O Globo
O anúncio da saída da empresa americana
UnitedHealth do país é mais um sapo a ser engolido por uma parcela da população
exaurida pelos dois anos de pandemia. Quem tem plano de saúde só consegue fazer
testes para Covid-19 na rede privada com pedido médico e controle da
quantidade, apesar do aumento das mensalidades.
O ingresso no país da empresa foi saudado
como uma lufada de modernidade e qualidade que se espraiaria para congêneres
nacionais. Não foi isso que se viu. Houve mudanças pontuais nos fluxos de informação
das intrincadas gambiarras operacionais que vinculam assistência, remuneração e
desfechos. Mas não ocorreram alterações na progressão, sempre acima dos índices
econômicos, das mensalidades e na queda de braço com as negações de coberturas.
Entre a perspectiva de avanço na gestão por
uma empresa americana e o suposto atraso e as especificidades brasileiras,
prevaleceu o anacronismo. Um plano de saúde da UnitedHealth (ex-Amil) no Brasil
é similar aos nacionais.
Mudanças ocorreram no país. Em 2012, o então diretor-executivo da UnitedHeath, Stephen J. Hemsley, declarou: “o Brasil emergiu como um mercado em constante expansão e evolução para o setor privado. Sua economia em crescimento, classe média emergente e políticas progressivas o tornam um mercado de alto potencial de crescimento. É a oportunidade mais atraente que vimos em anos”.
Em 2014, a empresa teve prejuízo. No início
de 2015, perdeu a liderança para a Bradesco. Executivos designados pelos novos
proprietários reclamaram dos desvios nas relações com prestadores de serviços,
tais como cobranças fantasmas e preços superfaturados. Em 2019, a UnitedHealth
encerrou as atividades da Optum, sua empresa de informações no país.
Recentemente, se livrou da carga dos planos individuais (ainda que os mantenha
sob administração do grupo) e anunciou a venda do conjunto de seus ativos.
O negócio, apresentado anteriormente como
exemplar para outros países com renda média, não obteve o sucesso esperado.
Entrar foi fácil, e a saída parece estar liberada. Será contratada uma empresa
para avaliar o valor da venda. Contudo, dar bye-bye para mais de 3 milhões de
clientes — que tiveram procedimentos eletivos adiados no país campeão na taxa
de óbitos acumulados por Covid-19 por habitante — seria um gesto inequívoco de
descompromisso com a saúde. Integrantes das cúpulas do Poder Executivo e um
Legislativo convenientemente omisso, incluindo o Conselho de Defesa da
Concorrência — que respaldaram e incentivaram a vinda do grupo econômico
incondicionalmente, sem sequer estabelecer uma cláusula de tempo de permanência
ou para o repasse de atividades de saúde —, deveriam impor critérios para a
saída. A ANS, como sempre, se manifesta ubíqua e tardiamente. Solicitar
informações depois que anéis já foram vendidos é um disfarce mal-ajambrado para
o proposital fechar de olhos.
Para o mercado, as perguntas relevantes
são: quem será o comprador? Como será a venda? Para os pacientes, as
preocupações são de outra ordem, dizem respeito ao regime de acesso, garantia
de continuar com os mesmos médicos, hospitais e laborátorios, que tenderão a
ser substituídos. Um modelo tipo Prevent Senior, expurgado ou prenhe de
impurezas ideológicas, está em pleno curso no país. Portanto, a principal
preocupação é a manutenção dos contratos atuais. Será proposto um período de
transição durante o qual a UnitedHealth segue responsável?
Desde a redemocratização, grupos
empresariais da saúde têm sido direta ou indiretamente beneficiados com
facilidades para obtenção de créditos, empréstimos, isenções tributárias, para
realizar fusões e aquisições, construir unidades assistenciais, bem como
controlar as instituições reguladoras. Os resultados são cristalinos: tragédia
sanitária, mas prosperidade para alguns. Botar um pé na porta e negociar uma
retirada que proteja a saúde dos clientes terá repercussões favoráveis para
instituições governamentais que se apressam a carimbar o sim e se descuidam do
não.
*Professora da Faculdade de Medicina da UFRJ
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