Folha de S. Paulo
Braço direito de Luther King nunca
abandonou a luta antirracista e rejeitava políticas identitárias
"Hoje, incontáveis ‘remédios’ —como a
Teoria Crítica da Raça, a abordagem pós-marxista e pós-moderna da moda que
analisa a sociedade como estruturas de poder institucional de grupos (...)— nos
conduzem à direção errada: a separação até de crianças da escola elementar em
categorias raciais explícitas, enfatizando diferenças ao invés de
similaridades. A resposta é ir mais fundo que a raça, que a renda, que a
identidade étnica ou de gênero. Ensinar a nós mesmos a compreender cada pessoa
não como símbolo de um grupo, mas como um indivíduo singular, especial, no
contexto de uma humanidade compartilhada."
Calminha, sacerdotes iracundos da IRUD, a Igreja do Racialismo dos Últimos Dias. Esperem um instante antes de caluniar o autor do texto acima, rotulando-o como supremacista. Contenham-se, ativistas da IRUD nas redes sociais. Não utilizem "brankkko", o termo infame que aprenderam com seus sacerdotes a empregar, para associá-lo à Ku Klux Klan (e, quando descobrirem a cor da sua pele, abstenham-se da rotina de qualificá-lo como "capataz da Casa-Grande"). Aguardem, integrantes do grupo Jornalistas Pela Censura Virtuosa: evitem escrever um manifesto identificando suas palavras à negação do Holocausto.
O autor principal do trecho entre
aspas é Wyatt Tee
Walker, braço direito de Martin Luther King nos movimentos
pelos direitos civis, organizador da campanha anti-segregacionista de
Birmingham (1963), uma das mais destacadas vozes no combate ao racismo durante
seis décadas. Quando Walker morreu, em 2018, aos 88, Al Sharpton deu
a notícia da seguinte forma: "Uma árvore imensa caiu". Sugiro que a
IRUD e o Jornalistas pela Censura Virtuosa respeitem-no o suficiente para, ao
menos, suportar a publicação de suas ideias.
As sentenças entre aspas estão no artigo
"A Light Shines in Harlem", de 2015, que celebrava os 16 anos da
Escola Sisulu do Harlem, instituição público-privada voltada para alunos de
baixa renda. Nele, Walker declarava sua rejeição às políticas identitárias
racialistas.
Walker nunca abandonou a luta antirracista.
1999, ano da fundação de sua escola, começou com o assassinato do imigrante da
Guiné Amadou Diallo pela polícia de Nova York. Então, o septuagenário
Walker perfilou-se ao lado de Sharpton em manifestações de protesto em Wall
Street e na ponte do Brooklyn. Ele abominava a ideia de classificar jovens
estudantes segundo o critério da raça exatamente porque sabia identificar o
inimigo.
Um relatório de 1964 da comissão
legislativa do Alabama que investigava militantes dos direitos civis descreveu
Walker como "o verdadeiro líder do movimento negro". O líder
intelectual era, claro, King: "Eu
tenho um sonho de que um dia, no Alabama, meninos negros e meninas negras
poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas, como irmãs e
irmãos". Na linha deles, opino que:
1. O racismo, chaga comparável ao ódio
étnico, à intolerância religiosa e à xenofobia, não se combate pela inscrição
da raça na lei, pela separação das pessoas segundo a cor da pele, pela
introdução de cotas raciais;
2. Combate-se o racismo indo "mais
fundo que a raça" —isto é, afirmando nossa "humanidade
compartilhada". Por meio da aplicação das leis antirracistas, pela reforma
da educação pública, pela reorganização
radical da polícia, pela descriminalização das drogas leves,
por legislações destinadas a reduzir a segregação espacial urbana.
King, Walker e Sharpton triunfaram falando
em igualdade e união. Fizeram os EUA andar para a frente, conquistando as leis
dos Direitos Civis e dos Direitos de Voto. Mais: empurraram o mundo adiante,
enraizando o antirracismo nas consciências. A IRUD, ao contrário, segmenta e
separa. Breca o mundo ao dividir os antirracistas, conduzir operações de
policiamento cultural e regar, entre brancos e negros, as sementes do racismo
popular.
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