O Estado de S. Paulo
Instituições políticas e atuação das
organizações de controle garantem solidez da democracia
Steven Levitsky (Harvard University)
argumentou em entrevista à Folha de S.Paulo que a
democracia brasileira sobreviveu a Bolsonaro não por vitalidade das
suas instituições nem tampouco por um compromisso do brasileiro com a
democracia, mas por um lance de “sorte”, que seria o fato de Bolsonaro não ter
construído maiorias legislativas e, portanto, não ter tido força necessária
para manipular e subordinar as instituições ao seu projeto autoritário.
Essa argumentação parte da suposição de que as instituições e a própria sociedade são vítimas indefesas de autocratas. Levitsky não percebe que, diferente do bipartidarismo americano, o multipartidarismo no Brasil funciona como um antígeno institucional endógeno contra iniciativas extremas e/ou iliberais, tanto de populistas de direita quanto de esquerda. Desde 1986, por exemplo, nenhum presidente saiu das urnas com mais de 20% de cadeiras no Legislativo. Ou seja, a condição minoritária de Bolsonaro não é uma exceção.
Além do mais, as instituições de controle,
especialmente o Supremo, mas também MP, PF, TCU,
agência reguladoras, imprensa livre etc., têm oferecido inúmeras demonstrações
de robustez e de capacidade de imposição de perdas a qualquer presidente de plantão.
As iniciativas iliberais de Bolsonaro (não foram poucas), ou mesmo as de Lula, têm encontrado respostas
vigorosas.
A partir de uma pesquisa experimental com
uma amostra de servidores de seis agências reguladoras federais, pude
identificar, por exemplo, que 71% deles têm se utilizado de Análises de Impacto
Regulatório (AIR) como escudo protetor de suas preferências, quando percebem
tentativas do governo de interferir politicamente nas agências.
Por meio de AIR, os servidores aumentariam
os custos de diretores das agências de implementar políticas contrárias aos
interesses dos servidores. Em outras palavras, contrariar recomendações de uma
AIR gera perdas reputacionais aos diretores indicados pelos governos, tanto
perante os servidores como também no mercado regulado.
A percepção da maioria dos servidores (76%)
é que há casos de diretores que não terminaram seus mandatos. Os que receberam
a manipulação de que a agência sofreu interferências acreditam que diretores
não terminaram seus mandatos e esta diferença é estatisticamente diferente do
grupo controle. Entre os servidores com mais de dez anos na agência, 78%
informaram ter ocorrido a saída de diretores, o que sugere que os mais antigos percebem a interferência
política não como um fenômeno apenas do atual governo.
*Cientista político e
professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas
(FGV EBAPE)
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