A vida, no entanto, é mais complexa. Filósofos,
poetas, políticos, juristas, intelectuais, líderes populares fizeram correr
rios de tinta e pronunciaram tempestades de discursos sobre as controvérsias
acerca da liberdade. Liberdade é a maior aspiração humana. Liberdade individual,
religiosa, política, social e econômica, com suas contradições e interrogações.
A ordem natural deveria ser o império da liberdade absoluta. Mas a civilização é, de certa forma, a negação da liberdade absoluta. O Estado, as instituições, as leis, a família, a propriedade, os costumes, as regras não escritas, os padrões culturais dominantes, são formas de subjugar os excessos da liberdade. Se me sentisse livre para matar outro ser humano, implicitamente estaria legitimando o direito de outra pessoa me matar. Em algum momento do avanço civilizatório se estabeleceu: matar é crime. São pactos de convivência que vão nascendo, restringindo a ideia de liberdade absoluta.
No Brasil de nossos dias, o tema
encontra-se totalmente embaralhado. Há um liberalismo torto e capenga solto no
ar, temperado com fortes pitadas de reacionarismo e conservadorismo. Também a
esquerda tem extrema dificuldade de assumir, sincera e radicalmente, a questão
democrática.
Tudo isto me veio à cabeça em função do ocorrido
com o extraordinário tenista, número um do mundo, Novak Djokovic, e sua
resistência em se vacinar contra a COVID-19, com a consequente exclusão do
Aberto da Austrália. Gostava do tenista sérvio, embora sempre torcesse para
Federer, por sua simpatia declarada pelo Brasil e por Guga, de quem fez uma
imitação hilária em jogo exibição disputado pelos dois. Mas um ídolo tem que
dar exemplos. De repente, as redes sociais brasileiras foram ocupadas por uma
enxurrada de postagens transformando Djokovic em herói supremo da liberdade.
Ora, eu, ele, nem ninguém, temos o direito à liberdade individual de colocar em
risco a saúde coletiva e o sistema sanitário.
Desde criança aprendemos com pais e mestres
variantes da frase do filósofo e biólogo inglês Herbert Spencer: “A liberdade
de cada um termina onde começa a liberdade do outro”. A liberdade absoluta
seria tradução pura de anarquia, não de civilização e democracia. Não é fácil fixar
limites, mas o direito coletivo deve prevalecer.
Nossos capengas liberais dos trópicos,
pretensos campeões da liberdade, defendem a liberdade de não tomar vacina e não
usar máscaras, o direito ao acesso a armas e munições, a liberdade de espalhar
mentiras e desinformação nas redes sociais, mas não admitem a liberdade
individual em relação à sexualidade, ao aborto, às políticas de redução de
danos na ação antidrogas, execram à liberdade de imprensa.
George Washigton disse “A liberdade é uma
planta que cresce depressa quando ganha raízes”. Diante de tantas ameaças e
turbulências no horizonte brasileiro, cabe aos amantes da liberdade enraizarmos
nossa democracia.
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