O ex-PM não descobriu a fórmula do
assassinato perfeito. Muito pelo contrário: indícios de sua participação em
vários crimes abundavam, mas foram ignorados pela polícia. Ao longo da apuração
que resultou no podcast “Pistoleiros”, lançado em dezembro passado e disponível
no Globoplay, coletei provas da participação de Adriano em oito homicídios
diferentes entre 2005 e 2011.
Num desses casos, a execução do bicheiro José Luiz Lopes, o Zé Personal, em 2011, a polícia já tinha provas substanciais contra Nóbrega semanas depois do crime: testemunhas apontaram, em depoimento, o ex-capitão como mandante do homicídio, e um de seus capangas mais próximos, cuja voz foi reconhecida por um homem que presenciou o crime, como um dos executores. De lá para cá, nada foi feito. O inquérito vagou por gavetas de autoridades e chegou a ser destruído por goteiras na delegacia. Até hoje, o caso segue em aberto.
Nóbrega não é um caso único. Ao ser preso
pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes,
o sargento reformado Ronnie Lessa foi apresentado à sociedade como um matador
de aluguel profissional, concorrente do ex-capitão no mercado da morte. Só que,
até então, ele nunca havia respondido por homicídio. Somente após sua captura,
o MP conseguiu provas de que Lessa havia deixado um rastro de sangue sem ser
incomodado: dados obtidos em suas contas de e-mail revelaram que, antes de
diversas execuções que aconteceram nas duas últimas décadas e até hoje não
esclarecidas, o PM fez buscas na internet por informações pessoais (nomes
completos, endereços, CPFs) das vítimas. Agora, o MP quer retomar as
investigações sobre esses crimes.
A situação dos matadores de aluguel de
ficha limpa ilustra quanto o sistema de Justiça Criminal é falho no Rio:
segundo um estudo do MP estadual, só 3,5% dos homicídios cometidos em 2015 no
estado tiveram sentença no Tribunal do Júri quatro anos depois. Por outro lado,
do total de casos analisados, 60% ainda estavam sob investigação, ou seja,
ainda permaneciam sem solução, após quatro anos, e outros 20% já tinham sido
arquivados.
Outro levantamento, do Instituto de
Segurança Pública (ISP), revela que só 21,2% dos homicídios registrados no Rio
em 2018 haviam sido solucionados pela Polícia Civil até o fim de 2020 — ou
seja, quatro a cada cinco assassinatos seguiam sem esclarecimento dois anos
depois dos crimes.
Os números e a trajetória de impunidade dos
pistoleiros escancaram uma verdade inconveniente: as autoridades fluminenses
pouco sabem sobre o crime organizado que age no estado. Diante das taxas de
resolução incipientes, não é possível, por exemplo, determinar a participação
de tráfico e milícia no total de homicídios no estado. Ou estimar o tamanho e o
poder do mercado de matadores de aluguel que agem no Rio.
Se não fosse a pressão popular pela solução
do caso Marielle, Nóbrega e Lessa provavelmente ainda estariam matando
impunemente, abaixo do radar da polícia, do MP e da Justiça. O assassinato da
vereadora — e a mobilização que lhe sucedeu — obrigou as autoridades a mexer
numa parte do submundo do Rio até então intocada. Mas, claro, eles não eram os
únicos atores nesse mercado. Quantos outros matadores de aluguel ainda
permanecem nas sombras, beneficiados pela incompetência do Estado?
*Repórter especial do GLOBO
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