Valor Econômico
Não parece fazer sentido fazer uma mudança
permanente na estrutura de tributação dos combustíveis para enfrentar situação
conjuntural do mercado
Não resta dúvida que a invasão da Ucrânia
pela Rússia traz inúmeros desafios para a economia global. Considerando que as
relações comerciais e financeiras do Brasil com os países beligerantes são
limitadas, as repercussões sobre nosso país são majoritariamente de natureza
indireta, derivadas do aumento do preço das commodities e da redução do
crescimento mundial, além do maior aperto nas condições financeiras globais. A
única exceção, talvez, seja o possível impacto direto da possível escassez no
mercado internacional de fertilizantes necessários na agricultura brasileira,
como é o caso do potássio.
A crise no Leste Europeu ocorre num momento especialmente delicado para a economia brasileira, em que as incertezas eleitorais e os atentados ao arcabouço fiscal já vinham cobrando seu preço e em que o forte aperto monetário em curso também já representava um vento contrário à atividade econômica em 2022, fazendo com que as expectativas de crescimento do PIB estivessem praticamente em zero.
A elevação do preço das commodities traz
para o Brasil repercussões positivas e negativas. Do lado positivo, a melhora
dos termos de troca e o consequente estímulo para os setores de mineração,
energia e do agronegócio podem ajudar no crescimento do PIB em 2022. Porém,
pesam do lado negativo os efeitos dessa elevação sobre os custos de produção,
assim como sobre a inflação ao consumidor, o que afeta a renda real e a
atividade econômica. Além disso, como sinalizado pelo Banco Central em
comunicado que se seguiu à última reunião do Copom, para assegurar a
convergência da inflação para a meta, o processo de elevação da taxa básica
será mais longo e de maior magnitude do que o esperado antes do conflito.
Nesse momento, a resultante desses vetores
positivos e negativos sobre o desempenho do PIB brasileiro é incerta. Depende,
obviamente, de fatores ligados ao conflito, como sua duração, a extensão das
sanções impostas, etc. Mas também depende da qualidade da reação das políticas
adotadas pelo governo brasileiro em reação à guerra russo-ucraniana,
principalmente no que diz respeito à política econômica.
Ocorre que os sinais até aqui não são
animadores. As medidas cogitadas para mitigar a alta dos combustíveis são
prejudiciais às contas públicas e pouco efetivas para lidar com a questão.
Segundo cálculo feito pela Instituição Fiscal Independente do Senado, a
cogitada redução do IPI e a isenção do PIS/Cofins sobre combustíveis
impactariam as contas públicas em RS 24,2 bilhões neste ano. Outras medidas em
discussão são igualmente danosas e inefetivas, como é o caso do mecanismo de
estabilização de preços aprovado pelo próprio Senado e a mudança da sistemática
de cobrança do ICMS sobre combustíveis, que poderia trazer impacto negativo sobre
a situação fiscal dos Estados, além de interferir indevidamente sobre a
autonomia dos entes federados.
Diminuição de impostos é sempre possível,
desde que haja fontes de recursos para compensar a queda da arrecadação. E deve
vir preferivelmente no contexto mais amplo de uma reforma tributária que busque
reduzir a elevada carga de impostos que incide sobre o consumo no Brasil.
Ademais, como sabe qualquer primeiranista de Economia, preço alto não é
sinônimo de inflação. Não parece fazer sentido fazer uma mudança permanente na
estrutura de tributação dos combustíveis para enfrentar uma situação
conjuntural do mercado.
Pior até do que medidas tributárias
pontuais e inefetivas, são as ameaças continuadas de intervenção na política de
preços da Petrobras, como é típico, por exemplo, do discurso do presidente da
República e de alguns de seus auxiliares diretos. Não apenas disso resulta a
queda do valor da companhia, prejudicando o próprio Estado brasileiro, como
também afasta os investidores privados do mercado de óleo e gás, jogando na
lata de lixo todo o esforço recente para privatizar refinarias e outras
atividades antes desempenhadas pela Petrobras.
Não bastasse o desmonte das âncoras fiscais
e a tentativa de interferência indevida no mercado de combustíveis, as
perspectivas eleitorais não são animadoras, já que o candidato líder nas
pesquisas até aqui, o ex-presidente Lula, tem adotado uma ladainha fiscalmente
irresponsável, como a promessa de acabar com o teto de gastos, e ameaças de uso
indevido das estatais, sinalizando para um mandato que seria o retorno às
políticas de Dilma Roussef.
Em resumo, a reação eleitoreira que se
desenha face ao conflito russo-ucraniano, somadas às ações anteriores que
enfraqueceram as regras fiscais, pode aumentar os impactos negativos da
situação internacional sobre a economia brasileira, tendo em vista a
repercussão sobre as expectativas dos agentes econômicos que pode levar ao
enfraquecimento ainda maior do Real e exigir do Banco Central uma elevação
ainda maior da taxa básica de juros ao longo de 2022.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
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