de seu governo, ameaçado pelo
impacto econômico da pandemia. Bolsonaro lutou contra as medidas de
distanciamento social e, na célebre reunião de 22 de abril, chegou a lamentar
que o povo não estivesse armado para contestá-las. Todo esse comportamento era
público, logo, a CPI não teria grandes dificuldades em mapeá-lo.
A influência do trabalho parlamentar se
acentuou, entretanto, no processo de vacinação. Ao denunciar as hesitações de
Bolsonaro nas tratativas com a Pfizer e a recusa inicial em comprar a Coronavac
por razões políticas, a CPI revelou que o combate ao coronavírus e, em
consequência, o número de mortos teriam sido bem diferentes se o governo
tivesse um outro comportamento.
A situação ficou mais clara com o surgimento de grupos de lobistas que negociavam a venda de vacinas ao governo e tinham um tratamento mais aberto do que os grandes laboratórios internacionais. Ofertas mirabolantes da venda de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca foram levadas a sério. Em seguida, surge o escândalo da Covaxin, envolvendo uma empresa que já havia recebido dinheiro do governo, sem entregar a mercadoria. No caso da Covaxin, ao menos US$ 45 milhões foram salvos, porque era esse o adiantamento que a empresa queria receber num paraíso fiscal asiático.
Talvez todo este processo de investigação
da CPI não resulte rapidamente em punições legais, porque o processo jurídico
tem rumo e ritmo próprios. No entanto, é possível afirmar que as denúncias da
CPI, associadas à pressão social, acabaram empurrando o governo para uma compra
mais rápida e generosa das vacinas.
O processo está terminando no momento em
que o nível de contágio pelo coronavírus no País é o menor desde abril de 2020.
A CPI vai apresentar sua denúncias em
níveis nacional e internacional. Bolsonaro será denunciado no relatório final.
As consequências políticas são inevitáveis, nenhum líder escapa do profundo
desgaste diante de tantas mortes como no Brasil, ou mesmo nos EUA, onde Trump foi
derrotado.
No entanto, a grande vitória prática da CPI
foi ter contribuído para impulsionar o processo de vacinação, o principal
instrumento de que o Brasil poderia dispor para salvar vidas.
A CPI que termina foi, também, aquela que
esteve no ar durante todo o tempo de seu funcionamento. Essa intensa exposição
revelou o despreparo de alguns senadores para uma tarefa deste tipo, que requer
pesquisa e dedicação.
Da mesma maneira, na medida em que se
tornou um palco, a CPI acabou sendo usada para performances histriônicas,
propaganda comercial e discursos negacionistas. Em muitos momentos, sobretudo
naqueles em que os senadores não tiveram equilíbrio, a CPI correu o risco de
perder a credibilidade.
Contudo, apesar de toda esta confusão,
aparentemente inevitável quando há câmeras por perto, a CPI levantou momentos
dramáticos cuja investigação, certamente, não vai se esgotar agora. Um destes
momentos foi a crise de oxigênio em Manaus, com tantas mortes e o governo
tentando afirmar uma teoria de tratamento precoce, sem resolver o problema
central: falta de ar.
Outro momento foram as denúncias contra a
Prevent Senior, também tratando de muitas mortes e envolvendo uma perspectiva
comercial que pode tê-las impulsionado. Depoimentos dramáticos da advogada dos
médicos pressionados pela empresa e de um paciente que quase morreu e foi salvo
pela determinação das filhas indicam mais um caso que será falado mesmo depois
de concluída a CPI.
Finalmente, foi também levantada uma
investigação sobre fake news, sobretudo aquelas que tinham incidência direta na
pandemia e, de certa maneira, contribuíam para aumentar o número de mortes no
Brasil. Também é um tema que se desdobra em outra frente de investigação, no
STF, onde se pesquisam também as fake news não apenas contra vacinas, mas
também contra a própria democracia.
Quando se escrever a história deste triste
episódio da vida nacional, esta tempestade perfeita, que unia um vírus
devastador e uma ignorância não menos destrutiva dos governantes, o trabalho da
CPI, certamente, será reconhecido como das fontes principais, o que enriquece
mais ainda sua contribuição.
Apesar do auxílio emergencial e de algumas
iniciativas pró-vacina, ainda assim o Congresso poderia ter feito mais. A
própria CPI foi conquistada na Justiça.
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